Ana Sofia Antunes, outrora Secretária de Estado para a Inclusão nos governos de António Costa, detalha ao DN o lamento por PS ter apenas o PAN a seu lado na corrida a Oeiras, mas entende que é viável alcançar um bom resultado face ao que diz ser a menor obra feita por Isaltino Morais no último mandato. Garante que não aceitará pelouros caso perca o sufrágio.É candidata do PS e terá também o apoio do PAN nesta coligação. Como surgiu este desafio para se candidatar a Oeiras? Para quem esteve oito anos em funções executivas como eu, e sempre em pastas em que a ida ao terreno é algo fundamental, na Inclusão e depois na área da ação social, acompanhei a execução do Plano de Recuperação e Resiliência [PRR], todo esse trabalho, quando se sai dele, sente-se uma falta imensa. Há algum tempo que ansiava por um desafio que me permitisse voltar a estar junto das pessoas, o que não é tão fácil quando estamos na Assembleia da República.O que tem ouvido durante estas semanas de campanha? Comecei no final de abril, fui às forças vivas do concelho, às instituições sociais, escolas, centros de saúde. Ajudaram-me a construir um programa o mais participado possível. Não é um programa feito com especialistas na área A, B ou C, mas com as pessoas que identificam os problemas em Oeiras. As pessoas apontam problemas na mobilidade, na falta de habitação, na falta de apoio a idosos, na falta de vagas nas creches para as crianças.Era intenção do PS estabelecer um acordo mais amplo? Faltam outros partidos para a candidatura ser mais forte? Existe, obviamente, um histórico em Oeiras. Junto-me a este projeto agora e todos estes processos têm um caminho, não começam agora. Gostaria de ter aqui um entendimento mais alargado à esquerda, não o escondo, gostaria mesmo. Percebi que nesta fase isso não seria possível. Em Oeiras ainda temos um desafio adicional à esquerda, já existe uma outra coligação à esquerda que junta Livre e Bloco. Já não é aqui o entendimento ou a negociação com dois partidos separadamente, é o entendimento de uma construção que é feita por dois partidos, que eles, por vezes, não têm ideias totalmente coincidentes. Comprometo-me a uma maior aproximação com os outros partidos à esquerda durante este próximo mandato. O Partido Socialista obteve cerca de 10% dos votos na última eleição em Oeiras. Isaltino Morais teve 50%. Como se motiva para um desafio destes?Precisamente por isso, pelo gigantismo do desafio, pelo facto de ter noção de que há muitas coisas em Oeiras que não estão bem. 50% dos votos representam 38 mil votos. É um desafio grande, mas em momento algum vi como impossível e estou convicta num bom resultado. São quase 40 anos de poder de uma mesma pessoa, com coisas bem feitas, sim, mas muitas por fazer, muitos vícios adquiridos e uma gestão muito centrada numa personalidade carismática e egocêntrica, que faz as coisas exclusivamente à sua maneira, que foi perdendo a capacidade de dialogar. Praticamente não existem reuniões descentralizadas, algo básico. É preciso explicar as opções que se tomam antes de se aprovar um orçamento e justificar os relatórios de atividades e de contas. Oeiras ainda não conseguiu ser um território completo. Defendemos muito o conceito de cidade em 15 minutos como objetivo a atingir. Isto ainda não se conseguiu em Oeiras. E depois há uma outra realidade. Oeiras optou por concentrar no território um conjunto de parques empresariais que trouxeram mão de obra ao concelho. Este modelo é interessante, traz impostos que são pagos no município, mas concentra toda esta opção nestes parques, que depois das 17h00 estão vazios. Não é a minha intenção trazer indústrias que tragam impacto ambiental ao concelho, mas existem muitas indústrias nas energias limpas que seriam interessantes. Mais do que isso, as pequenas e médias empresas deveriam ocupar as lojas fechadas.Qual é a sua política para a habitação?Oeiras precisa de habitação para uma classe média que não se está a conseguir fixar. Estão a ser construídos 750 fogos que a Câmara candidatou a verbas do PRR há anos, alguns há mais de uma década. A Câmara não mobilizou um cêntimo. As outras 750 habitações estão a ser construídas diretamente pelo IHRU. Precisamos de mais. Recorrendo a três modelos, seja por novas linhas de financiamento, do PRR, do IHRU, ou eventualmente do Banco Europeu de Investimento. Comprometemo-nos a mais 2500 fogos para renda acessível, cujos valores variam entre os 570 e os 840 euros. Defendemos que se volte ao modelo que deu frutos em Lisboa, o das cooperativas. A câmara poderia incentivar, cedendo terrenos, os direitos de superfície por períodos bastante prolongados, e, obviamente, atribuindo a estas cooperativas um conjunto de incentivos fiscais. Também defendemos um modelo de parceria público-privada: se há terreno para construir e a câmara não tem dinheiro para investir, podemos aprovar um privado