Não é só o Complemento Solidário para Idosos (CSI) que se está a revelar muito mais dispendioso do que previsto (até maio, 51,3% dos 406,8 milhões orçamentados para esta prestação no ano de 2025 já foram consumidos). Também a decisão do anterior governo Montenegro de garantir a gratuidade de medicamentos prescritos a beneficiários desta prestação está a ter um custo bastante superior ao anunciado.De acordo com os números disponibilizados pela Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) ao DN, o custo da medida aumentou 68%, de 1,9 milhões contabilizados no mês de junho de 2024 para 3,2 milhões em março de 2025, enquanto “o número de utentes distintos com dispensa de embalagens” cresceu 53,6% no mesmo período, de 91500 em junho de 2024 para 141500 em março de 2025. Esta despesa, que poderá ainda sofrer incrementos significativos, já que o número de beneficiários do CSI tem vindo a aumentar (eram em maio mais de 223 mil, para 141 mil em junho de 2024), ultrapassa em muito o que foi noticiado aquando do anúncio do aumento da comparticipação dos medicamentos prescritos a beneficiários do CSI. Nessa altura, em maio de 2024, foi adiantada uma estimativa de 10,4 milhões para a medida. Não é claro se esses 10,4 milhões se referiam ao custo estimado para o acréscimo de 50% na comparticipação (correspondendo esse aumento ao resto da parcela do custo que cabia aos idosos, uma vez que já estava em vigor uma comparticipação de 50% decidida pelo último Governo Costa) nos seis meses de junho a dezembro de 2024 ou se, como relataram algumas notícias, estava em causa a dotação anual da medida. Tratando-se do primeiro caso — é o mais provável — assistiu-se a uma derrapagem de 59,6% na despesa. Apesar dos esforços do DN, não foi possível esclarecer a dúvida: as questões endereçadas ao ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (trata-se de uma medida conjunta deste ministério com o da Saúde) sobre a previsão de custo da comparticipação e onde encontrar a respetiva execução orçamental ficaram sem resposta.Também não foi possível encontrar a previsão da medida no Orçamento de Estado de 2025. O que ali figura é a dotação para a comparticipação de 50% nos medicamentos prescritos a ex-combatentes: está na página 390 dos anexos do relatório do OE2025, consistindo em 10 milhões de euros (os ex-combatentes são mais de 300 mil).Custo total pode passar 145 milhões em 2025Tal como a despesa com o “benefício adicional de saúde”, também o encargo total do SNS com “os medicamentos do CSI” (ou seja, toda a comparticipação, incluindo aquela que existe para todos os medicamentos prescritos, seja quem for o comprador, mais os 100% da parcela que diz respeito ao benefício do CSI) aumentou 68% desde junho de 2024 até março de 2025, de 7,5 para 12,6 milhões. Assim, só nos últimos seis meses de 2024, o encargo total do SNS com os medicamentos dos beneficiários do CSI foi de 66,9 milhões; em três meses de 2025, somou 36,4 milhões. A manter-se a média mensal de 12,1 milhões verificada de janeiro a março, chegar-se-á ao final do ano com uma despesa de 145 milhões. . Esse valor deve adicionar-se às restantes despesas com saúde destes beneficiários que o Estado já comparticipava, descritas numa informação colocada no portal do governo em setembro de 2023: “Despesas que tenham com a aquisição de óculos e lentes (75% da despesa, até ao limite de 100€, de dois em dois anos) e com a aquisição de próteses dentárias removíveis (75% da despesa, até ao limite de 250€, de três em três anos)”. Estes idosos podem ainda “aceder, de forma gratuita, às consultas de dentista/estomatologista, através do cheque-dentista, entre uma lista de profissionais de saúde oral disponível no centro de saúde.”Mas, como referido, as dotações orçamentais, e a respetiva execução, relativas a todas estas comparticipações são um mistério.Baralhação nos números da ministra A própria comunicação governamental sobre o assunto é extremamente confusa. Quando a 15 de janeiro a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, foi ouvida no parlamento, afirmou que em 2024 “as alterações no CSI [aumento do respetivo valor de referência, que passou para 550 euros por decisão do Governo Costa, e, a partir de junho, para 600 euros por ordem do Governo Montenegro] e medicamentos implicaram um investimento de 67 milhões de euros”.Porém, quando de seguida um deputado do PSD falou do “aumento substancial da despesa com o CSI” — “Tivemos conhecimento recentemente de que a despesa com o CSI aumentou 170 milhões em relação a 2023: em 2023 foi 260 milhões e em 2024 foi 430 milhões” —, a governante anuiu mas mostrou não saber se os valores citados incluíam as comparticipações.