Num momento em que ainda não há qualquer decisão política para o arranque do programa de substituição dos 28 caças F-16 da Força Aérea Portuguesa (FAP), há fabricantes que já se começaram a posicionar-se para a corrida que se prevê bastante competitiva. Os suecos da Saab, fabricantes dos Gripen, dão o primeiro passo, numa espécie de David contra o Golias da Lockeed Martin, que tem a preferência assumida da FAP.O Chefe de Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), Cartaxo Alves, declarou-o, primeiro na entrevista DN/TSF, em abril do ano passado: “o processo fundamental de transição para o F-35 é algo que está a decorrer, mas não é num dia que se faz. Esse processo já começou. Tivemos aqui um workshop com a Lockheed e com a Força Aérea Americana para nos capacitarmos também do que é que é esse salto para a quinta geração. É um programa que orçará 5,5 mil milhões, eventualmente. E não é um programa que é pago num ano, estamos a falar de um programa a 20 anos. É um valor que, à primeira vista, dizemos que é um valor altíssimo, mas se depois fizermos a decomposição ao longo do período dos 20 anos que é necessário, e que só recebemos o avião a partir do sétimo ano, vemos que, obviamente, é um programa adequado e em que o esforço logístico deste programa é praticamente dividido por toda a Europa futuramente”.No entanto, se para a FAP este é um processo que já começou a fazer o seu caminho, depois disso, o ministro da Defesa criou politicamente a oportunidade a outras opções.“ Os F-16 estão em fim de ciclo e teremos que pensar na sua substituição. Mas, nas nossas escolhas, não podemos ficar alheados da envolvente geopolítica. A recente posição dos Estados Unidos, no contexto da NATO e no plano geoestratégico internacional, tem que nos fazer pensar as melhores opções, porque a previsibilidade dos nossos aliados é um bem maior a ter em conta. Temos que acreditar que, em todas as circunstâncias, esses aliados estarão do nosso lado. Há várias opções que têm que ser consideradas, nomeadamente no contexto de produção europeia e também tendo em conta o retorno que essas opções possam ter para a economia portuguesa”, declarou Nuno Melo já em março deste ano, em entrevista ao Público.Um mês depois, na Grande Conferência de Defesa Nacional, do Diário de Notícias, realizada em abril, o CEMFA voltou a reforçar a a preferência da FAP: “Neste momento, Portugal não tem alternativa” a não ser adquirir caças F-35, os quais “apesar de serem dos Estados Unidos, são montados na Europa. São aviões de quinta geração. Todos os países têm. A Alemanha, por exemplo, comprou porque não há alternativa. Os aviões de fabrico europeu, do Rafale ao Eurofighter, são menos avançados. Podemos pensar num caça europeu avançado daqui a 20 anos, mas agora não há alternativa”, frisou o responsável. O general Cartaxo Alves enfatizou a importância de Portugal manter capacidades de defesa aérea compatíveis com o seu espaço geoestratégico no Atlântico. Afirmou que “é imperioso que a próxima aeronave de defesa aérea seja de 5.ª geração”, referindo-se especificamente ao F-35 como a única aeronave atualmente disponível que cumpre esse requisito.Note-se que a partir do momento em que o poder político aprovar a transição para as novas aeronaves, segundo a FAP, o primeiro avião só chegará ao fim de oito ou dez anos, pelo que os F-16 quando forem substituídos terão mais de 40 anos.Ao Expresso, o CEMFA sinalizou que o “F-35 é muito mais do que um avião, é um programa e uma capacidade”, porque “envolve uma tecnologia que não está disponível e obriga a um desenvolvimento tecnológico da Força Aérea e do cluster aeronáutico nacional” para suportar a “manutenção, reparação, montagens, testes, software, segurança e conectividade.” Revelou ainda ter manifestado à Lockheed que “tem de haver uma forte componente de capacitação da indústria da defesa, porque senão não vai haver programa”.Questionada pelo DN sobre se havia alguma estimativa de quando o programa de substituição dos F-16 poderia arrancar, fonte autorizada do ministério da Defesa, mantém a posição antes firmada por Nuno Melo: “Não está em cima da mesa nem este ano nem, possivelmente, no próximo ano”.Numa apresentação feita nesta terça-feira aos jornalistas, a Saab revelou que já começou a escolher parceiros em Portugal. “Na semana passada, foram assinados dois Memorandos de Entendimento (MoUs) entre a Saab e empresas portuguesas, com o objetivo de intensificar a cooperação industrial no âmbito do desenvolvimento do caça Gripen: um com a OGMA e outro com a Critical Software. Este é o primeiro passo para darmos início à nossa cooperação. Os detalhes e a intensidade da parceria vão agora ser objeto de discussão. Com a OGMA, estamos a explorar o potencial de cooperação na área da produção e MRO (manutenção, reparação e revisão). Com a Critical Software, estamos a avaliar projetos conjuntos na área de software relacionado com a aviação”, avançou fonte oficial da empresa.O DN questionou o vice-presidente Daniel Broestad se conhecia os requisitos da FAP e se acreditava