Jovens ativistas com a sueca Greta Thunberg (ao centro)
Jovens ativistas com a sueca Greta Thunberg (ao centro)FREDERICK FLORIN / AFP

Combate às alterações climáticas. Tribunal rejeita queixa de jovens portugueses mas dá vitória a idosas suíças

"Não derrubámos o muro, mas fizemos uma grande fenda", disse Catarina Mota, que faz parte do grupo de jovens que apresentou a queixa contra 32 países, incluindo Portugal, no Tribunal Europeu de Direitos Humanos. "Isto não acaba aqui", garantiu.
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Os jovens portugueses que apresentaram queixa contra 32 países por inação na luta contra o aquecimento global viram esta terça-feira o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) rejeitar o processo "Duarte Agostinho e outros contra Portugal e outros Estados".

É do entendimento do tribunal que os seis jovens portugueses "não utilizaram as vias legais à sua disposição em Portugal para para apresentar as suas queixas" e, nesse sentido, "não tinham esgotado as vias de recurso internas".

Desta forma, o TEDH considerou que o caso é "inadmissível" em "toda a linha", sobretudo o que se refere à jurisdição extraterritorial dos Estados indicados no processo.

"A jurisdição territorial foi estabelecida apenas em relação a Portugal - nenhuma jurisdição poderia ser estabelecida em relação aos outros Estados neste caso", lê-se na decisão do tribunal.  

O TEDH considerou que não era possível imputar a uns países fenómenos climáticos adversos ocorridos em outros Estados, considerando que uma deliberação nesse sentido, ainda que exclusiva a processos relacionados com as alterações climáticas, ia abrir um precedente com implicações inimagináveis, já que colocava em causa a soberania e as limitações geográficas de cada país.

André, Catarina, Cláudia, Mariana, Martim e Sofia, nascidos entre 1999 e 2012, invocaram "circunstâncias excecionais" para apoiar a argumentação de que o tribunal tinha de incluir a "jurisdição extraterritorial" de outros Estados.

Os 17 juízes, incluindo a portuguesa Ana Maria Guerra Martins, reconheceram que os países visados têm "controlo sobre as atividades públicas e privadas assentes nos seus territórios" que contribuem para a produção de gases com efeito estufa e que há compromissos de vários Estados, incluindo Portugal, para a redução de emissões, nomeadamente o Acordo de Paris (assinado em 2015 e que prevê a redução de emissões).

Ainda assim, o TEDH considerou que não poderiam servir de "base para a criação de uma interpretação jurídica sobre um terreno novo de jurisdição extraterritorial ou como justificação para expandir as atuais".

O tribunal deliberou também que os requerentes não esgotaram todas as vias legais que tinham em Portugal antes de recorrerem a esta instância europeia.

Os requerentes arguíram que um processo de violação dos direitos humanos por consequência das alterações climáticas não tinham cabimento para avaliação por uma instância em Portugal, mas o TEDH refutou o argumento, justificando que houve falta de prova apresentada em tribunais nacionais para ser objeto de análise pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

O tribunal interpretou que processos referentes ao ambiente e às alterações climáticas já estão presentes na moldura judicial portuguesa e são "uma realidade no sistema legal nacional", razão pela qual o processo devia ter esgotado todas as instâncias nacionais possíveis, antes de ser remetido para um tribunal europeu. 

"O tribunal anotou que o sistema legal português providencia tanto os mecanismos para ultrapassar a falta de representação [dos requerentes] e medidas para ultrapassar a morosidade dos procedimentos", por isso o TEDH "foi incapaz de considerar que havia razões especiais para excetuar os requerentes de um processo exaustivo nacional de acordo com as regras aplicáveis e os procedimentos disponíveis".

Pela mesma razão, consideram haver falta de dados para examinar o estatuto de vítima pedido pelos requerentes.

Ainda assim, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos fez um reconhecimento histórico: as alterações climáticas são um problema que os países "têm o dever" de abordar e encontrar medidas para mitigá-las.

Decisão europeia sobre clima fez "grande fenda" mas falta derrubar o muro

Apesar de o tribunal recusar a queixa contra 32 países por inação no combate às alterações climáticas, os jovens portugueses consideraram que abriram "uma grande fenda", mas ainda é preciso derrubar "o muro".

"Não derrubámos o muro, mas fizemos uma grande fenda", disse uma das jovens, Catarina Mota, ladeada pelos restantes queixosos neste processo, no átrio do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), em Estrasburgo (França). 

Catarina Mota disse que, ao ouvir a decisão do TEDH, sentiu "muito orgulho por todo o trabalho que foi desenvolvido" até ao dia de hoje.

"Foi muito trabalho, não apenas nosso, de todos os cientistas, de todos os advogados, é preciso reforçar isso, e sentimos que não foi perdido. Isto não acaba aqui, é apenas o começo e o futuro realmente a prova de que isto era necessário", completou.

Já Martim Duarte Agostinho, o rapaz que encabeçou o processo, admitiu alguma frustração com a decisão, mas disse que o momento é de reflexão. 

"É um pouco difícil não me sentir desapontado, mas também estou contente, acho que o resultado foi bastante bom. A explicação era muito técnica e um pouco difícil para uma pessoa como eu perceber. Obviamente que saio chateado, mas o importante é perceber que isto era para nós todos", disse Martim Duarte Agostinho.

