Congresso da ANMP em Viana do Castelo
Congresso da ANMP em Viana do CasteloESTELA SILVA/LUSA

Autarcas recuperam bandeira da regionalização para "acabar com país desigual e desequilibrado"

Em congresso, autarcas apelaram “ao cumprimento do texto constitucional, criando-se as regiões administrativas” para propiciar “políticas públicas mais consistentes”
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A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) defendeu este sábado, 13 de dezembro, que a regionalização é fundamental para acabar com um país “desigual e desequilibrado”, compatibilizando os interesses nacionais com os dos vários territórios.

“A ANMP está ciente da dificuldade do processo de regionalização, mas os anos que já passaram desde a Revolução de Abril permitem concluir que, sem a criação de regiões administrativas, continuaremos um país desigual e desequilibrado. Estes desequilíbrios só serão ultrapassados com políticas públicas adequadas aos diversos territórios”, escreveram os autarcas no documento Autonomia e Descentralização, a que a Lusa teve acesso e que foi apresentado no XXVII Congresso da ANMP, que elegeu Pedro Pimpão como novo presidente.

A ANMP considera que uma política nacional de desenvolvimento regional “deve ser articulada com todos os agentes do território, para que, nos processos de decisão, se compatibilizem os interesses do país com os interesses diversos dos seus vários territórios e regiões”.

Só as regiões administrativas poderão desempenhar este papel, cumprindo com eficácia e eficiência a indispensável articulação das políticas de âmbito transversal”, defendem os municípios, no documento apresentado no congresso que começou este sábado e termina no domingo em Viana do Castelo.

A ANMP apelou, por isso, “ao cumprimento do texto constitucional, criando-se as regiões administrativas” para propiciar “políticas públicas mais consistentes”, favorecer “a capacidade competitiva dos territórios”, potenciar “a criação de centros polarizadores de crescimento”.

As regiões administrativas vão ainda permitir “processos de dialética política”, criando “fatores adicionais de progresso e de desenvolvimento”, de acordo com os autarcas.

Para a ANMP, as regiões administrativas são essenciais para a reorganização territorial e para “uma efetiva reforma administrativa”, permitindo “políticas territoriais mais próximas dos cidadãos e o aprofundamento da descentralização administrativa”.

“A descentralização administrativa […] pode e deve realizar-se para as regiões administrativas naquelas situações em que o exercício das competências exige uma dimensão territorial maior, no caso, uma dimensão regional”, indicou.

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Carlos Moedas diz que autarcas não são “uns empregados do Governo” e pede "descentralização" de poderes

As autarquias consideram que a escala municipal é muitas vezes insuficiente “para dotar de consistência algumas das políticas públicas que exigem uma estruturação de âmbito territorial com maior dimensão”.

O documento observa que a regionalização não dispensa a nova “roupagem” dada às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), com a sua conversão em institutos públicos de regime especial e âmbito regional, já que as mesmas se integram na administração indireta do Estado, “sujeitas à superintendência e tutela do Governo”

As CCDR não são, assim, entidades territoriais dotadas "de autonomia e com os órgãos diretamente eleitos pelas populações”.

Os municípios elegem ainda como vantagem da regionalização a aproximação dos centros de decisão às pessoas, “com o aprofundamento da democracia e o reforço da cidadania, legitimando-se os membros dos órgãos através do voto popular e respondendo perante as populações”.

A ANMP lembra que Portugal “continua a ser extremamente centralizado” e, em 2024, o peso da receita dos governos locais no total da administração pública foi de 12,6% em Portugal, apontando “para um grau de descentralização bastante inferior ao da Zona Euro (21,2%)”.

“Este é um desfasamento que impressiona e temos de alterar, uma vez que o centralismo alimentou o afastamento entre o Estado e os territórios, agravando as desigualdades estruturais”, alertou.

