Despesa. Complemento Solidário para Idosos dispara para 1000 milhões em 2028
Mais de mil milhões de euros. É o que, mantendo-se os atuais 221 mil beneficiários do Complemento Solidário para Idosos (CSI) e cumprindo-se a promessa do Governo de aumentar o respetivo valor de referência para 820 euros, custará em 2028 ao Orçamento de Estado, de acordo com o cálculo efetuado pelo DN, esta prestação não contributiva (ou seja, que não resulta de descontos efetuados pelos que a recebem). A confirmar-se, constituirá um aumento acima de 350% face aos 235 milhões que o CSI terá custado em 2023.
Trata-se de um agravamento notável nas contas do Estado que não parece, como veremos mais à frente, ter sido previsto pelo Governo — ou até pelo Conselho de Finanças Públicas e pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental. Porém, o programa eleitoral da AD para as legislativas de 18 de maio último anuncia um novo incremento no valor de referência do CSI para 870 euros em 2029. E promete ainda “a equiparação ao valor do salário mínimo nacional na legislatura seguinte”. O que, a concretizar-se, atirará o valor de referência do CSI para cima dos mil euros (Luís Montenegro anunciou 1100 euros de salário mínimo em 2029).
Na ausência de cálculos oficiais no Governo quanto ao custo dos incrementos do CSI, DN pediu ao ministério das Finanças que esclareça qual a previsão que fez para o crescimento da despesa com esta prestação até 2028, e se está confortável com a dotação inscreveu para ela no Orçamento de Estado de 2025, mas, até ao fecho deste texto, não obteve resposta.
Já um especialista em Segurança Social que conhece bem o CSI, confrontado com os cálculos do jornal, não se mostrou surpreendido. “O risco de os valores crescerem bem acima do limiar dos mil milhões é elevado”, diz. “Aliás, só uma fé quase religiosa em que as pessoas não vão pedir a prestação — por ignorância ou iliteracia, por não saberem que têm direito ou não saberem como pedir — é que justifica projeções moderadas da despesa. Caso o Governo decida fazer uma campanha de divulgação do CSI, como se fez quando a medida foi criada, em 2005, poderá ter uma surpresa muito grande.”
Para esta evolução acelerada da despesa, considera este especialista, que falou ao jornal sob condição de não ser identificado, contribuem três fatores de agravamento: a elevação do valor de referência, que faz ampliar a base de beneficiários, a retirada do rendimento dos filhos da condição de recurso no acesso à prestação e a aproximação ao salário mínimo. “Isso então”, comenta, “fará rebentar as contas”.
Na verdade, o cálculo que o DN efetuou do crescimento da despesa com o CSI até 2028 pode revelar-se conservador, já que, como nota este perito, aumentar valor de referência da prestação implica que mais idosos “caberão” nos critérios. Se atualmente, com um valor de referência de 630 euros (o fixado pelo Governo para 2025), pode requerê-la quem tenha “recursos” abaixo de 630 euros mensais — correspondendo a prestação à diferença entre a pensão que aufere e tal valor —, à medida que esse valor vai aumentando, o número de possíveis beneficiários crescerá.
Foi, de resto, o que se verificou em 2024, quando o valor de referência aumentou de 488 para 550 euros, por via do Orçamento de Estado de 2024, ainda decidido pelo Governo Costa, e depois, a partir de junho do mesmo ano, com novo incremento, para 600 euros, decidido pelo Governo Montenegro (ao qual foi associado o mencionado fim da inclusão do rendimento dos filhos na avaliação dos recursos dos beneficiários e a comparticipação a 100% — era de 50% no OE2024 — dos medicamentos prescritos a beneficiários).
Se em dezembro de 2023 o CSI contava 137 936 beneficiários, em julho de 2024 passaram a 145 479 e a partir daí foram aumentando até aos atuais 221 328. Num ano — de maio de 2024 a abril de 2025 — contabilizaram-se mais 83 409 idosos a receber o CSI.