Decisão histórica com vitória das "avós pelo clima". Tribunal condena Suíça por inação no combate às alterações climáticas

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou, no entanto, a Suíça num outro caso apresentado por uma associação de idosas suíças, a Klima Seniorinnen, que denunciou a inação do governo no combate ao aquecimento global.

É uma decisão histórica, já que, pela primeira vez, o tribunal com sede em Estrasburgo, nordeste da França, condenou um Estado por falta de iniciativas para combater as alterações climáticas, com base na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

O tribunal concluiu que o Estado suíço violou o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que garante o “direito ao respeito pela vida privada e familiar”, como refere o veredicto, ao qual a AFP teve acesso. 

A vitória das "avós pelo clima", como eram conhecidas as requerentes da Suíça, é "uma vitória para todos", disse Catarina Mota.

"Agora podemos ir aos tribunais nacionais para conseguirmos algo, esse era também um dos nossos objetivos", acrescentou. 

Num terceiro caso sobre alterações climáticas, o tribunal rejeitou a alegação de um antigo autarca francês de que a inação do Estado representava o risco de a sua cidade ser submersa. O tribunal concluiu que o antigo residente e ex-presidente de câmara de Grande-Synthe não tinha estatuto de vítima, uma vez que já não reside em Grande-Synthe, nem em França, não tendo, por isso, "qualquer ligação suficientemente relevante" com Grande-Synthe.

Decisão desfavorável “não diminui a responsabilidade” e ambição do Governo, diz ministra do Ambiente

No que se refere ao caso apresentado pelos jovens portugueses, a ministra do Ambiente, Maria da Graça Carvalho, considerou que a decisão desfavorável do tribunal “não diminui a responsabilidade” do Governo no combate às alterações climáticas. 

"Esta pronúncia não diminui a nossa ambição e a nossa responsabilidade para com a ação climática, refere a governante, em comunicado.

De acordo com Maria da Graça Carvalho, “tem sido feito um esforço legislativo importante a nível europeu e a nível nacional nesta área”. A governante indicou ainda que Portugal tem “objetivos ambiciosos para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, ambicionando atingir a neutralidade carbónica até 2045, cinco anos antes das metas definidas pela UE”. 

Na nota, o Governo adianta que o tema da ação climática constitui uma prioridade, apresentando no seu programa "um conjunto alargado de medidas que irão contribuir para a descarbonização, ao mesmo tempo que cria riqueza e desenvolve uma economia de futuro".

Entre essas medidas estão a realização de Conselhos de Ministros temáticos sobre a Ação Climática, a concretização do disposto na Lei de Bases do Clima, a operacionalização do Conselho de Ação Climática e a revisão do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030).

A transposição e aplicação das diretivas previstas no Pacto Ecológico Europeu e novas medidas para adaptação às alterações climáticas, por exemplo, no Litoral, incluindo uma nova geração de planos, são outras medidas previstas.

"A União Europeia é a região do mundo que lidera o combate às alterações climáticas, tendo uma estratégia forte para a redução das emissões de gases com efeito de estufa na indústria, nos transportes e nos edifícios, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, bem como estratégias definidas para a economia circular e para a proteção da biodiversidade", refere o comunicado.

A UE aumentou ainda a meta para a redução das emissões para 55% (em vez dos anteriores 40%) até 2030, rumo à neutralidade carbónica, a ser atingida em 2050. A estratégia europeia contempla ainda um Mercado de Comércio de Emissões e um Mecanismo de Ajustamento Carbónico Transfronteiriço (MACF).

O ministério salienta que "Portugal está alinhado com as metas europeias, mas tem de reforçar o desempenho na redução das emissões do setor dos transportes, que aumentaram nos últimos anos devido a uma estratégia pouco eficaz na área da mobilidade".

Antes de serem conhecidas as decisões do tribunal, Sofia e André Oliveira, dois dos jovens que apresentaram a queixa, afirmaram que não iriam baixar os braços mesmo que o desfecho fosse desfavorável, o que se veio a verificar.

"Uma coisa é certa, não vamos parar, independentemente do resultado. Não vamos parar de lutar para forçar os governos a protegerem o nosso futuro das alterações climáticas. Se vencermos, sabemos que este movimento vai juntar-se para pressionar os governos a acatarem a decisão do TEDH", disseram à Lusa os dois jovens, antes de ser conhecido o veredicto.

Sofia e André, de 16 e 19 anos, querem "encorajar as pessoas" a participarem no movimento que quer trabalhar para um "futuro para todos".

Já Gerry Liston, advogado envolvido no processo, reconheceu que um desfecho favorável iria "fortalecer" o movimento de luta contra as alterações climáticas por criar um precedente judicial quando houver processos por inação de governos.

"Houve um crescimento exponencial de litígios climáticos. Depois, vai ser preciso um esforço de todos deste movimento, da sociedade civil, dos ativistas no terreno para pressionarem os governos a implementarem a decisão pela qual esperamos. A lei e os esforços fora dos tribunais reforçam-se mutuamente", completou o advogado que pertence à organização sem fins lucrativos "Global Legal Action Network".

Em 27 de setembro do ano passado os seis jovens foram ouvidos no TEDH, tendo então considerado que os Estados desvalorizaram as alterações climáticas e ignoraram provas.

Recorrer aos tribunais contra a inação dos países em relação às alterações climáticas é cada vez mais frequente, indica um relatório recente da ONU, segundo o qual os casos mais do que duplicaram em cinco anos. 

Notícia atualizada às 12:50

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