que construa diferentes tipologias de habitação, desde cariz mais elevado para rentabilizar, mas também habitações municipais. Há um outro programa que já começou a ser implementado em Oeiras e que aplaudimos, o de a câmara adquirir imóveis que vão ficando devolutos e que, com algum investimento, se possam recolocar no mercado de arrendamento. Não é fácil, porque o património está com um valor de aquisição de metro quadrado muito elevado. Temos condomínios privados a serem licenciados pela câmara, grandes torres e com valores para um mercado de nicho. Não estamos a encontrar resposta para as famílias de classe média.Como pode contribuir para que quem trabalhe em Oeiras viva em Oeiras também?Deixando de apostar numa habitação de nicho de mercado e reservando os fundos da câmara para investimentos mais diversificados. Barcarena e Porto Salvo também são Oeiras. Seria importante manter alguma população originária, conseguindo que alguns dos trabalhadores combatessem este fenómeno de filas permanentes em Oeiras. Das reuniões que fui tendo, por exemplo, com diversos CEO de empresas localizadas nos parques empresariais, há desafios que apontam para contratar: a questão da habitação, uma população jovem que quer vir, mas vive longe e pede teletrabalho como condição. Depois, a questão da mobilidade. Não há transporte público para chegar a estes parques empresariais, o pouco que há levaria as pessoas a muitas horas de caminhada. Há aqui também um risco acrescido. Que impacto vai ter a transferência do aeroporto para a margem Sul? Corremos o risco de que estas empresas juntem as suas coisinhas e vão procurar outros territórios mais favoráveis. A Ana Sofia tem cegueira congénita, mas isso não a impediu de estar em três legislaturas no parlamento, de ter sido Secretária de Estado de Inclusão.Onde começa a política na sua vida?Começou no ativismo, quando tomo consciência de que o facto de ter uma deficiência visual, uma cegueira congénita, me trazia dificuldades acrescidas. Sempre vivi assim, cresci assim, é muito mais duro para quem perde a visão em determinado período da vida. Tive uns ótimos pais, de classe média, com as suas dificuldades, mas que nunca me limitaram em nada, que me disseram ‘vai, quando cais levantas-te e estamos aqui’. E isso deu confiança. Quando chega o convite de António Costa, primeiro para integrar a lista ao Parlamento, de seguida para ir para o Governo nesta área, foi um pânico, mas depois foi a sensação de que era o que realmente precisava para tornar em realidade aquilo porque andava a lutar.O que conseguiu implementar? Muitas coisas. A prestação social para a inclusão, a única prestação paga em Portugal exclusivamente destinada a pessoas com deficiência para compensar os custos acrescidos que estas pessoas têm. O modelo de apoio à vida independente que atribui às pessoas com deficiência a possibilidade de terem um assistente pessoal que as ajuda na realização de tarefas diárias.Tenciona ser vereadora, aceitaria pelouros?Estou a fazer campanha com o objetivo de ganhar. Se não fosse assim perdia a motivação. Se essa não for a vontade dos oeirenses, dei as minhas convicções e não defraudarei expectativas. Vou ficar como vereadora. O PS tem um histórico, tomou decisões quanto às decisões de ter pelouros, de modo a ser útil às pessoas, mas não defendo a aceitação de pelouros por parte do partido.Promete fazer mais oposição ao presidente em caso de derrota?As medidas que defendo dificilmente serão compatíveis com aquelas que defenderá Isaltino Morais. Quem vota em mim, entende que tenho ideias diferenciadas. Não posso defraudar as expectativas dessas pessoas. Que leitura política faz do apoio do PSD a Isaltino?É um apoio envergonhado, nem tão pouco é clarificado nos documentos de candidatura. O PSD abdica de existir em Oeiras em prol de um candidato que governa há quase 40 anos e que irá para o último mandato e que tem as características que tem. É um casamento mal amanhado. É importante que as pessoas quando forem votar em Isaltino saibam que votam no PSD. Mas também é importante que os militantes do PSD saibam que o símbolo do partido não vai estar lá.Acha que as pessoas não olham à Justiça em Oeiras?Vale o princípio de que quem acerta as contas com a Justiça é um cidadão livre. Não me inibirei de fazer comentários sobre as situações mais recentes, com buscas pelo menos em três situações, mas não falarei do passado. Os processos atuais estão em segredo de Justiça. Até o Marquês de Pombal, figura muito querida, só governou 27 anos. Isaltino deixou obra, mas há opacidade e um recurso a redes sociais de se contornar o essencial com o acessório. .Isaltino Morais ao DN: "Não quero ter mais votos, prefiro ter oposição na câmara do que na rua".Última dança de Isaltino depende muito das polémicas e menos da força da oposição .Ana Sofia Antunes, a primeira governante cega em Portugal