Vilson Duarte, numa das ações de sensibilização em Leeds, Inglaterra
Vilson Duarte, numa das ações de sensibilização em Leeds, InglaterraD.R.

Aos 14 entrou num gangue e traficava droga. Hoje ajuda jovens a quebrar o ciclo de violência

Esta é a história de Vilson Duarte Dong, 24 anos, português, residente em Inglaterra desde os 12. “Aos jovens que pensam que as cinco ruas do bairro são o mundo inteiro digo: não são!”
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Vilson Duarte Dong, 24 anos, é um português que escapou a uma vida de violência e crime em Inglaterra. A residir em Inglaterra desde os 12, começou a usar armas brancas com 13, fez parte de um gangue, traficava droga. Antes dos 20 anos já tinha estado duas vezes na cadeia e quase foi deportado.

O seu destino parecia traçado. Mas quebrou o ciclo. Leu, estudou, licenciou-se, reconstruiu-se.

Juntou-se à Leeds United Foundation, uma fundação de um clube de futebol da Primeira Liga inglesa que apoia ações de prevenção de delinquência juvenil. Tenta mostrar a outros jovens que há mais mundo para além das fronteiras do bairro e deixar “sementes” de esperança.

Conte-me um pouco da sua infância. Onde nasceu, onde vive nos primeiros anos da sua vida?

Nasci em Portugal em 2001 e vivi em Almada. O meu pai veio de Macau e conheceu em Portugal a minha mãe, que era portuguesa.

E qual era a profissão dos seus pais?

A minha mãe era proprietária de uma creche. Quando vivíamos em Portugal, o meu pai era cozinheiro. Quando emigrámos para Espanha abriu o seu próprio restaurante e depois em Inglaterra também. Agora que voltou a Macau está a estudar medicina chinesa.

Os seus pais foram consigo para Inglaterra?

O meu pai, eu, os meus dois irmãos e a minha irmã (o Vicente, o Vitor e a Viviava). Emigrámos todos. Mas o meu irmão mais velho voltou a Espanha e vive em Barcelona. A minha mãe morreu quando ainda éramos pequenos, tinha eu uns 10 anos, em Espanha.

Como e onde foram os seus estudos?

O ensino primário foi em Espanha. Depois, quando vim para Inglaterra, com 12 anos, entrei logo no equivalente ao ensino secundário.

Como é que foram essas mudanças todas — Portugal, Espanha, Inglaterra? Para alguém tão novo não é fácil…

De Portugal para Espanha quase não me lembro, era muito jovem. Mas de Espanha para Inglaterra foi muito difícil. Tive de aprender uma língua nova. Eu não sabia inglês; sabia só umas palavras que aprendi na escola em Espanha, mas não dava para conversar.

Sentia-se estrangeiro, mais do que em Espanha?

Sim, muito mais. A cultura portuguesa e espanhola é parecida; Inglaterra é muito diferente. Foi difícil adaptar-me. Só estive um ano na escola em Inglaterra. Tive dificuldades em adaptar-me, estudar… e comecei a tornar-me um bocado rebelde. Acabei por ser expulso.

O que aconteceu?

Fui apanhado com drogas.

Começou a consumir cedo?

Não consumia, vendia drogas. Conheci um rapaz no bairro que fazia isso e passei a fazer também. Depois comecei a responder mal aos professores, a meter-me em lutas. Achava que estavam a fazer bullying comigo e reagia com violência. Não controlava as minhas emoções.

Depois comecei a guardar droga para essa pessoa, e mais tarde a vender. Tinha a mochila cheia de droga para vender depois das aulas e na rua com outros. Acabaram por me apanhar na escola. Fui expulso e proibido de voltar.

Que idade tinha nessa altura?

Catorze ou quinze anos.

