Pode dizer o que Carlos Moedas lhe pediu quando a convidou para ser candidata à Assembleia Municipal de Lisboa (AML)?Posso, claro, até porque foi muito claro o que pediu. Basicamente, disse que queria que o ajudasse a construir a Lisboa que ele quer construir, que nós queremos construir. Disse que era importante ter na mesa da AML alguém que tivesse o meu perfil e uma visão de serviço à cidade e construção de soluções, porque é disso que se vai tratar.E qual foi a sua maior dúvida, se é que houve alguma?Foi um convite que me surpreendeu e aprendi na vida que os convites são mais ou menos importantes em função do contexto, mas também em função de quem nos convida e de até que ponto nos vemos a trabalhar com quem nos convida. Desse ponto de vista, foi logo um convite a ter em conta, para mim, que conheci o engenheiro Carlos Moedas quando ele era comissário europeu e eu membro da equipa reitoral de uma universidade, o que não teve nada a ver com política. Obviamente que a minha questão foi: será que posso ser útil? A minha dúvida foi como é que o meu perfil, de alguém que tem estado longe das questões autárquicas - mas sempre dei, e isso foi um factor importante na decisão, muita importância a temas autárquicos, pois a democracia local é fundamental para a nossa democracia. Isso não sei se ele sabia, mas perguntei-me até que ponto uma pessoa como eu seria indicada. A seguir foi necessário um período de reflexão, relativamente curto.Alguns dias?Poucos. Pela apreciação que faço do trabalho que ele fez, e pela confiança de estar ao seu lado. Prezo muito as pessoas que fazem mudança, e estar ao lado dele, na minha perspetiva, é fazer mudança. Disse-me que precisava de alguém com uma adequação à visão daquilo que é a cidade que queremos que seja - além do que é -, e capacidade de encontrar pontes com diferentes deputados, bem como com alguma experiência e capacidade de condução de trabalhos e de organizações. Como eu poderia ter, embora não neste contexto..O primeiro mandato de Carlos Moedas ficou marcado por estar em minoria no executivo camarário e na assembleia municipal, sendo ambição da coligação Por Ti, Lisboa que deixe de ser assim. Sendo um objetivo complicado, vê alguns limites na construção de pontes, ou está disposta a ajudar a construi-las com todos os outros grupos eleitos para a AML?Respeito muito a democracia, no sentido que os eleitos são representantes do povo. Portanto, não vejo uma democracia onde alguém decide que não se fala com alguns, a não ser que alguns desrespeitem as regras da própria democracia. Obviamente que, na assembleia municipal ou em qualquer outro sítio onde já estive, se aqueles que fazem parte põem em causa princípios fundadores, obviamente que haverá um passo seguinte. Mas sempre dialogado por todos. Vejo a presidente como um par entre pares, com responsabilidades adicionais do ponto de vista do cumprimento das boas regras de governança e do papel que a AML tem que ter numa cidadania ativa e nos estímulos para os cidadãos se interessarem em participar. Respondendo à sua questão, para mim é claro que os eleitos estão todos no órgão. E parto sempre do princípio que o estarão numa perspetiva de servir Lisboa e de cumprir bem o seu mandato.Nos discursos de Carlos Moedas enquanto candidato à reeleição tem sido frequente o epíteto “radical”, dedicado tanto à candidatura encabeçada por Alexandra Leitão como às restantes. É um bom ponto de partida para conseguir essas pontes?A esse nível, Carlos Moedas tem tido um discurso de valorizar a Por Ti, Lisboa como candidatura de moderação. Mas uma coisa é o executivo, e outra a AML. Acredito que teremos a maioria, mas mesmo nessa eventual situação é perfeitamente legítimo fazer opções. Não só legítimo como entendível numa governação. Compreendo perfeitamente ele dizer “não vamos com radicais”. Na AML, fazer uma discriminação de deputados, do ponto de vista ideológico, parece-me algo não faz sentido.Até pelo cenário de as bancadas da Por Ti, Lisboa poderem formar maioria com a do Chega.Os cenários são todos possíveis. Se estou a ver bem o funcionamento da democracia local, o que vai estar em cima da mesa serão sucessivas situações, de perspetivas e complexidade diferentes, algumas em termos ideológicos, na perspetiva tradicional dos partidos, e outras nem por isso. Por exemplo, quando se discute um problema de segurança num determinado bairro, penso que a questão ideológica estará em cima da mesa de forma muito aberta, mas o que estou a ver