Administração Interna demorou 850 dias a punir oficial da GNR que agrediu formandos
O castigo para o oficial instrutor da GNR que durante um treino de bastão extensível provocou lesões graves e traumatismos a pelo menos 10 formandos (terão sido mais, mas só estes se queixaram), tendo um deles ficado parcialmente cego e excluído do curso, demorou 850 dias a ser determinado.
O alferes João Semedo - que ficou conhecido por Red Man porque nas imagens que vieram a público envergava um fato vermelho género robocop - que é atualmente adjunto do comandante do Destacamento de Sintra, será suspenso por 121 dias e desce à última classe de comportamento ("mau"), o que impede que seja promovido.
A suspensão tem ainda como consequência a perda de dois terços do vencimento e suplemento, o que no seu caso, significa que, durante este cerca de meio ano terá pouco mais de 400 euros mensais de salário.
O caso veio a público através do JN a dois de dezembro de 2018 e nesse mesmo dia o ministro da Administração Interna ordenou à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) a instauração de um inquérito disciplinar.
Nessa altura, em comunicado oficial, o ministério da Administração Interna salientou que, a confirmarem-se, os factos ocorridos na Escola da GNR, em Portalegre, "não são toleráveis numa força de segurança num Estado de Direito democrático".
Mas só no início de março deste ano, 27 meses depois, a IGAI concluiu o processo e remeteu a proposta de sanção (a qual se recusou a divulgar apesar da insistência do DN) ao Gabinete de Eduardo Cabrita, que veio a assinar o despacho a determinar a sanção a 31 de março.
Ainda passaram, contudo, mais duas semanas, até o diretor de Justiça e Disciplina da GNR, coronel Manuel Augusto Silva Caldeira, executar a ordem.
Ainda assim, ao que o DN apurou junto a militares da GNR próximos do destacamento de Sintra, esta quinta-feira a punição ainda não tinha sido difundida em ordem de serviço interna e João Semedo continuava no seu posto.
Há ainda um processo-crime, aberto pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na mesma altura, por concluir. "A investigação prossegue, não tendo o inquérito conhecido despacho final", respondeu a três de março último o gabinete de imprensa da PGR. O DN procurou atualizar esta informação, mas ainda não recebeu resposta.
Enquanto aguardava pelo desfecho dos inquéritos, João Semedo foi comandante do subdestacamento da GNR em Sintra - onde estava colocado desde julho de 2018 - tendo sido depois, como já referido, escolhido para adjunto do comandante do Destacamento do mesmo concelho.
Neste posto acumula funções como chefe da investigação criminal e do policiamento comunitário, como o programa Escola Segura e Comércio Seguro.
Conforme o DN já escreveu, inquirida sobre o porquê destas colocações tendo em conta a gravidade dos processos em causa, o porta-voz desta força de segurança, comandada pelo General Rui Clero, explicou que decorrem "de uma gestão dos recursos disponíveis na Guarda".
O DN sabe que o alferes é ainda alvo de várias queixas-crime e denúncias de violações do estatuto disciplinar por parte de militares que alegam que João Semedo terá cometido crimes como abusos de poder, difamação, corrupção e violação de segurança.
Indagada ainda a GNR sobre se tinham sido desencadeadas novas regras para prevenir que voltassem a acontecer situações como a que sucedeu, o porta-voz do comando-geral salientou que João Semedo deixou de "integrar o curso de bastão extensível", embora se tenha mantido como "comandante de pelotão", e foi reforçado o equipamento de proteção dos formandos.
"Após os incidentes ocorridos no 40.º Curso de Formação de Guardas, o Alferes Semedo continuou a exercer as funções de Comandante de Pelotão, deixando contudo de integrar o curso de bastão extensível, tendo ainda sido implementadas nos cursos seguintes as seguintes medidas preventivas: reforço do equipamento de proteção dos formandos nas provas de avaliação; supervisão e execução das provas de avaliação por oficiais do órgão técnico (Unidade de Intervenção), afiança.
Quando o caso veio a público, por pressão de Eduardo Cabrita, foi demitido o diretor do Centro de Formação da Escola da GNR de Portalegre, coronel Mário Ramos, mas passado um mês estava colocado como diretor da Direção de Formação, do Comando da Doutrina e Formação da GNR. A GNR era então dirigida pelo tenente-coronel Botelho Miguel, atual diretor nacional do SEF.
A atuação da cúpula da GNR sobre o caso nunca foi publicamente esclarecida. Conforme já noticiou o DN a Guarda terá tido conhecimento dos incidentes de violência na Escola de Portalegre, pelo menos, a 13 de novembro de 2018 (o Ministro e a PGR só intervêm a dois e a três de dezembro, respetivamente), poucos dias depois de as alegadas agressões terem ocorrido (segundo o JN entre 1 de outubro e e 9 de novembro, mas nunca foi revelado quando exatamente).
No entanto, nessa data a GNR limitou-se a abrir um simples um processo de averiguação individual, a cada um dos 10 formandos feridos, um procedimento que, segundo assinalou na ocasião a Associação de Profissionais da Guarda (APG) "é normal e obrigatório, em casos de acidente em serviço, quando os militares se magoam".
Para o presidente da APG, César Nogueira, "quando a Guarda tomou conhecimento deveria ter informado. A GNR é um órgão de polícia criminal, é uma autoridade, e por isso tem uma responsabilidade acrescida".