Como é natural, o crescimento no número de beneficiários e o incremento no valor de referência tiveram como resultado um aumento de despesa que está refletido nos relatórios de execução orçamental do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS). Em dezembro de 2024, o relatório respetivo indica “um aumento da despesa com o CSI no valor de 163,5 milhões de euros”, representando “mais 69,5 % comparando com o mesmo período de 2023”.
E já em 2025 o relatório de março (o mais recente, pois o de abril ainda não foi publicado) indica um aumento de despesa de “mais 37,14 % [variação homóloga acumulada] comparando com o mesmo período de 2024”.
Em euros, isto quer dizer, ainda de acordo com a fonte citada, que até março a despesa com CSI foi de 124,3 milhões, comparando com 90,6 milhões no mesmo período de 2024, o que corresponde a um aumento de 33,7 milhões de euros.
Atendendo a que o total orçamentado pelo ministério das Finanças para o CSI em 2025 são 406,8 milhões de euros, mais 13,1 milhões que o previsto para o gasto em 2024, isso quer dizer que o aumento da despesa no primeiro trimestre foi duas vezes e meia maior do que o previsto para o ano completo.
“Dezenas ou poucas centenas de milhões”, garantia Miranda Sarmento
Recorde-se que fazer chegar o valor de referência do CSI a 820 euros em 2028 (igualando-o ao salário mínimo fixado para 2024) foi uma das promessas da AD nas legislativas de 2024, aliás formulada logo em novembro de 2023, no Congresso do PSD, por Luís Montenegro, que falou de “um rendimento mínimo garantido para os pensionistas”.
No programa do Governo que resultou das legislativas de março de 2024, esta promessa foi reiterada: “Para combater a pobreza, reforçar gradualmente o valor do CSI numa trajetória orientada para que em 2028 os reformados em situações de maior fragilidade possam ter um valor de referência garantido de 820 euros, e tendo como objetivo a equiparação ao valor do salário mínimo nacional, na legislatura seguinte.” Anúncio que, como já dito, se mantém no mais recente programa eleitoral da coligação.
Mas os únicos cálculos que o DN encontrou para o custo da promessa encontram-se no programa eleitoral da AD para a legislatura 2024/2028, na página 98, num quadro intitulado “tabela 4: despesas”. Aí, numa das linhas, lê-se: “Aumento gradual do Complemento Solidário para Idosos até 820 euros (estimativa alta de 200 milhões por ano)”, “horizonte temporal 2025/2028” e “total medida”: “800”.
Depreende-se então que em cada um dos quatro anos em causa Joaquim Miranda Sarmento, o então responsável pelo cenário financeiro do programa eleitoral e atual ministro das Finanças, que prometera logo em novembro de 2023 apresentar as contas relativas a esse anunciado reforço do CSI, estimara, “por cima”, uma despesa de 200 milhões, a qual, somada, resultaria num acumulado de 800 milhões.
Não se percebe como encaixar esta estimativa no que foi orçamentado até agora por Miranda Sarmento já como ministro das Finanças, nem, tão-pouco, no que este garantiu à CNN em novembro de 2023 sobre o custo da medida: que não passaria das “dezenas ou poucas centenas de milhões de euros”, tendo um impacto "acomodável", "não colocando em risco o equilíbrio orçamental". Ou seja, como na mesma altura afirmou António Leitão Amaro (atual ministro da Presidência), tratar-se-ia de “uma massa de despesa com um valor contido”.
Serão 800 milhões de euros uma “despesa com um valor contido”, ou “poucas centenas de milhões”? Dificilmente, já que aquilo que é custo acumulado de 2025 a 2028 terá de se repetir nos anos seguintes. Dito de outra forma: passará a ser custo anual de 2028 em diante. Um custo que — sublinhe-se — acresce àquilo que foi a despesa com CSI em 2024.
Assim, pode-se concluir que o cálculo inscrito no programa da AD 2024/2028 vai na verdade ao encontro daquele a que o DN chegou. Partindo da despesa de 2023 com CSI, que foi de 235 milhões, e somando-lhe 800 milhões, o resultado é 1035 milhões, excedendo até um pouco as contas que o jornal fez para a despesa total com CSI em 2028.