E como foi passar de uma rebeldia que até é natural nessas idades – já a venda de droga não é - nessas para o crime violento, no seu caso com armas brancas? Foi tudo muito rápido na sua vida…

Nessa altura vivia com o meu pai, a minha avó e os meus irmãos numa casa com dois quartos. O meu pai dormia no sofá, a minha avó tinha de ter um quarto para ela e eu, com os meus irmãos, dividíamos um só quarto. Não tínhamos privacidade nenhuma. Então, eu saia muito para a rua. Estava mais livre. Comecei a andar com um grupo. Para mim eram amigos, defendiam-me e eu a eles. Foi uma má influência.

Vilson, com 16 anos
Vilson, com 16 anosD,R.

E o que viu nessas pessoas que fez com que as seguisse? Isso mudou a sua vida, porque foi essa experiência que tornou naquilo que é hoje…

Penso que sabia que não eram boa influência. Sabia que o que estava a fazer não era bom. Nessa altura, a relação com o meu pai não era muito emocional. Para um pai tradicional chinês, como o meu, a vida é o filho ir para a escola, para a universidade e ser doutor ou engenheiro. Ele estava sempre a trabalhar.

A minha mãe, quando era viva, é que estava em casa e dava-nos carinho. E acho que saio a ela, sou muito emocional. Com o meu pai não tinha uma relação em que pudesse falar dos meus problemas pessoais.

Quando conheci estas pessoas no bairro, que tinham coisas que eu queria, carros, dinheiro, foram como um modelo para mim. Eu queria ser como eles e eles aproveitaram-se disso.

Quando conheci estas pessoas no bairro, que tinham coisas que eu queria, carros, dinheiro, foram como um modelo para mim. Eu queria ser como eles e eles aproveitaram-se disso.

Quando começou a usar facas?

Com 13 anos. Começou com uma faca de cozinha, depois maior. Aqui chamamos machete. Mas também usámos armas de fogo.

E como é que as coisas começaram a acontecer?

Primeiro era mais fazer confusão no bairro, uns vidros partidos, coisas assim. Depois comecei a guardar drogas para o grupo. A seguir comecei a vender. Eu tinha 14 anos e pagavam-me 100 libras por dia. Para mim era fantástico. O melhor da vida. Passei a fazer parte do gangue.

Como se chamava o gangue?

Era o 37. O nome surgia como um jogo de palavras: o “3” vinha de “free” e o “7” referia-se ao código postal onde nos movimentávamos mais, o LS7.

Quando é que a situação começou a tornar-se mais intensa no sentido de criminalidade? Quando foi seu primeiro confronto com a faca?

Foi uma vez que uma pessoa de outro gangue estava na nossa zona e roubou um miúdo que estava a trabalhar para mim. Quando atinges determinado patamar, tens miúdos a venderem para ti.

Ele disse-me que fulano o tinha roubado e fomos à procura dele. Quando o encontrámos confrontei-o, mas ele, muito orgulhoso, não quis devolver o produto. Foi ai que lhe espetei a faca numa perna e apanhei as drogas de volta.

E nessa altura sentiu que tinha ultrapassado uma barreira, a primeira vez que usou violência dessa forma?

Sim. E também porque eu sabia que ele podia ter amigos, e depois os amigos dos amigos… Quando alguém me vinha atacar, eu andava sempre com a minha faca também.

Isto torna-se um ciclo, o chamado efeito bola de neve. Começa e não acaba. Fica-se preso a vinganças: hoje atacas tu, amanhã atacam-te a ti. A vida fica sempre condicionada por essa pressão.

Isto torna-se um ciclo, o chamado efeito bola de neve. Começa e não acaba. Fica-se preso a vinganças: hoje atacas tu, amanhã atacam-te a ti. A vida fica sempre condicionada por essa pressão.

Qual foi a situação mais grave que viveu? Matou alguém?

Não, não matei ninguém.

E quando foi preso?

Tinha deixado o meu telefone num táxi e quando fui atrás do táxi para o recuperar, entrei, sem reparar, na área doutro gangue. Estava com dois amigos e um deles começou uma discussão com outro rapaz dessa zona. Eu vi, empurrei o gajo e disse ao meu amigo para fugir.