“Parece-me que esse valor não inclui a parte dos medicamentos”, afirmou Maria do Rosário Palma Ramalho, “mas posso dizer que pagámos até este momento em medicamentos 12 milhões, quase 2 milhões de euros por mês. E a despesa é 194 milhões, embora sem essa parte dos medicamentos”. Não foi perceptível a que “despesa” fez a ministra referência quando falou de 194 milhões (a despesa com CSI relativa a 2024 rasou os 400 milhões), e os 12 milhões que indica para o custo da comparticipação dos medicamentos não batem certo com os dados do Infarmed.Na verdade, como referido, a medida tomada pelo primeiro Executivo Montenegro custou 16,6 milhões entre junho e dezembro de 2024 (média de 2,7 milhões mensais). E a execução orçamental do CSI em 2023, tal como consta dos relatórios do OE e da Segurança Social, foi de 235 milhões, tendo em 2024 passado para 398,6 milhões — uma diferença de 163,5 milhões.Não se percebe, assim, a que valores fizeram PSD e governante referência na citada audição.“Acredito que alguém tenha feito as contas”O economista Pedro Pita Barros, da faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE), especialista em economia da saúde e geralmente muito bem informado sobre os números que a ela dizem respeito, franze o sobrolho quando o DN lhe pede ajuda para encontrar a previsão de despesa com a comparticipação de medicamentos a 100% dos beneficiários do CSI.“Sobre o orçamentado, não tive conhecimento de qualquer documento público. A única informação que tenho foi a que saiu nos media, tendo por base as comunicações do ministério”, lamenta. “Mas acredito que alguém tenha feito as contas.” Sendo que, na verdade, o economista não acredita muito nisso. “Regra geral as estimativas de custos desse tipo de medidas tende a subestimar o seu impacto, pois é normalmente difícil antecipar o que seja alteração de comportamento das pessoas que delas beneficiam.”Isto porque, explica, “há, desde logo, dois efeitos previsíveis. Por um lado, se a pessoa pode ir aceder sem custos a esses medicamentos, tenderá a ter menos cuidado com perder, esquecer-se deles, etc, e acabará por adquirir mais, mesmo que não consuma mais. Por outro lado, haverá a tentação de pedir que sejam prescritos no nome dessas pessoas os medicamentos de que toda a família possa precisar, no que é um aumento de utilização e ao mesmo tempo leva a beneficiar dessa redução quem não era alvo da medida.” Conclusão: “Não seria por isso surpresa que as contas iniciais, provavelmente feitas sem ter em conta estes ajustamentos de comportamento, tivessem subestimado o custo da medida.”O problema das contas que terão sido (ou não) feitas parece ser mais global, já que também no que respeita à prestação propriamente dita a previsão orçamental está abaixo do que se está a gastar, e por um motivo muito simples: surgiram muito mais beneficiários do que fora previsto.E esse número irá necessariamente aumentar, assim como a despesa, já que a coligação governamental anuncia querer fazer coincidir o rendimento de referência do CSI com o ordenado mínimo — levando o orçamento para o CSI a ultrapassar, como o DN já demonstrou, os mil milhões anuais já a partir de 2028 (ano para o qual o primeiro-ministro promete elevar valor de referência para 820 euros).Quanto à inexistência de previsões e fundamentações (pelo menos públicas) do custo da comparticipação a 100%, o economista suspira. “Infelizmente, esta opacidade não é hoje. E acaba por nunca ser prioritário fazer uma avaliação metodologicamente bem feita das medidas que se adoptam.”Acresce, comenta, não ser raro que, “quando se pedem estudos de avaliação das medidas, se procure mais validação técnica para uma posição política que verdadeiro conhecimento”. Mas o economista adianta que não seria complicado efetuar uma análise: “Bastaria ter uma amostra aleatória de uma parte da população (por exemplo, dados referentes a 60% do consumo em medicamentos das pessoas que recebem CSI) para que o anonimato não estivesse em perigo e se pudesse analisar.” Cinco medicamentos no topAinda de acordo com a informação solicitada ao Infarmed pelo DN, “os medicamentos com maior número de embalagens dispensadas aos utentes beneficiários do Complemento Solidário para Idosos foram aqueles que contêm Atorvastatina, Paracetamol, Tramadol + Paracetamol, Bisoprolol e Pantoprazol.A Atorvastatina destina-se a reduzir os níveis de colesterol no sangue; o Bisoprolol é indicado para hipertensão (ou tensão alta) e a insuficiência cardíaca; o Pantoprazol inibe a produção de ácido no estômago (sendo prescrito em caso de úlcera, de azia, fluxo gástrico, etc); o Tramadol + Paracetamol é prescrito para a dor moderada a forte e o Paracetamol é um vulgar analgésico e antipirético. .Despesa. Complemento Solidário para Idosos dispara para 1000 milhões em 2028