Processo de extinção do SEF pode ser de novo adiado

Do lado do Governo ainda persiste a narrativa de que é possível concluir todo o processo de extinção do SEF, criação de uma nova agência e transferência de competências até 12 de maio, a data prevista. Mas quem está envolvido nos trabalhos acha pouco provável

A pouco mais de um mês do prazo, definido em Lei, para estar concluído o processo de extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e transferência das suas competências e dos seus funcionários - inspetores para a GNR, PJ e PSP; administrativos para o Instituto de Registos e Notariado (IRN) e para a uma nova, ainda não criada, Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA) - a dúvida sobre a exequibilidade do mesmo passou a marcar as reuniões de trabalho das entidades envolvidas.

A possibilidade de voltar a haver um novo adiamento - o primeiro foi logo poucos dias depois da publicação da Lei em 12 novembro de 2021 , passando de 60 dias (janeiro) para 180 dias a sua entrada em vigor, ou seja, a 12 de maio próximo - está em cima da mesa, confirmaram ao DN responsáveis envolvidos no processo.

Da parte do Ministério da Administração Interna (MAI), no entanto, a narrativa continua a ser que vai ser ainda possível. "O Governo está a trabalhar intensamente e em articulação com todas as forças e serviços envolvidos para que a reestruturação do SEF - procedendo à separação orgânica entre as funções policiais e as funções administrativas de autorização e documentação de imigrantes - se concretize nos prazos previstos", declara ao DN o Gabinete do recém nomeado ministro José Luís Carneiro, não garantindo que tal vai acontecer.

"Tudo aquilo de que não precisávamos"

"A derrapagem dos prazos é correspondente à falta de consciência, por parte do Governo, da dimensão do que fez. Da dimensão real de uma extinção à pressão que o Governo fez do SEF. Por isso mesmo a lei que extinguiu o SEF (de novembro de 2021) previa a extinção em 60 dias e, no mês seguinte, foi apresentado novo diploma a prever um prazo de 180 dias. Não pode haver maior demonstração de falta de consciência prévia da dimensão e das implicações da extinção do SEF, tal como foi desenhada pelo Governo", aponta André Coelho Lima, deputado do PSD que acompanhou este processo.

Lembra que "há perspetivas operacionais, como passar a fiscalização de fronteiras para GNR e PSP. Há questões documentais, que passarão para a APMA e para o IRN. As questões de investigação criminal saem da experiente unidade antitráfico do SEF, para serem repartidas entre PJ, com a investigação criminal propriamente dita, e a GNR e a PSP no controlo de fronteiras". E até as questões remuneratórias, que terão implicações enormes na medida em que fará com que os inspetores do SEF entrem diretamente em categorias superiores na hierarquia da PSP e da GNR".

Para o vice-presidente do PSD "tudo isto é aquilo de que não precisávamos nesta altura. Em nenhuma altura, mas sobretudo, numa altura em que o nosso país recebeu quase 25.000 refugiados no espaço de um mês. Criar agora esta confusão legal, remuneratória, de atomização de competências e, sobretudo, operacional, é o pior que nos podia acontecer. Mas é ao mesmo tempo a maior demonstração prática do erro que o Governo se prepara para cometer. E que esperemos nele reflita, sobretudo atento ao período difícil que nós, como os restantes países europeus, estamos a viver".

90% quer ir para a PJ

Um balanço apresentado, no início de março, aos chefes das polícias - a última reunião em que esteve presente o ex-diretor do SEF, Botelho Miguel - indicava que ainda estavam vários pontos importantes por concluir, num empreendimento legal que implicou a reformulação da Lei de Segurança Interna, da Lei de Organização e Investigação Criminal e das leis orgânicas da PSP e da GNR.

O que já está definido é que as poderosas bases de dados policiais do SEF vão ser integradas no Ponto Único de Contacto, sob o Sistema de Segurança Interna, com acesso a todas as forças de segurança, de acordo com as necessidades das respetivas competências. Inicialmente, chegou a ser admitido que ficassem na dependência da nova agência administrativa, na tutela do MAI, que chegou a ter o nome de SEA - Serviço de Estrangeiros e Asilo.