Dois minutos depois, parou um Range Rover ao meu lado. Saíram vários homens com barras de ferro e facas grandes. Eu só tinha uma faca pequena. Fiquei no meio e comecei a lançar a mão, a afastá-los, e acabei por ferir um deles no ombro.

Depois fugi para casa. Pensei que não ia acontecer nada. Mas um dos homens que saiu do carro foi à polícia. Dois dias depois, bateram-me à porta e fui detido.

Mas essa não foi a primeira vez que foi preso….

Não, já tinha sido preso antes. A primeira vez foi por um roubo na casa de um polícia, na minha cidade. Foi estúpido. Foi completamente ao calhas. Má sorte.

Quanto tempo esteve na cadeia?

No total, entre os 14 e os 19, estive quatro anos e pouco preso. A primeira condenação, quando tinha 14 anos, foi dois anos — fiz um ano dentro e um ano de serviço à comunidade.

Quando saí, estive nove meses cá fora. Depois voltei a ser preso pelo incidente com a faca, com 16 anos. Primeiro estive num centro juvenil. Depois, no dia do meu 18º aniversário, a quatro de abril, transferiram-me para uma prisão de adultos.

E na cadeia, como é que foi?

Foi duro. Mas, ao mesmo tempo, quando se cresce numa vida como a que eu tinha, a prisão parece quase “normal”. Ouvimos histórias de pessoas a entrar e sair, e aprendemos como nos comportar lá dentro.

Eu entrei sem pensar muito. Custava não ter liberdade e não poder ver a minha família, mas, naquela mentalidade, não pensamos muito longe. É a cabeça de alguém preso num mundo muito pequeno: “agora acontece isto, depois logo se vê”.

Já ia mais ou menos preparado, então?

Sim. Já tinha ouvido muitas histórias. E, na verdade, sempre achei que ia acabar preso — fazia parte do percurso daquela vida. Mais cedo ou mais tarde, ia acontecer.

Estive quase para ser deportado depois de cumprir a pena. Tive muito apoio do Consulado português.

Mas estive quase para ser deportado depois de cumprir a pena. Tive muito apoio do Consulado português.

E teve problemas com outras pessoas na cadeia?

Da primeira vez, sim. Foi mais difícil. Eu era novo, 16 para 17 anos, e ainda tinha aquela cabeça de não querer mudar, de ser sempre duro. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que era inteligente. Só não usava a minha inteligência para nada que me fosse útil. Usava-a para coisas estúpidas.

Na segunda vez, também tive problemas no início, mas aprendi a ser mais responsável. Na prisão não queres romper com os teus amigos — ali ninguém quer estar sozinho. Tens de saber navegar. Eu encontrava um equilíbrio: era amigo deles, mas não me metia em problemas. Eles não vinham atrás de mim e eu não ia atrás deles.

Comecei a ler muito. Tentei educar-me. Usei grande parte do meu tempo para self-development.

Era aconselhado nos livros? Como escolhia o que ler?

O primeiro livro veio de uma pessoa com quem ainda hoje trabalho na Fundação que ajuda jovens. Nessa altura eu andava sempre em lutas e mandaram-me para o isolamento. Só tens a cama e não podes falar com ninguém. Essa pessoa disse-me: “Lê isto”.

Era o The 48 Laws of Power, do Robert Greene. Um livro de Psicologia sobre como equilibrar as tuas emoções. Sempre gostei de estratégia, de perceber como usar a tua cabeça da melhor forma para te beneficiar. A partir daí, comecei a ler muito: psicologia, romances… muita coisa. Achava que até romances podiam ensinar-me algo.

E comecei a trabalhar em mim. Percebi que o Vilson que eu realmente era estava preso lá dentro.

Sentiu que estava a renascer?

Eu não estava só preso na cadeia. Estava preso dentro de mim. Cá fora, superficialmente, tinha de ser valente, saber vender drogas e ser inteligente para isso. Depois percebi que as capacidades que estava a usar para fazer isso podiam levar-me a níveis que as pessoas que estão nessa vida nem sequer pensam.

