Sofia Pereira estreia-se no Parlamento nesta legislatura, mas já lidera a Juventude Socialista desde o ano passado.
Sofia Pereira estreia-se no Parlamento nesta legislatura, mas já lidera a Juventude Socialista desde o ano passado.Foto: Paulo Spranger

Sofia Pereira, líder da JS: “O PS precisa mesmo de fazer uma reflexão um pouco mais aprofundada”

Aos 25 anos, a secretária-geral da JS será deputada pela primeira vez. Após o mau resultado, pede que o PS discuta sobre o que correu mal e garante que o novo líder “será muito capaz” de dar a volta.
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É a primeira vez que é eleita como deputada. O que representa isto para si, numa perspetiva pessoal e também depois destes resultados eleitorais, que ficaram longe do desejado?

Tenho refletido com os camaradas, com pessoas fora do PS e comigo própria sobre este resultado. É duro pensar que fui eleita pela primeira vez neste ciclo, porque há claramente uma crise de esquerda. Não embarco na narrativa de tentar pessoalizar uma derrota em alguém ou num partido. A esquerda progressista, na sua generalidade, está em queda. E, por isso, tem de fazer uma profunda reflexão sobre estes resultados e a forma de os contrariar. Acho mesmo que temos de fazer essa reflexão. Não acho que o PS tenha perdido as eleições, como alguns comentadores dizem, porque estava demasiado à esquerda. Social e estruturalmente, aos dias de hoje, Portugal vota mais à direita, e a direita conservadora conseguiu ter a maioria dos votos. Ainda assim, é uma enorme honra poder, aos 25 anos, ser deputada. Desde muito nova achei que vários jovens que sempre me acompanharam, seja na JS ou no associativismo, tinham, de facto, uma palavra a dizer e alguma coisa a contribuir para o país. Culminar isto com a eleição é uma honra, uma responsabilidade que encaro como uma oportunidade para garantir que sou uma voz para melhores salários e mais habitação. Mas também para garantir que as oportunidades de cada um não dependam do seu código postal, que é uma frase que eu costumo usar por ser de Lamego [distrito de Viseu]. Quero que as gerações que venham a seguir à minha não sintam que, por nascerem em Lamego, têm de ter uma vida muito mais cinzenta de oportunidades do que alguém que nasce em Lisboa, no Porto ou em Braga. Essas são as grandes convicções, num momento difícil para o PS e para a esquerda. Mas também é agora que é mais necessário ser socialista.

Apesar de ser de Lamego, no distrito de Viseu, foi eleita enquanto número dois pelo Porto. O cabeça de lista, Fernando Araújo, anunciou entretanto que não vai assumir o mandato. Sente uma responsabilidade acrescida? Ou não pensa nisso?

Não penso dessa forma. Em primeiro lugar, foi um enorme privilégio poder integrar a lista ao lado de Fernando Araújo. É uma pessoa absolutamente inspiradora e muito humana, e por isso é que tenho a certeza de que, com ele, o SNS estaria bem entregue. É uma das grandes perdas. Ele fez a leitura dos resultados, o que respeito muito. Sou secretária-geral da JS, a minha grande prioridade, obviamente, é defender os interesses dos jovens de todo o país. É uma enorme responsabilidade ser eleita pelo Porto. Seria sempre uma grande honra, não tanto pela ordem de entrada, não o vejo dessa maneira. Dos deputados eleitos pelo Porto, há pessoas com muita experiência que certamente me vão ajudar a iniciar este percurso e honrar o mandato que as pessoas me deram.

Diz-se muitas vezes que os jovens são desligados da política. É também uma responsabilidade tentar chamar os jovens para a política?

Não acho que os jovens estejam afastados da política, mas sim da política partidária. Os jovens são muito interessados pela política. As vozes mais ativas no que diz respeito à ação climática, Ensino Superior, direitos, liberdades e garantias, e habitação é a voz dos jovens. É por eles que esses temas estão mais na rua e que pressionam a agenda política. E digo isto de forma muito descomplexada. Antes de ser dirigente partidária, sou jovem, como qualquer jovem da minha idade. Durante muitos anos, a política e os políticos sempre se apresentaram às gerações mais novas como pouco acessíveis e até inatingíveis. Isso acabou por afastar um conjunto de jovens da política partidária. O grande desafio é que os partidos políticos agora tenham a capacidade de compreender isso. Acho que se tem vindo a despertar os jovens para perceberem que a política partidária é uma coisa muito nobre e que são pessoas que dão tempo do seu tempo à comunidade para melhorar a vida de todos. Num ano em que vamos ter eleições autárquicas, e querendo ter o máximo de jovens eleitos, a minha responsabilidade enquanto deputada jovem e como secretária-geral da JS, é ter a capacidade de, em conjunto com vários outros jovens, demonstrar que há uma representação e uma renovação geracional nos partidos, que demonstre que, aqui dentro, as nossas ideias são ouvidas. Por outro lado - e tento sempre vincar isto -, um jovem de uma juventude partidária é um jovem como qualquer outro. A JS é uma estrutura partidária jovem do país, somos muito heterogéneos, há jovens de todo o país, de todas as condições sociais, com as mais diversas características. Somos, de facto, representativos dos jovens. O que queremos é garantir que as nossas convicções, que somos os melhores preparados e com as melhores ideias para mudar as suas vidas, [esses] estão aqui connosco na JS e com o PS.