Mas a começar a derrapar prazos está a criação da APMA, que deverá ficar também na tutela do MAI, cuja lei orgânica ainda não está terminada (falta clarificar melhor as funções) e tem de ser aprovada em Conselho de Ministros.

Está também por realizar a formação que a PSP e a GNR pediram que fosse feita aos seus profissionais que vão trabalhar nas novas funções, a qual os inspetores do SEF se recusam a dar até que saibam exatamente as condições da sua transição para os outros organismos.

E, precisamente este ponto, o da distribuição dos inspetores pelas polícias e alguns pela própria APMA, é o que deixa mais dúvidas sobre a sua concretização até 12 de maio. Isto porque ainda nenhum funcionário foi contactado e a Lei impõe negociação obrigatória com os sindicatos.

"O que posso dizer é que, até agora, nenhum inspetor foi notificado nem houve nenhum contacto com o sindicato", assevera Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Fiscalização e Inspeção (SCIF) que representa os inspetores.

"Acho muito difícil os prazos serem cumpridos. Estamos a falar de pessoas, não de números. Têm de ser tratadas com dignidade e no respeito da lei quanto a todos os seus direitos", conclui.

Ao que o DN conseguiu saber junto a fontes do SEF, poderá também haver problemas na própria transferência pois "mais de 90% dos inspetores quer ir para a PJ", o que será impossível.

Direitos de carreira garantidos

A carreira de investigação conta com cerca de 1000 inspetores, mas cerca de 300 têm mais de anos e podem querer passar à disponibilidade.

No entanto, para já, a PJ só deverá receber os 70 inspetores que estão atualmente na Direção Central de Investigação. Os restantes podem ser distribuídos pela PSP, que fica com o controlo de fronteiras aéreas (onde o SEF tem neste momento cerca de 400 pessoas) e dos terminais de cruzeiros; e pela GNR, que herdou o controlo das fronteiras terrestres e marítimas.

Segundo o diploma aprovado "a transição do pessoal da carreira de investigação e fiscalização para outras forças de segurança ou serviços, assim como dos trabalhadores da carreira geral, não pode implicar a redução das respetivas categoria, antiguidade e índice remuneratório, sendo assegurada a contagem de todo o tempo de serviço prestado no SEF, designadamente para efeitos de promoção, disponibilidade e aposentação".

Determina também que sejam tidos em conta "os conteúdos funcionais e a natureza das funções exercidas anteriormente pelo trabalhador nos últimos três anos".

Na sequência da morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk sob custódia do SEF, em março de 2020, o então MAI Eduardo Cabrita anunciou que ia dar seguimento ao estabelecido no programa do Governo, de separar as funções policiais das administrativas e proceder à reestruturação do controlo de fronteiras e migrantes.

Afastar todo o contacto policial direto com os imigrantes será o princípio a vigorar, mas a Lei aprovada determina que será a PSP, que passa a ter jurisdição no controlo das fronteiras aeroportuárias, a ter também a responsabilidade pelos Centros de Instalação Temporária onde ficam detidos os migrantes a quem é recusada a entrada, como foi o caso de Ihor.

O DN sabe que a PSP não quererá seguranças privados nestes espaços, como acontece com o SEF, mas aguarda uma clarificação de funções.

O conturbado processo foi atrasando logo de início, com Cabrita a que não tinha de ir ao parlamento - o que, como se veio a verificar não era verdade e acabaria por ser submetido e aprovado com os votos a favor do PS da ex-deputada Joacine Katar Moreira e com a abstenção do BE e do PAN, apesar de todos os 13 pareceres pedidos pela Comissão de Assuntos Constitucionais terem sido contra. E foi promulgado, "com reservas" pelo Presidente da República.

Na apresentação do diploma, recorde-se, o ex-Ministro Eduardo Cabrita lembrou que os imigrantes são benéficos «para a sociedade e economia» pelo que não se justifica, em Portugal, a existência de «uma polícia para estrangeiros», quase 50 anos depois de um Estado de direito democrático.

Adiantou ainda que a proposta de lei dava "cumprimento aos compromissos de Portugal no quadro do Pacto Global das Migrações e no quadro daquilo que é a visão do programa do Governo que olha para as migrações e comunidades estrangeiros como algo benéfico para a sociedade e economia».

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