Sim. Eu não estava só preso na cadeia. Estava preso dentro de mim. Cá fora, superficialmente, tinha de ser valente, saber vender drogas e ser inteligente para isso.

Depois percebi que as capacidades que estava a usar para fazer isso podiam levar-me a níveis que as pessoas que estão nessa vida nem sequer pensam. Só pensam com mentalidade muito pequena.

E o que descobriu sobre si nessa altura?

Descobri que sou muito sociável, que consigo perceber bem as intenções das pessoas — uma espécie de inteligência emocional. Sempre fui assim. E também percebi que trabalho muito. Sempre vi o meu pai trabalhar duro, e isso ficou em mim.

A diferença é que antes trabalhava duro para coisas erradas. Licenciei-me em Hospitality Business Management (gestão hoteleira) na Leeds Beckett University.

A diferença é que antes trabalhava duro para coisas erradas. Licenciei-me em Hospitality Business Management (gestão hoteleira) na Leeds Beckett University. Agora trabalho duro em hotelaria. Trabalho num dos melhores hotéis da Inglaterra.

Na cerimónia de graduação em gestão hoteleira, na Leeds Beckett University
Na cerimónia de graduação em gestão hoteleira, na Leeds Beckett UniversityD.R.

Está a viver onde?

Neste momento estou a viver fora da cidade, ao que aqui se chama o countryside. Já não estou no meio dos bairros. Foi importante sair de lá. Quando vives naquele ambiente, é difícil escapar: toda a gente reforça a mesma mentalidade.

E voltou alguma vez ao bairro?

Só passo de carro. Para ir para a cidade tenho de passar por lá, mas não paro para “estar” no bairro. Só atravesso para chegar à cidade.

E o que sente quando passa ali? Pensa que foi tempo perdido ou que faz parte daquilo que é?

Sinto mixed feelings. Olho pela janela e penso na pessoa que estava ali a viver toda a sua vida.

A minha vida estava naquele lugar. Penso muito na diferença: antes, a minha vida inteira eram cinco, seis, sete ruas. Agora passo por ali como quem passa num sítio qualquer.

A minha vida estava naquele lugar. Penso muito na diferença: antes, a minha vida inteira eram cinco, seis, sete ruas. Agora passo por ali como quem passa num sítio qualquer.

Antes conduzia carros roubados, estava sempre a olhar para trás para ver se vinha a polícia. Agora conduzo legalmente. É outra vida.

Aprendi muito da vida ali, sobre mim e sobre as pessoas. Não trocaria esse momento da minha vida porque também me deu ferramentas para perceber como certas pessoas pensam. Isso ajuda-me no trabalho que faço hoje com jovens.

E o que é que faz exatamente? Vai a escolas falar com jovens?

Sim. Vou a muitos sítios. Às vezes sozinho, outras vezes com uma equipa. Trabalho com a Leeds United Foundation, uma fundação do Leeds United, que é uma equipa de futebol da Primeira Liga inglesa.

Têm programas de apoio e prevenção de delinquência juvenil. Às vezes vou sozinho falar com estudantes; outras vezes, entro em eventos em equipa, cada um a tentar fazer a diferença à sua maneira.

Aos jovens que pensam que as cinco ruas do bairro são o mundo inteiro, digo: “Não é!”. Há tantas coisas mágicas. Não veem porque não querem ver. É preciso ter paciência.

Aos jovens que pensam que as cinco ruas do bairro são o mundo inteiro, digo: “Não é!”. Há tantas coisas mágicas. Não veem porque não querem ver. É preciso ter paciência.

Durante uma sessão com jovens
Durante uma sessão com jovensD.R.

Foi nesse âmbito que participou num documentário - Cut Short: Fighting Against Knives in the North - com uma mãe cujo filho foi morto à facada?

