Como era obrigado pela Constituição, Marcelo Rebelo de Sousa devolveu ontem a lei de estrangeiros ao Parlamento na sequência da decisão de sexta-feira passada quando o tribunal se pronunciou pela inconstitucionalidade de algumas normas do diploma. Em vez de optar por um veto político, mecanismo extremamente raro, o Presidente da República expressou dúvidas quanto à constitucionalidade e pediu, no dia 24 de julho, com caráter de urgência, ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva de sete das normas. Dessas, cinco foram consideradas inconstitucionais, logo, necessariamente, teriam de voltar ao Parlamento para nova redação ou alteração profunda antes de nova discussão e possível novo projeto de lei. Recorde-se que a meio de julho, o Parlamento, com votos favoráveis de PSD, Chega, CDS-PP, abstenção de Iniciativa Liberal e oposição das restantes bancadas, aprovou o projeto, fazendo do tema Imigração o primeiro grande entendimento entre PSD e Chega no novo quadro político que derivou das legislativas de maio.Todo este processo poder-se-ia dividir em dois prismas: o primeiro quanto à ação do Presidente da República, de enviar para o Constitucional as dúvidas sobre o projeto de lei, numa fase seguinte as decisões do tribunal e o levantamento das suspeições do Chega, que considerou, há quatro dias, que o órgão tinha sido “apoderado por um espírito de esquerda.”Nesse sentido, o Diário de Notícias procurou ouvir os candidatos à Presidência da República que têm reunido maior apreço dos eleitores de acordo com as sondagens para se pronunciarem, justamente, sobre os dois ângulos. Comecemos pela primeira abordagem. Luís Marques Mendes descreveu o procedimento e validou o funcionamento democrático. “Este processo mostrou que as instituições funcionam. O Governo apresentou uma proposta de lei, o Parlamento aprovou, o Presidente da República teve dúvidas e o Tribunal Constitucional tomou a sua decisão”, respondeu ao DN o candidato apoiado pelo PSD, o qual a meio de julho, em plenas jornadas parlamentares do PSD-CDS-PP dissera não ser “justo” nem “correto” associar “qualquer problema no país aos imigrantes”, pedindo “humanismo, tolerância”, apesar de assinalar ter existido um “descontrolo durante anos” que tornou “inevitável” tomar medidas de regulação. .Em nota enviada ao Diário de Notícias, Gouveia e Melo referiu a “a necessidade de regulação do fluxo de imigração”, mas priorizou a “integração, que é uma prioridade, não só social e humanitária, mas também económica.” “Regular, sim, sem que tal implique o enfraquecimento dos direitos fundamentais ou a erosão da confiança institucional”, mencionou o almirante, ainda sem apoio expresso de qualquer partido, reforçando a convicção de que algumas das medidas propostas pelo Executivo de Montenegro pudessem a vir demasiado extremistas. Não se pronunciou, porém, sobre a ação concreta de Marcelo Rebelo de Sousa.António José Seguro, ex-secretário-geral socialista, aplaudiu a ação do Presidente da República. “O Presidente da República cumpriu o seu dever constitucional e, face às normas inconstitucionais decretadas pelo Tribunal Constitucional, vetou o decreto e devolveu-o à Assembleia da República”, escreveu ao DN o candidato ainda sem apoio expresso do PS.António Filipe, candidato apoiado pelo PCP, é o mais vocal, tanto na ação de Marcelo como no Palácio Ratton. “Achei adequada a decisão, porque teria noção da possível inconstitucionalidade, porque havia fundamento. Achei que a decisão do presidente foi justificada. Houve decisões do Presidente da República com as quais não concordei, neste caso acho que esteve bem. Creio também que os pontos declarados inconstitucionais são justamente declarados inconstitucionais. Portanto, está decidido”, analisou António Filipe, vincando que agora, no regresso ao Parlamento, não basta mudar algumas alíneas no projeto. É preciso uma mudança a fundo. “A decisão tem de ser acatada, quer se goste, quer não. As questões que foram suscitadas são de grande evidência. Enquanto no veto político, o Parlamento tem uma decisão possível, neste caso a decisão do tribunal é irrevogável. A Assembleia não pode superar o voto do tribunal, que é supremo em termos inconstitucionais. É preciso expurgar inconstitucionalidades. Não se pode alterar a lei, mantendo as razões para que a inconstitucionalidade seja suscitada. São cinco normas que não podem ser mantidas”, asseverou, confiante de que num futuro, a breve prazo, haja um maior diálogo e concertação para melhorar o projeto de lei. .