Como se chega aos 1000 milhões?
Mas como, perguntar-se-á, chegou o DN ao valor de mais de mil milhões de despesa com CSI em 2028? É simples: sendo o valor de referência atual do CSI de 630 euros, a diferença para os 820 euros prometidos para 2028 é de 190 euros. Dividindo esse montante por três (os anos até 2028), dá 63,33 — a quantia que terá de acrescer anualmente ao valor de referência da prestação para se chegar a 820 euros. Não esquecendo, claro, que o valor do acréscimo de cada ano soma ao dos seguintes.
Assim, para um número de beneficiários igual ao atual — os 221 mil que, por definição, têm um rendimento abaixo de 630 euros —, o acréscimo na prestação será de 167,9 milhões em 2026. Mais concretamente 167 951 160: 63,33 a multiplicar por 221 mil beneficiários vezes os 12 meses do ano.
Já em 2027, e seguindo a mesma fórmula, o acréscimo é de 63,33 sobre os 63,33 euros do ano anterior, ou seja, de 126,66 euros, correspondendo a 335,9 (335 902 320) milhões. E em 2028, completando-se o acréscimo de 190 euros ao valor de referência atual, alcança 503,8 (503 853 480) milhões.
Somando o custo acumulado dos aumentos faseados nestes três anos — de 2026 a 2028 —, chegamos a 1007,7 milhões de euros (1007 706 960). Este é então o custo do acréscimo no valor de referência neste triénio.
Vejamos agora a despesa total com a prestação referente ao ano de chegada (2028). Se o custo do acréscimo ao que é atualmente pago será, nesse ano, de 503 milhões de euros, é preciso adicionar-lhe a “base”, ou seja, a despesa com o CSI antes desse acréscimo.
Ora a despesa com CSI em 2025 deverá, de acordo com os cálculos efetuados pelo DN a partir dos dados publicados pela Segurança Social (SS) e referentes aos primeiros quatro meses do ano (sendo a prestação média de mais de 200 euros), ultrapassar igualmente os 500 milhões.
Para chegar a esse número, o jornal usou os dados de beneficiários e a prestação média de janeiro a abril, publicados pela SS e obteve como resultado 174,4 milhões (174 409 761) de euros. Mantendo-se um valor aproximado no resto do ano (ou seja, multiplicando o gasto nos primeiros quatro meses por três), o saldo do CSI será de cerca de 523,2 milhões.
Esta é uma estimativa que os citados relatórios de execução orçamental do IGFSS parecem validar: tomando como bom o valor aí atribuído ao custo total do CSI em 2024 — 398,6 milhões — e aplicando-lhe o incremento de 37% verificado em 2025 até março, chegamos a uma despesa de 546 milhões. Fonte conhecedora das contas da SS, consultada pelo DN, crê que a despesa ficará num valor um pouco menor, até 530 milhões.
Assim, partindo destas premissas, o custo total do CSI em 2028 (incremento mais “base”, correspondendo a base à despesa com os atuais beneficiários e a atual prestação) será de mais de mil milhões — quase quintuplicando o registado em 2023 (235 milhões).
Que contas está o Governo a fazer?
Estes cálculos são isso mesmo — cálculos —, ainda que baseados nos dados existentes.
Parece porém muito improvável que a previsão do ministério das Finanças para o aumento da despesa com o CSI em 2025 — orçada em apenas mais 3,3% face a 2024 (atribuindo a esse ano um gasto de 393,7milhões) ou seja, pouco mais de 13 milhões — se confirme.
Aliás, que houve um erro nas estimativas do Governo quanto às mexidas que efetuou no CSI foi desde logo notório quando em maio de 2024 anunciou esperar que essas alterações levassem a uma entrada de apenas 24 mil novos beneficiários — número que dois meses depois, em julho, o ministério da Solidariedade e Segurança Social certificou não dever sequer constituir uma entrada “líquida” ao longo do ano, devido às “saídas” que iriam ocorrer. Porém até dezembro de 2024 o CSI somou mais 70 406 beneficiários e, como já referido, continuaram a aumentar até abril de 2025.