Sim. O objetivo era mostrar duas perspetivas: a de uma pessoa que viveu o crime e a de alguém que perdeu um filho por causa dele. Para perceber que o impacto é mau para todos — para quem faz e para quem sofre.

O documentário ficou disponível gratuitamente para todas as escolas. Já chegou a mais de 75 mil estudantes.

E sente que isso tem impacto, como aconteceu com séries recentes sobre problemas juvenis, como a Adolescence?

Sim, tal como a série Adolescence, que teve grande impacto e mostrou uma realidade que muitas gerações desconheciam. Há uma grande divisão entre gerações. Hoje os jovens vivem problemas que não existiam da mesma forma no passado.

Quando vai às escolas, sente que eles o ouvem? Ou acham que já sabem tudo?

Eu ponho-me no lugar deles. Calço os sapatos deles, como se costuma dizer. Quando eu era jovem, também achava que sabia tudo. Mas hoje penso que estou a plantar sementes.

Há de tudo. Eu ponho-me no lugar deles. Calço os sapatos deles, como se costuma dizer. Quando eu era jovem, também achava que sabia tudo. Mas hoje penso que estou a plantar sementes.

Eu falo com eles e, mesmo que não digam nada na hora, muitas vezes vêm ter comigo no fim, quando os amigos já não estão ali. Dizem-me: “Estou a passar por isto. Como é que posso melhorar?” É aí que eu ajudo.

Plantar uma semente é isso: às vezes fica enterrada muito tempo, esquecida, e de repente… cresce. De repente há uma flor, e depois uma árvore. Aí o sol já não o queima, não é tão duro. É assim que acontece com muitos deles.

E em que fase o Vilson está agora? Já tem uma floresta inteira?

Mais ou menos. Eu quero uma Amazónia inteira. Olhar e sentir que já podes ter ajudado alguém em concreto a procurar, de facto, essa semente, e a torna-la numa árvore.

Tenho um amigo — ele vendia droga para mim quando era miúdo — que foi apunhalado há um ano e meio. Ficou quase um ano sem mexer o braço. Foi viver para outra cidade e ficou muito isolado. Isso deu-lhe tempo para pensar. Às vezes é só isso que falta: tempo.

Nos gangues estás sempre a pensar no que os outros pensam de ti. Nunca pensas no que tu realmente queres.

Nos gangues estás sempre a pensar no que os outros pensam de ti. Nunca pensas no que tu realmente queres. Este meu amigo começou a olhar para dentro. Agora está a dar os passos certos. Ainda tem problemas, mas mudou.

É por isso que digo: tens de ver mais para dentro e o que pensas, sê tu mesmo, pensa nos teus valores reais. Estás a viver de acordo com esses valores ou estás a desperdiçar a tua vida?

Como começa normalmente as suas conversas com os estudantes?

Eu tenho uma vantagem: não sou muito mais velho do que eles. A maioria dos jovens com quem falo tem entre 14 e 17 anos, e eu tenho 24. Eu saí daquela vida aos 19. Ainda sinto essa geração muito perto. E ao mesmo tempo posso mostrar resultados: hoje estou a gerir um restaurante, dos melhores da Inglaterra. É a prova de que trabalhar duro funciona, que dá frutos.

Vilson acredita que pode "plantar" sementes de esperança
Vilson acredita que pode "plantar" sementes de esperança

Mas como convence um jovem de 14 ou 15 anos de que vale a pena trabalhar duro, quando eles querem tudo depressa e ganhar dinheiro rápido?

Não é fácil. É um processo que leva tempo E não é algo que se consegue empurrar para cima deles. Eu digo sempre: tu não podes mudar se não queres mudar. O meu papel não é obrigar ninguém. É plantar sementes.

O mais importante é dar-lhes tempo. Mostro que estou ali para eles — não para dar lições, mas para conversar. É plantar a semente e ter esperança que um dia vai haver uma flor.