Que expectativas tem para o mandato?

Tenho falado com várias pessoas do PS que já foram deputadas ou que continuam a ser deputadas. Perguntei-lhes como foram as experiências deles. É mesmo uma honra muito grande poder estar lá a cumprir este mandato. Sei que as primeiras semanas, ou, se calhar, os primeiros meses vão ser mais de compreensão. A minha expectativa é de que possa, em plenitude, fazer aquilo que me comprometi a fazer e que quero cumprir, mas estou muito expectante, pela positiva, de poder dar voz a uma geração e à JS. Estou expectante e muito motivada.

E deputados da JS eleitos?

Só eu, infelizmente. Mas tínhamos jovens muito bem posicionados, como o Daniel Azenha [4.º por Coimbra] ou a Isabel Costa [número oito por Braga]. Havia mais um ou outro distrito que tinha pessoas da JS muito bem posicionadas. O resultado que tivemos é que não permitiu a eleição.

Depois desse resultado, o que faz falta ao PS? Há quem diga que precisa de se reconciliar com o eleitorado. Na sua opinião, que liderança vos faz falta?

Não compro essa narrativa de que o discurso foi demasiado à esquerda. Ser demasiado à esquerda, neste último ano, foi dar condições de governabilidade à AD, permitir aprovar orçamentos, querer melhores salários, mais habitação, mais tempo para as pessoas poderem viver? Isto, para mim, não é esquerda radical, é moderação e sentido de compromisso com as pessoas e com o país. O PS vai ter eleições em junho, não se sabe se será uma ou duas candidaturas. O que quer que aconteça, a JS estará sempre disponível para trabalhar com o PS. Temos a sorte de ter grandes quadros no nosso partido, mesmo com as nossas diferenças. Estamos muito gratos a Pedro Nuno Santos pelo que fez, é um profundo humanista e o que apresentou ao país foi, sobretudo, responsabilidade, um compromisso sério e transparente com o eleitorado. Mas neste novo capítulo, precisamos mesmo de fazer uma reflexão um pouco mais aprofundada. O PS tem a sorte de ter várias pessoas capazes. Seja quem for o novo líder, estará profundamente comprometido a continuar o trabalho que fizemos durante este ano e em poder garantir estabilidade.

Falou na reflexão e na reorganização que a esquerda precisa de fazer. Deve repensar-se a forma como comunicam?

É preciso que a esquerda perceba de que forma comunica as coisas às pessoas. Os algoritmos deviam ser mais transparentes e dizer-nos o que estamos a consumir. Não sigo o Elon Musk, abro o X e aparece-me logo, tal como o André Ventura e a Rita Matias. Não sigo nenhum, nem quero, e é quem me aparece. Dentro de redes sociais cada vez mais tóxicas, devemos exigir responsabilidade às grandes plataformas e à forma como nos comportamos, dentro delas, para não cairmos na forma simplista e demagoga com que a extrema-direita o faz e que a direita também já vai fazendo. Há que perceber como comunicar melhor as propostas às pessoas. Nos oito anos de governação do PS, houve coisas melhores, outras piores, mas acho que a esquerda falou para as pessoas e se reconciliou com o eleitorado mais zangado. Sei que nem sempre se traduz nas concretizações práticas da vida de cada um, mas a vida das pessoas melhorou. Na minha geração, criou-se a ideia de que temos de seguir todos os exemplos do Elon Musk, ou dos seus protótipos, aqui em Portugal, que a única coisa que fazem é tentar ganhar seguidores e likes, criando polémicas e juntando-se a partidos extremistas e populistas e, até, com ideias fascistas. Neste mundo tão louco, a forma como as pessoas se comportam em sociedade é absurda. Toda a gente pensa individualmente e não conseguem compreender que, em conjunto, conseguimos ter realizações muito mais concretas. Precisamos de um grande esforço social para dar uma resposta à habitação, como fizemos com a escola pública ou com o SNS. Temos de mudar o paradigma. É aqui que a esquerda vai ter de intervir e fazer as suas reflexões mais profundas.

Quais são as três prioridades para o mandato, nesta altura?

Primeira: habitação. Foi uma luta minha, até durante a campanha para a liderança da JS, e continua a ser. A seguir, melhores salários. E, depois, um terceiro lugar empatado: mobilidade, transição digital e a questão da ecologia e da ação climática [foi secretária nacional da JS nesta área]. Parece que se perdeu a vontade de falar de ambiente, e isso é uma coisa que me assusta. Estas são as três prioridades, além de várias outras coisas.

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