Face a estes desencontros e ao facto de o DN não encontrar estimativas governamentais quanto à despesa com o incremento do valor de referência do CSI nos próximos anos, o jornal, como já referido, pediu esclarecimentos ao ministério das Finanças.
Desde logo, qual a despesa que o Governo previu que corresponderia, ano a ano, ao incremento previsto no valor de referência do CSI, e qual prevê corresponder a partir de 2028, assim como qual a estimativa que faz para a despesa total, para o Orçamento de Estado e a partir desse ano, com a prestação.
O jornal solicitou também ao Governo que esclareça qual a estimativa de incremento de beneficiários do CSI que presidiu à decisão de aumentar o valor de referência até 820 euros.
Por fim, perguntou se, atendendo ao atual número de beneficiários do CSI (221 328 em abril), ao facto de terem vindo a crescer nos últimos meses e de ter inscrito no OE2025 um aumento de apenas 3,3%, ou 13,1 milhões de euros, na despesa relativa à prestação, quer rectificar esta previsão, e se sim, como.
Face a estas perguntas, o gabinete do ministro das Finanças remeteu para o ministério do Trabalho e Solidariedade Social.
O DN, porém, não está só nas dúvidas sobre a dotação para o CSI no OE2025: também a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (que funciona na dependência do parlamento) releva, no seu relatório sobre o OE2025, uma discrepância nas contas do CSI.
Fazendo, na página 168 do documento, menção ao facto de o incremento percentual inscrito na “documentação da Conta Previsional da Segurança Social para 2025” estimar para esse ano “um aumento na despesa total da prestação do Complemento Solidário para Idosos de apenas 3,1% (+13 M€), relativamente a 2024”, a UTAU repara que tal aumento “representa uma dimensão substancialmente inferior aos incrementos anunciados pelo Governo no reforço desta prestação”.
Tais incrementos, especifica a UTAO, são os 70 milhões de euros que o Governo projetou para 2025 como resultado do aumento de 50 euros efetuado em junho de 2024, associados ao resultado do “novo aumento mensal de 30 euros no valor de referência do CSI, elevando-o para 630 euros”, que “o Governo indicou que (…) terá um impacto negativo no saldo orçamental de 50 milhões de euros.”
Estas dúvidas, porém, não terão levado a UTAO a proceder a uma verificação das contas do CSI — nomeadamente reparando no grande aumento do número de beneficiários em 2024, que, aliado ao incremento do valor de referência em 2025, levaria em princípio a um aumento assinalável na despesa neste ano.
O mesmo vale para o Conselho Superior de Finanças Públicas, que se limitou, na respetiva análise ao OE2025, a advertir para o aumento de 120 milhões de euros associado ao reforço do CSI no conjunto da XVI legislatura (que corresponde ao primeiro Governo Montenegro) — que situa em mais 50 milhões — e do orçamentado para 2025 (mais 70 milhões).
Para além das dúvidas relacionadas com o custo e o seu reflexo nas contas do Estado, o incremento para o CSI nos moldes prometidos levanta questões de equidade e de “sentido” do próprio sistema previdencial. Nomeadamente no que respeita àquilo que o especialista em segurança social ouvido pelo DN apelida de “desincentivo às contribuições”. Fator a que a ex-deputada do CDS-PP Cecília Meireles se mostrou, logo em novembro de 2023, sensível, falando, no programa Linhas Vermelhas da Sic-N, de “questões de justiça relativa que não são fáceis de gerir”.
Explicou Cecília Meireles, citada pelo Expresso, que “um beneficiário de uma pensão não contributiva pode vir a ter um rendimento de 820 euros, através do CSI, se a sua família não tiver outros rendimentos, mas um pensionista com carreira contributiva completa pode não chegar a esse valor se, por exemplo, o seu marido ou mulher tiver um rendimento superior.”