que os Gripen poderiam corresponder às expetativas. A resposta foi bem elucidativa da ambição da tenacidade dos suecos: “Quaisquer que sejam os requisitos nós vamos corresponder”, declarou.No encontro, o responsável da SAAB foi questionado sobre se as parcerias iriam avançar mesmo que Portugal não escolha os Gripen. A resposta não foi taxativa, mas a SAAB explicou que o cenário geopolítico na Europa vai aumentar a procura pelos seus equipamentos, pelo que vai sempre precisar de parceiros. “O negócio da Saab está a crescer e precisamos de parceiros qualificados e capazes para responder às necessidades dos nossos clientes”, sublinhou.Os suecos trouxeram o exemplo do Brasil, país com o qual Portugal tem a parceria bem sucedida no fabrico dos KC 390, com a Embraer. “Como exemplo de cooperação industrial induzida pela Saab, a parceria com a Embraer, no Brasil, gerou um significativo valor económico. O Brasil adquiriu 36 unidades Gripen - 28 E (monolugar) e 8 F (bilugar) - e uma parte dessas aeronaves será montada em Gavião Peixoto. Em 2018, a Saab inaugurou uma fábrica de aeroestruturas para o Gripen em São Bernardo do Campo, que vai produzir o cone de cauda, os travões aerodinâmicos, a fuselagem traseira e a fuselagem dianteira do Gripen E”.A transferência de tecnologia, a cooperação com as indústrias nacionais e a possibilidade de produção de peças, componentes ou mesmo do próprio caça é um dos principais destaques da proposta de valor da SAAB. Novamente, a empresa sueca cita o caso do Brasil, onde o Gripen foi escolhido em 2008/2009 e os trabalhos de produção do caça na Suécia para a FAB - com o equipamento e os aviónicos escolhidos - começaram em 2016. Mas o objetivo do Brasil e da Força Aérea Brasileira era o de produzir internamente os aparelhos. O primeiro caça Gripen feito no Brasil deverá sair da fábrica no início de 2026, revelou no evento Márcio Bonetto, piloto de caça e general da FAB na reserva, atualmente consultor da SAAB. Outros 14 do total da encomenda do Brasil à SAAB será feitos dentro de portas.Sendo uma decisão política, a empresa sueca aposta em tentar demonstrar que a escolha do seu equipamento produz ganhos que vão além da defesa em sentido restrito.“Nós criámos um centro de desenvolvimento do Gripen no Brasil. Montámos uma fabrica de estruturas e trouxemos para o Brasil parte do desenvolvimento, parte da produção e dos trabalhos de manutenção”, disse Márcio Bonetto. “Foi o maior programa de transferência de tecnologia e cooperação industrial da história da Suécia até agora. Esperamos que o de Portugal seja ainda melhor”, sublinhou, explicando que a SAAB formou mais de 350 engenheiros para trabalhar nesta tecnologia.Outro dos pontos que SAAB acha que o Gripen tem a seu favor -especialmente face ao F-35 americano - é a arquitectura do seu software, em camadas isoladas. Isso significa que o software de combate e guerra eletrónica não está em interface com o dos sistemas de controlo da aeronave. Ou seja, não são precisos testes demorados (que podem durar meses) para verificar que um novo upgrade ou update de software eletrónico de combate, navegação ou sistemas de armas não é um risco de segurança para os controlos do aparelho.“Somos os únicos que podemos dizer que programamos pela manhã e voamos à tarde. Um caça normal faz um upgrade a meio da vida útil aos 20 anos. Na SAAB fazemos upgrades do software de 3 em 3 anos”, sublinhou o responsável da empresa. É por isso que a empresa sueca desvaloriza o conceito de 4ª, 5ª ou 6ª Geração. “Se eu estou sempre a atualizar os sistemas e a tornar o meu caça mais moderno e capaz de enfrentar os adversários, que sentido faz estar a falar em gerações?”, salienta Daniel Broestad. Se Daniel Broestad explica o cérebro, o piloto aviador Márcio Bonetto explica as garras do Gripen. “Se o caça tem um display a toda a largura da consola, está interligado e conectado aos sistemas dos aliados, tem um dos melhores radares do Mundo, Leonard UK, e é capaz de lançar mísseis Meteor (que são BVR, ou seja alcançam alvos para lá do horizonte) então sou uma ameaça séria”, disse Bonetto. Mas o Gripen não é furtivo (stealth), como o F-35, contrapôs a imprensa. Isso não é uma desvantagem? “A tecnologia stealth é antiga. Se os meus sistemas de armas, de combate e de guerra eletrónica me permitem vê-los e abatê-los, então está ultrapassada”, diz Bonetto.Falta o último argumento da empresa sueca: o preço. Nenhum dos responsáveis se arrisca a dizer o valor de cada caça, mas tem uma explicação para isso. “Tenho alguma contenção em falar do preço à saída da fábrica. Não é isso que devemos medir, mas sim o custo do equipamento ao longo de toda a sua vida útil. E aí somos muito competitivos face aos nossos concorrentes F-35, Rafale ou Eurofighter]”, disse Daniel Broestad. Quão competitivos? “Custamos um terço do que custaria comprar e manter outro aparelho”..Caças britânicos iniciam missões de defesa aérea na Polónia após incursões russas.Ministro da Defesa diz que Portugal está preparado para reforçar presença a Leste se for necessário