Joana Marques e o marido, Daniel Leitão.
Joana Marques e o marido, Daniel Leitão.FOTO: Reinaldo Rodrigues

"A minha intenção foi fazer rir". Joana Marques defendeu-se dos Anjos, que a acusam de fazer parte da "elite"

Humorista foi ouvida esta sexta-feira na última sessão de julgamento. Defendendo que é "humorista", recusa "responsabilidades" com comentários de ódio e diz que só fez um "exercício simples" de humor.
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Na última sessão de julgamento, era Joana Marques que todos esperavam ouvir, com a sala de audiências a abarrotar e várias pessoas a assistirem de pé à sessão de julgamento (apesar dos apelos reiterados do funcionário para que tal não acontecesse). E com o testemunho da humorista — que falou pela primeira vez em tribunal desde o início de todo este processo - ficou esclarecido um dos pontos que levou as partes a tribunal: a “intenção” nunca foi ofender, mas sim apenas “fazer rir”.

Numa declaração várias vezes interrompida pelo som dos aviões que passavam por cima do Palácio da Justiça (como aconteceu ao longo de todo o dia, de resto), Joana Marques explicou que quando viu o vídeo dos Anjos a cantar o hino nacional achou-o “caricato” e decidiu fazer uma edição, onde colocou um excerto de uma edição do programa Ídolos, em que se ouve o músico Tatanka (que também depôs em tribunal esta sexta-feira, 11 de julho) a dizer: “Assassinaste a música e tive de te mandar parar.” A isto, a humorista chamou um “exercício simples”, uma vez que não é “editora de vídeo” e tudo o que fez foi com recurso a software gratuito. “Qualquer pessoa podia fazer aquilo”, disse.

Na mesma intervenção, feita em resposta a Luciana Rosa de Oliveira (uma das advogadas dos Anjos), a humorista comentou que a sua conta de Instagram, onde o vídeo foi colocado, “é de humorista” e que considera que quem vê o vídeo “percebe exatamente do que se trata” por ser algo “muito comum” de se fazer no “humor”. Para isso, assumiu, escolheu “as melhores partes do ponto de vista cómico”, mesmo que viesse a admitir mais tarde que o seu “tipo de humor não agrada a toda a gente”.

Joana Marques e o marido, Daniel Leitão.
Anjos vs. Joana Marques. Julgamento termina com a advogada da humorista com críticas à defesa da banda

Questionada sobre o porquê de, apesar de ter recebido duas cartas dos Anjos a pedir que retirasse o vídeo não o fez e porque escolheu o referido excerto de Tatanka, Joana Marques foi perentória: “Não o apaguei porque achei que não o devia fazer. (…) É o meu trabalho. Tenho autodeterminação para fazer o que entendo. Dizer 'foi para isto que se fez o 25 de Abril' não tem o mesmo impacto do que dizer 'então, Anjos, o que se passou? Algum problema técnico, não?”. Na perspetiva da defesa do duo, o comentário ao vídeo pode ainda ser visto como uma forma de imputar um crime de ultraje à banda, uma vez que pode dar a entender ter existido uma ofensa a um símbolo nacional (o hino). Isto levou a juíza Francisca Preto a intervir, respondendo diretamente a Luciana Rosa de Oliveira, dizendo que “em humor, nada é sagrado e tudo é criticável”.

Ainda assim, a defesa da banda insistiu e perguntou se a humorista não se considera uma influencer, com responsabilidades sobre os conteúdos que publica. “Tenho responsabilidade pelas minhas ações, não pelos comentários das pessoas. Não me sinto como instigadora. Vi na acusação que não sou humorista, mas todas as pessoas que aqui vieram me qualificaram como tal e eu fiquei esclarecida. Acho que sou mais humorista do que influencer”, respondeu Joana Marques.

Durante a manhã, houve ainda tempo para o curto testemunho de Tatanka que, à chegada ao tribunal, afirmou não “saber” por que é que tinha sido arrolado como testemunha pela defesa dos Anjos. Perante a juíza e os advogados de ambas as partes, Tatanka acabou por dizer que Joana Marques “não pediu” para utilizar as declarações. E “fez alguma coisa” em relaçaõ a isso? “Não”, respondeu, antes de ser questionado sobre o que, no seu entender, “é o vídeo”. “O vídeo? É humor. É essa a resposta correta? Qualquer pessoa com dois dedos de testa percebe isso”, comentou.

De Mário Machado à Joana Marques que "não é toda poderosa": as alegações de um julgamento sem sentença agendada

Sendo esta a última sessão do julgamento, as alegações finais ocuparam a parte da tarde.