é um conjunto de deputados a defender aquilo que é a cidade. Vai haver certamente maiorias com muitas geometrias, em função de muitos assuntos. Considero que não faz qualquer sentido estabelecer, a priori, que há geometrias inadequadas ou impróprias, pois só fará sentido essa avaliação em função dos problemas e das propostas para encontrar a solução..Margarida Mano, candidata à Assembleia Municipal de LisboaConsidero que não faz qualquer sentido estabelecer, a priori, que há geometrias inadequadas ou impróprias, pois só fará sentido essa avaliação em função dos problemas e das propostas para encontrar a solução..Daquilo que já estudou sobre o funcionamento da AML nos últimos anos, há algum modelo de presidência no qual se reveja?Não fiz uma análise tão exaustiva que me permita ser justa, ou correta sequer. Mas analisei alguns vídeos e há princípios essenciais. Um deles, que me parece fundamental até para a questão da democracia local, é a importância da participação ativa de forma institucional. Helena Roseta chamou Casa da Cidadania à AML, o que é uma visão, uma aspiração e um pressuposto. É um pressuposto, mas enquanto visão deve inspirar-nos a trabalhar por isso, o que é difícil. As assembleias descentralizadas são um mecanismo para aproximar o órgão da cidade e dos munícipes, mas nas reuniões que vi parece-me que havia muito pouca gente, o que não seria certamente o objetivo, e por outro lado pareceu-me - e não acho que seja a presidente que muda isso, mas é preciso que se tenha consciência - que houve muitas discussões em que estavam a falar para si próprios. Fazer da AML a Casa da Cidadania é um trabalho hercúleo, em que não podemos baixar os braços. É um trabalho dos deputados, da sensibilidade e do interesse dos grupos municipais, e de proximidade com os cidadãos. É muito difícil captar o interesse do cidadão para ir a uma assembleia municipal se não se perceber as suas preocupações. Num mundo em que todos têm uma agenda tão ocupada e é-nos exigido tanto, porque é que alguém vai gastar duas horas do seu tempo? O que leva um lisboeta a ir a uma assembleia descentralizada? As respostas podem ser diferentes em função das diferentes freguesias. Fazer da AML a Casa de Cidadania não é questão de um mandato, nem de dois ou três, nem é de super-homens e super-mulheres iluminados.Além de aproximar os munícipes do poder, a AML tem papel de fiscalização e acompanhamento do executivo camarário. A sua ligação à Transparência internacional poderá ajudar no escrutínio da governação?Tornei-me associada depois de sair da Assembleia da República. Faz parte do meu ADN a ideia de que o serviço público exige responsabilidades acrescidas de transparência e de ética. Na Transparência Internacional clamamos sempre - eu, os que estiveram antes de mim, os que estão e os que virão - por tais princípios estarem presentes na sociedade. São princípios que aplicarei onde quer que esteja.Partindo do princípio que é eleita presidente da AML e Carlos Moedas reeleito presidente da Câmara de Lisboa, o homem que a convidou deve estar preparado para um escrutínio apertado?Sem dúvida. Tão apertado como a qualquer outro presidente. Um escrutínio que é controlo e acompanhamento, numa proatividade que se traduz nas recomendações da AML. Conhecendo-me, seria impossível pensar de outra maneira. Uma democracia local forte exige que os diferentes poderes exerçam de forma exigente e uma das funções da AML é a fiscalização do executivo.Mesmo que possa ser vista como uma força de bloqueio? Carlos Moedas tem dito que muito foi feito nestes últimos quatro anos apesar dos entraves que foram colocados.O funcionamento da AML vai depender do voto dos lisboetas, e certamente que o engenheiro Moedas diz isso para alertar. Existe uma assembleia e um executivo, e não é por acaso que existem esses dois órgãos. Com ou sem maioria, é fundamental que a AML funcione bem, numa perspetiva de boa governação, o que passa naturalmente pelo acompanhamento do executivo. Isso não é bloqueio. Bloqueio pode ser o mau funcionamento da assembleia pelas demoras ou por entraves formais. Obviamente que uma maioria permitirá uma capacidade de atuação diferente, mas com maioria ou sem maioria a AML, com o Por Ti, Lisboa, zelará pelas funções de escrutínio, de fiscalização e de acompanhamento da ação do executivo..Margarida Mano, candidata à Assembleia Municipal de LisboaCom ou sem maioria, é fundamental que a AML funcione bem, numa perspetiva de boa governação, o que passa