É importante contextualizar que o Tribunal Constitucional é composto por 13 juízes, sendo 10 destes designados pela Assembleia da República, os três restantes cooptados pelos dez nomeados pelo Parlamento. É de se referir que seis dos juízes designados são, obrigatoriamente, escolhidos de entre os restantes tribunais e os demais de entre juristas. Das cinco normas consideradas inconstitucionais (ver lista abaixo), três tiveram oito votos favoráveis à inconstitucionalidade. A que gerou mais dúvidas, com sete votos a favor, seria a alteração dos mecanismos legais usados pelos imigrantes para defender direitos na Justiça. O Tribunal mencionou a pretensão do Governo de “restringir a aplicação do regime geral da intimação”.Em todo o caso, entre os sete juízes que votaram pela inconstitucionalidade de pelo menos uma das normas, cinco deles foram nomeados pela Assembleia da República e quatro deles sugeridos pelo PSD. Como tal, a acusação de uma apropriação e proximidade à ideologia de esquerda para assinalar as razões para a inconstitucionalidade cairá por terra.Nenhum dos candidatos entrevistados pelo DN pactua com as declarações críticas ou de suspeição aos juízes. “Não me pronuncio em relação a questões de composição do Tribunal Constitucional”, comentou Marques Mendes, sem relevar a polémica instalada. António Filipe é perentório. “É calunioso para os juízes. Dois terços são designados pela assembleia e os restantes por cooptação, não lutam por reeleições, decidem de acordo com as suas convicções. Estar a colocar a questão no facto de serem designados pelo PS ou PSD, creio que é estar a colocar um anátema sobre os juízes”, disse, compreendendo a dispersão de opiniões no Palácio Ratton: “É muito raro haver decisões por unanimidade, o voto vencido é o prato do dia, especialmente quando falamos de sensibilidade política. É absolutamente normal, também o texto na Assembleia da República não foi aprovado por unanimidade.” O candidato apoiado pelo PCP lamenta as críticas vindas da direita e recorda uma anterior tentativa de instrumentalização. “Quando aconteceram os cortes de subsídios de Natal ouviu-se algo semelhante, já vimos isto em outras matérias, sintomaticamente aí com o mesmo partido”, lembrou em relação a críticas do PSD aos juízes.Gouveia e Melo não mencionou especificamente o Tribunal Constitucional na comunicação enviada ao DN, mas vincou o respeito pelos órgãos de soberania: “Qualquer reforma deve ser conduzida com rigor, transparência e diálogo, respeitando os princípios fundamentais do Estado de Direito e a confiança das partes no sistema democrático.”.António José Seguro não se pronunciou concretamente sobre a idoneidade dos juízes, nem sequer sobre as críticas apontadas aos mesmos. Ainda assim, desvalorizou o embaraço que a inconstitucionalidade possa gerar aos partidos que aprovaram o projeto de lei. “É o sistema político a funcionar no respeito pelas regras democráticas e pelos nossos valores constitucionais”, adicionou. .O tema voltará ao Parlamento e esperam-se alterações de fundo. Nesse sentido, o PS deixou claro a Luís Montenegro que pretende colaborar, de modo a evitar o que tem considerado um tratamento diferenciador entre cidadãos. Isso implicaria, como José Luís Carneiro, referiu, “negociar apenas com o PS”. O acordo parlamentar no que toca a esta medida estaria comprometido. A Iniciativa Liberal vincou a mesma vontade, mas ontem pediu uma audição parlamentar com o ministro da Presidência, Leitão Amaro, para discutir a divergência entre a AIMA e o INE quanto ao número de imigrantes em Portugal. Luís Montenegro, há quatro dias, garantiu que não vai deixar cair o tema. Em setembro, a imigração deverá voltar à agenda. Ainda assim, entre novos diálogos e escrita de um novo projeto de lei, dificilmente antes de novembro Marcelo Rebelo de Sousa será confrontado com novo diploma.As normas inconstitucionaisReagrupamento familiarA limitação do reagrupamento familiar a menores de idade, excluindo o cônjuge ou unido de facto quando o titular da autorização de residência esteja no país há menos de dois anos, foi considerada inconstitucional por “afetar gravemente a preservação da unidade familiar.” Foram oito os votos favoráveis.Prazo de reagrupamentoA imposição do prazo mínimo de dois anos para se poder pedir o reagrupamento familiar não se provou ser uma “medida necessária”, lê-se no acórdão. Foram oito os votos favoráveis.Prazo de respostaQuanto aos pedidos de reagrupamento familiar, que tinham de ter resposta em três meses pela Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA), prorrogável por mais três meses, a proposta era subir para nove meses, renováveis por igual período, totalizando até 18 meses para a decisão. A esta seria necessário comprovar os dois anos de residência, prazos que o Tribunal considerou incompatíveis com os deveres de proteção em relação à família. Oito juízes vincaram a inconstitucionalidade.Condições de reagrupamentoA alteração nas condições para o reagrupamento familiar previa que o indivíduo teria de provar subsistência, mas também dar conta de ter alojamento próprio ou arrendado com condições de salubridade ou segurança, dispensando qualquer apoio social. O Tribunal entendeu que a matéria era de Assembleia da República e não passível de ser uma portaria estabelecida pelo Governo. Nove juízes votaram a favor.Regime de IntimaçãoA norma que gerou mais dúvidas, com sete votos (em 13) a favor, seria a alteração dos mecanismos legais usados pelos imigrantes para defender direitos na Justiça. O Tribunal mencionou a pretensão do Governo de “restringir a aplicação do regime geral da intimação.” .Lei da imigração: o que "passou", o que foi vetado pelo TC e o que está mantido desde o início .TC declara que mudanças na lei da imigração são inconstitucionais. Presidente vetou de seguida.Marcelo envia para o TC a lei de estrangeiros e pede resposta em 15 dias