Eu não finjo ser o mais bem-sucedido. Não vou com formalidades. Sento-me, conto a minha história, faço perguntas. O mais importante é dar-lhes tempo. Mostro que estou ali para eles — não para dar lições, mas para conversar. É plantar a semente e ter esperança que um dia vai haver uma flor.

E agora, olhando para trás, consegues identificar o melhor e o pior da tua vida anterior e da tua vida atual?

Da parte boa de antes… quando era mais jovem, havia muito apoio do Estado: programas juvenis, casas de acolhimento, acompanhamento. Depois dos 18, és só um número. E faz falta apoio nessa idade também.

Outra coisa boa era a camaradagem. Não amigos verdadeiros, mas aquela união intensa entre pessoas que estão a viver a mesma coisa. Quase como uma família. No “mundo real” não encontras isso facilmente. Talvez só no exército.

O pior era viver sempre em risco: poder ser atacado, preso, traído. Estar sempre a olhar por cima do ombro. No fundo, não tinha liberdade.

E quanto à família?

O meu pai não é muito emocional, mas sei que foi muito difícil para ele: ficou viúvo com quatro filhos, e eu a entrar e sair da prisão. Deve ter sentido culpa, deve ter sofrido muito. Eu nunca vi alguém trabalhar tão duro por uma família. Só não conseguia mostrar emoções, e eu também não sabia lidar com isso quando era miúdo.

Hoje é diferente. A minha família tem orgulho em mim. A relação com os meus irmãos e com o meu pai é muito mais saudável. Isso é das coisas que mais valorizo na minha vida agora, apesar de ainda sentir que ainda não compensei o suficiente os estragos que lhes fiz durante aquele tempo. Isso é difícil de gerir.

Hoje é diferente. A minha família tem orgulho em mim. A relação com os meus irmãos e com o meu pai é muito mais saudável. Isso é das coisas que mais valorizo na minha vida agora, apesar de ainda sentir que ainda não compensei o suficiente os estragos que lhes fiz durante aquele tempo. Isso é difícil de gerir.

Quando se é jovem não se pensa muito no que os pais podem sofrer com as nossas ações…

Agora que sou mais velho, penso

E financeiramente? Mudou muito?

Antes pagavam-me 100 libras por dia. Agora, num bom trabalho, faço em uma semana o que muitos fazem num mês. Os jovens não sabem isso. Acham que trabalho honesto não dá dinheiro. Dá. Eu vivo bem. Tenho casa, tenho três gatos — um deles chama-se Abóbora. E sou feliz com isso.

E o que sabe da realidade portuguesa? Aqui também há jovens muito novos envolvidos em crimes, sobretudo com facas. Tem noção disso? Gostaria de vir falar com jovens portugueses?

Gostava, sim. Já pensei nisso. Mas também tenho receio de eles dizerem: “Tu não vives em Portugal. Não sabes como isto é.” Eu entendo a realidade deles, mas não por experiência direta. A minha experiência foi num país diferente.

Um relatório recente feito aqui em Portugal por uma comissão sobre a delinquência juvenil, descreveu o desvalor com que alguns jovens percecionam a vida do outro, praticando atos de violência gratuita, grave, por roubos de valores irrisórios. Concorda?

É igual em muitos sítios. O problema está quase sempre na mentalidade dos jovens e na pobreza das comunidades. Eles sentem que o mundo é pequeno, que não há nada lá fora. Acham que não têm oportunidades. Eu tento abrir mentes. Eles não veem valor na vida porque não têm muito por que lutar. Não conseguem ver além da escuridão. Não veem a luz ao fundo.

Conseguiu ver essa luz?

Sim. Foi quando percebi que os objetivos nunca estão completamente alcançados. Sei que ainda tenho trabalho para fazer, mas todos os dias estou melhor do que ontem. Tenho de pensar no que vai ser amanhã, no ano que vem e ir sempre assim.

Então, para o ano, já tem o seu próprio restaurante?

(risos) Talvez ainda não. A economia está difícil. Não sei se é o momento certo. Mas continua a ser o meu objetivo — e vou lá chegar.

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