Começando pela defesa dos Anjos, uma das advogadas considerou que todo este processo foi marcado por uma "manobra de distração, a de que "esta ação era contra a liberdade de expressão”. Com isso, sentiu também tentativas de "entorpecimento da verdade" por parte de Joana Marques, mas reiterou que considera “o humor um exercício nobre num Estado de direito democrático". No entanto, “não se pode aceitar de forma nenhuma que venham dizer que para certas pessoas vale tudo". "A liberdade de expressão sem consequências torna alguém num totalitarista, num autoritário, no todo-poderoso. Isto atenta contra o Estado em que vivemos", justificou.

Na mesma intervenção, Natália Luís invocou ainda dois nomes: Ricardo Araújo Pereira, testemunha neste processo, e Mário Machado. Tudo para justificar os limites da liberdade de expressão: “Não vamos banalizar porque o senhor Ricardo Araújo Pereira vem cá com uma presunção dizer que não há limites à liberdade de expressão e ao humor. Desde sempre que a liberdade de expressão não é, nem pode ser um direito absoluto. Um dos argumentos do Mário Machado, quando fez a sua defesa devido ao tweet sobre senhores deputadas de esquerda, foi que fez aquilo por 'graça', por piada. Não é um direito absoluto.

Não se pode aceitar de forma nenhuma que venham dizer que para certas pessoas vale tudo

Natália Luís, advogada de Nelson e Sérgio Rosado

Com o humorista (e antigo companheiro de Ricardo Araújo Pereira nos Gato Fedorento) José Diogo Quintela a ouvir as alegações da defesa dos Anjos, a advogada da banda criticou ainda a humorista, dizendo que ao afirmar-se que “cantores não sabem a letra do hino” (devido a uma parte do vídeo em que alegadamente se ouve ‘igreijos’ em vez de ‘egrégios’) está a “instigar” ao ódio. E se não considera assim, “é hipócrita”. Por isso, considerou que a humorista deve ser condenada a pagar a indemnização de cerca de 1 milhão de euros que a banda pede pelos alegados danos causados pela divulgação do vídeo.

A defesa dos Anjos diria ainda que a humorista "faz parte de uma elite que controla o digital e a imprensa", tentando "prejudicar" a carreira da banda.

Em resposta, nas suas alegações a favor de Joana Marques, Nuno Salpico contrapôs, dizendo que o que “está em causa não são as qualidades musicais” dos irmãos Nelson e Sérgio Rosado, mas sim “a conduta da ré”. Contudo, ressalvou, “o humor é das atividades sociais mais toleradas ao longo da História”, passando depois a desfiar uma série de exemplos em contextos como a Grécia Antiga ou a Idade Média.

Na opinião do advogado, o vídeo em causa “é normalíssimo”, tratando-se de uma “mera montagem de curta duração”. “Como disseram várias pessoas, resulta daqui que a ré é claramente humorista e se identifica como tal", disse, admitindo no entanto que pode não “se gostar” se se for “visado” num destes momentos.

"Joana Marques não é toda poderosa, nem consegue manipular o comportamento de terceiros.”

Nuno Salpico, advogado de Joana Marques

Sobre o suposto instigar a comentários de ódio que o vídeo causou, Nuno Salpico recordou o que se passou em sessões de julgamento anteriores: “Mais uma vez, o vídeo utilizado já tinha sido divulgado. Não foi Joana Marques a responsável por isso. O próprio Fernando Alvim confirmou aqui que foi esse o vídeo [divulgado pelo utilizador "Aníbal06"] selecionado para a gala Monstros do Ano. Quando a ré criou a sua versão do vídeo, não tinha conhecimento dos erros técnicos. As reações são de quem não entende que não é uma declaração séria e de natureza humorística, não apta a instigar ao cyberbullying. O vídeo é muito simples e normal no contexto da comédia digital. Não são previsíveis as consequências que se alegam. A previsibilidade que se quer imputar implica que, a partir de agora, todos os humoristas tenham de fazer um juízo de prognose para avaliar se é -- ou não -- possível causar uma reação. Joana Marques não é toda poderosa, nem consegue manipular o comportamento de terceiros.

Isto para terminar pedindo a absolvição da humorista.

Mas, ao que o DN apurou junto de fonte judicial, ainda não há uma data marcada para se ficar a conhecer a sentença da juíza Francisca Preto, que tem mais decisões para proferir além desta.

Este processo não tem caráter de urgência em relação a outros, e uma vez que as férias judiciais se iniciam no próximo dia 16 (terça-feira), essa decisão não deverá acontecer antes de setembro. A leitura da sentença será por isso “marcada” pela juíza em “data a decidir”.

Joana Marques e o marido, Daniel Leitão.
Caso Anjos vs. Joana Marques entra na reta final. Condenar a humorista “seria uma catástrofe”

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