naturalmente pelo acompanhamento do executivo. Isso não é bloqueio. Bloqueio pode ser o mau funcionamento da assembleia pelas demoras ou por entraves formais..Concorda que, nos últimos anos, muitas vezes a AML tem-se preocupado mais com questões ideológicas, e de política internacional, do que deveria?Não sou capaz de lhe dizer se tem ou não, mas penso que é uma tentação fácil, não só numa assembleia municipal, como noutros fóruns onde estão vários partidos representados, trazer questões que fazem parte da vida das pessoas e que, mesmo que não estando dentro das competências e esfera de atuação da AML, as pessoas querem discutir. É uma tentação que tem de ser gerida em função das regras. Estou a falar sem juízos de valor sobre o passado, que não conheço, mas não faz qualquer sentido a AML discutir de forma prioritária assuntos que não são da sua competência, mas até talvez pela questão da proximidade com os cidadãos não deixa de fazer sentido estar pronta à reflexão e ao debate sobre questões que possam interessar aos lisboetas.Atravessamos uma fase da política portuguesa em que a Assembleia da República tem debates com problemas de urbanidade entre os eleitos. Teme que isso possa acontecer na AML?Quando entrei para o Parlamento, onde estive quatro anos, também foi um choque ver os à partes e, por vezes, posturas muito teatrais, mas agora temos outro tipo de questões. Medo não tenho, mas acho que pode ocorrer. Como se lida com isso? Primeiro, é fundamental ter um conjunto de princípios claros, e consensualizados entre todos, para poder agir, porque isto faz parte da sociedade: há 30 anos ninguém pensaria dirigir-se a alguém como hoje se dirige a um professor ou a um polícia. Na minha perspetiva, um bom funcionamento da AML tem de passar sempre por princípios e regras muito claras. Sobretudo uma regra fundamental, que é o respeito por todos os deputados, que são representantes dos lisboetas. É possível que haja situações incómodas, mas há que agir da melhor forma que estamos preparados, com tudo o que aprendemos e em que acreditamos.Decerto que José Pedro Aguiar-Branco, na primeira vez que foi eleito presidente da Assembleia da República, não estava à espera de tudo o que viria acontecer.Exatamente. Temos de aprender com os outros, com as boas práticas e os erros. No exemplo concreto da Assembleia da República, provavelmente era possível tomar decisões diferentes, que teriam consequências diferentes e receberiam críticas diferentes. Para mim, o importante numa decisão é que seja explicável, e fundamentada em critérios perfeitamente claros e previamente assumidos pelo coletivo. Mesmo com estes pressupostos podemos ter decisões diferentes, mas a vida política vai-se construindo em função das situações.Partindo do princípio que é eleita presidente, o que espera que melhore na cidade através do contributo da AML?Porque acredito que as instituições democráticas têm de ser muito valorizadas, gostaria muito que a AML seja um órgão onde temas fundamentais para a cidade, de presente ou de futuro, tenham sido discutidos de forma participada e com um conjunto de princípios claros. Isso coloca-se a alguns dos temas que terão impacto nestes quatro anos, e outros que não, independentemente de nos quatro anos seguintes poder haver uma nova geometria que os discuta e ponha em causa. O executivo fará o seu papel e a AML tem de acompanhar e fiscalizar, e tomar decisões do ponto de vista do orçamento e dos grandes planos. A mais-valia fundamental pode ser, e espero que seja, a criação de fóruns de reflexão com ideias e soluções concretas, consensualizadas e discutidas, sobre temas que interessam à cidade. A inovação e a modernização também têm de estar na AML. Para termos os lisboetas a quererem intervir e participar temos que ter uma assembleia próxima das pessoas. Questões como a utilização adequada dos instrumentos digitais têm que estar presentes. E isto só pode ser feito com o acordo das forças que lá estão representadas.Se não for eleita presidente da AML, vai cumprir o mandato?Acredito muito na democracia. Foi por isso, e por achar que tinha condições para fazer mais do que a minha vida pessoal e profissional, que entrei na Transparência Internacional. Temos que defender as causas em que acreditamos. Estarei sempre ao lado dos resultados da democracia. Acredito que os lisboetas vão decidir bem e que os deputados municipais escolherão bem. .Livro. Alexandra Leitão pede explicações a Moedas quanto a uso de fundos camarários