Descendentes de judeus sefarditas, prestes a perder o direito de solicitar a nacionalidade portuguesa por esta via, criaram um movimento para tentar que a lei não seja promulgada. Ao DN, a luso-brasileira Jordana de Almeida, que lidera a iniciativa, explica que o artigo da lei pode ser aprimorado tecnicamente, mas não deve ser eliminado.“Em vez da revogação, pedimos que optem por um aprimoramento técnico e ético do processo, preservando o gesto de justiça que dignifica Portugal”, afirma. Uma carta com vários argumentos foi enviada a todos os partidos representados na Assembleia da República — que já aprovou a lei — e também será remetida ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. “Vamos pedir que olhe com sensibilidade para este tema e considere vetar a revogação [do artigo que retira a possibilidade de pedir a nacionalidade por via da descendência sefardita]”, diz ao jornal.Jordana é psicanalista e vive em Portugal há oito anos. Casada com um cidadão português e com uma filha nascida no país, nunca quis pedir a nacionalidade pelas outras vias a que também tem direito, mas sim por aquela de que mais se orgulha. “Quero pedir a nacionalidade portuguesa por ser descendente de judeus sefarditas, como um ato de reconexão espiritual e de reparação histórica. Não se trata apenas de um direito jurídico, mas de um laço ancestral com Portugal, um retorno simbólico às raízes dos meus antepassados que aqui viveram antes da dispersão”, conta a luso-brasileira.A descendente considera “injusta” a alteração à lei, que o ministro António Leitão Amaro descreveu como algo que “já teve o seu tempo” como justificativa para a alteração. “Foi como ver uma porta fechar-se sem diálogo, sem que as vozes que representam essa história fossem ouvidas. Não foi apenas uma decisão política, foi uma injustiça histórica e espiritual”, lamenta.Enquanto a lei era debatida no Parlamento, Jordana de Almeida Marsano apresentou um documento com “propostas concretas para que a lei pudesse ser ajustada, não revogada”. Ao ver a aprovação, confessa que sentiu tristeza. “Ela representava muito mais do que um meio de adquirir nacionalidade: simbolizava um gesto de reconciliação com o passado, um reconhecimento da herança sefardita que faz parte da alma portuguesa”, analisa.."Portugal mais Portugal". O que vai mudar com a nova Lei da Nacionalidade e quais os próximos passos.No documento, a cidadã propôs que se tornasse obrigatória a comprovação genealógica e documental “rigorosa, validada por especialistas em história judaica e genealogia”; testes de ADN “reconhecidos, capazes de rastrear a ancestralidade sefardita com precisão científica”; a exigência de um “vínculo cultural real com Portugal”, como estudos da língua portuguesa, participação em atividades culturais ou laços comunitários efetivos; e uma auditoria e transparência pública dos processos, “combatendo eventuais fraudes sem prejudicar os legítimos descendentes”.Defende ainda a criação de um “Conselho Histórico-Cultural permanente, formado por académicos, líderes comunitários e representantes do Estado, para acompanhar e validar os pedidos”.Na sua visão, “essas medidas permitiriam proteger o país sem apagar a justiça da lei”.O dossiê também sublinha que a alteração à lei constitui “um gesto com profundas implicações morais e simbólicas”, equivalente a “negar a responsabilidade de Portugal nos séculos de perseguição” e “enfraqueceria a imagem de Portugal como nação moderna, justa e reconciliada com o seu passado”. Outra consequência apontada é a criação de “tensões diplomáticas com Israel e com as comunidades judaicas da diáspora”, além de representar “um retrocesso ético, uma ferida aberta no coração da memória coletiva”.Segundo Jordana de Almeida Marsano, apenas o Partido Comunista Português (PCP) respondeu ao e-mail, confirmando a receção, bem como a secretaria da Assembleia da República. Os restantes partidos não responderam. Além da mobilização política, está a ser criada uma campanha online com depoimentos em vídeo sobre o tema. “Reunimos apoios e pedidos de testemunhos que incluem rabinos dos EUA, Israel, Brasil e Portugal, além de líderes e instituições locais, incluindo membros da comunidade e da Sinagoga do Porto, que até há pouco tempo tinham um processo jurídico em curso relacionado com o tema”, detalha.Os vídeos contarão com a participação de rabinos, descendentes sefarditas, influenciadores, historiadores e genealogistas. O objetivo é explicar “por que motivo o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa deve vetar a revogação da lei da nacionalidade para descendentes de judeus sefarditas”.Próximos passosA lei, aprovada esta semana, será agora enviada ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. O chefe de Estado pode vetar politicamente, sancionar ou solicitar uma fiscalização preventiva de constitucionalidade ao Tribunal Constitucional (TC), tal como fez no caso da Lei dos Estrangeiros.Até ao momento, não há indicação de que o venha a fazer. O Governo optou por “fatiar” a lei, de modo a que a alteração suscetível de dúvidas constitucionais ficasse num diploma separado. Assim, o restante articulado — incluindo a mudança no tempo mínimo de residência para solicitar a nacionalidade e a revogação da via sefardita — manteve-se inalterado.Caso a legislação seja promulgada, será publicada no Diário da República (DRE) e entrará em vigor no dia seguinte. A aprovação contou com os votos favoráveis do PSD, Chega, IL, CDS e JPP, num total de 157 votos. O PS, Livre, PCP, BE e PAN votaram contra, somando 64 votos.amanda.lima@dn.pt."Portugal mais Portugal". O que vai mudar com a nova Lei da Nacionalidade e quais os próximos passos."Hoje, Portugal fica mais Portugal.” Nova Lei da nacionalidade aprovada no Parlamento