O despovoamento do interior, a redução da presença de serviços públicos em zonas de baixa densidade, a concentração do investimento nos grandes centros urbanos e a fraca dinâmica económica regional são, para a ANMP, “sinais claros de uma organização territorial disfuncional”.

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Pedro Pimpão oficializado como novo presidente da Associação Nacional de Municípios

Municípios queixam-se de atrasos na regulamentação de competências na saúde

No mesmo relatório apresentado este sábado, a ANMP aponta que os atrasos na regulamentação de diversas matérias relacionadas com a descentralização de competências na área da saúde têm gerado incertezas na gestão de serviços pelas autarquias.

É destacado que, apesar dos esforços da associação, “muitas das matérias relacionadas com a descentralização na saúde não foram regulamentadas, o que tem dificultado a plena implementação das competências transferidas e gerado incertezas sobre a gestão de alguns serviços pelos municípios”.

“Para assegurar o pleno sucesso da descentralização da saúde é indispensável avançar com a regulamentação em falta e com medidas concretas e coordenadas que resolvam as lacunas ainda existentes”, é descrito pelo relator do documento, Manuel Cordeiro (PSD), Presidente da Câmara de São João da Pesqueira.

Entre as medidas que os municípios exigem está a criação de um programa de recuperação ou reabilitação de centros de saúde e a aprovação de um mapa com as instalações e equipamentos que necessitam de investimento prioritário, construção de novas infraestruturas ou intervenções de requalificação e modernização de grande dimensão.

De acordo com os municípios, falta também definir critérios e fórmulas de cálculo para determinar qual a dotação transferida para os municípios para pagamento dos trabalhadores na carreira de assistente operacional, o que tem causado dificuldades na gestão de recursos humanos, afetando a distribuição adequada de pessoal.

Segundo o relatório, a “decisão do Governo de afetar meios financeiros à recuperação de centros de saúde, sem que para tal tenha sido feito o mapeamento”, vai contra o acordado entre o Governo e a ANMP e “gerou desconfiança institucional e quebrou a confiança política entre o poder central e os municípios”.

Pedro Pimpão, ao centro, é o novo presidente da ANMP
Pedro Pimpão, ao centro, é o novo presidente da ANMPESTELA SILVA/LUSA

“Como consequência, aumenta a incerteza no planeamento das autarquias, agrava-se o risco de atrasos generalizados e adensa-se o sentimento de desigualdade territorial, uma vez que nem todos os municípios conseguem compensar essa perda de financiamento com recursos próprios”, é salientado.

No documento, a ANMP critica a falta de transparência no Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD), indicando que as verbas não cobrem os encargos reais assumidos pelos municípios, e pede o regresso da Comissão de Acompanhamento, “responsável por avaliar a adequação das transferências e assegurar que os montantes correspondem aos encargos efetivamente assumidos pelos municípios”.

A associação de municípios defendeu ainda que é necessária “uma maior articulação entre o Governo, a ANMP e os municípios, de forma a definir prioridades claras e prazos realistas”, assegurar “a transferência de verbas suficientes para cumprir as responsabilidades financeiras decorrentes da descentralização” e estabelecer mecanismos de controlo e auditoria para garantir a utilização eficiente e transparente dos recursos.

Além da saúde, a descentralização em áreas como a educação e a ação social continuam a enfrentar “problemas estruturais”, apesar dos acordos celebrados com o Governo em 2022 e 2023, sendo que, na área da educação, a associação alerta que 526 escolas, com um investimento previsto de 1.730 milhões de euros até 2023, continuam à espera de requalificação, muitas em estado “urgente ou muito urgente”.

O Governo e a ANMP celebraram acordos para clarificar a descentralização em áreas como a Educação e a saúde, em 2022, e a ação social, em 2023.

No caso da saúde, o Governo comprometeu-se a assegurar o financiamento de obras de construção, recuperação ou reabilitação num conjunto de centros de saúde, através de verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do Portugal 2030, tendo garantido, segundo os municípios, o financiamento das intervenções a 100%.

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