Marco Capitão Ferreira, secretário de Estado da Defesa até ao passado dia 7 de julho - quando foi constituído arguido na Operação Tempestade Perfeita, que investiga suspeitas de corrupção no ministério da Defesa e no âmbito da qual já há 73 acusados - tinha acabado de chegar à IdD - Portugal Defence, em junho de 2020, nomeado presidente do Conselho de Administração para reestruturar esta holding das indústrias de Defesa participadas pelo Estado, quando assinou um contrato de "prestação de serviços de assessoria na elaboração do plano de reestruturação e do plano de investimentos da Arsenal do Alfeite"..O ajuste direto por cerca de 55 mil euros (IVA incluído), em dezembro de 2020, com uma conhecida consultora, tinha como objetivo a "elaboração, em conjunto com a administração da Arsenal do Alfeite (AA), a pedido da IdD, de um plano estratégico com vista à reestruturação das operações e do modelo de negócio da AA, do reforço dos mecanismos e processos de inovação, da requalificação dos meios e recursos e do inerente plano de negócios e de investimentos"..Fontes oficiais da IdD e da Arsenal confirmaram ao DN que o trabalho previsto neste contrato, designado "Documento Plano estratégico 2021-2030", foi concluído pela consultora em cerca de mês e meio e entregue às tutelas (Defesa e Finanças) a um de fevereiro de 2021..Desde então, assinalam as mesmas fontes, "aguarda resposta das tutelas"..Nessa altura, recorde-se, quando a Comissão de Trabalhadores alertava que os históricos estaleiros estavam a "bater no fundo" e pareciam uma "cidade fantasma", Marco Capitão Ferreira mostrava-se, em declarações ao DN, convicto que 2021 iria ser "um ano de viragem" para o Alfeite..Mas estamos em 2023 e pouco se avançou. Questionado pelo DN sobre o dito plano de investimentos, o gabinete da ministra da Defesa, Helena Carreiras, limita-se a dizer que foi aprovado "o Plano de Atividades e Orçamento da Arsenal do Alfeite relativo a 2023-2025" e que nele "se incluem os investimentos apresentados pela empresa. Quanto a outros investimentos adicionais, os mesmos encontram-se em análise com acompanhamento pelas duas tutelas"..Instadas a informar sobre o conteúdo do referido "documento estratégico", a IdD e a Arsenal nada revelaram. "No âmbito do plano estratégico, nomeadamente, no pilar do conhecimento, e após aprovação da candidatura ao PRR, implementou-se a Academia da Arsenal do Alfeite e o Centro de Inovação" (inaugurada no passado dia 27 de junho), afiançou apenas fonte oficial da empresa Arsenal do Alfeite..Carlos Eduardo Reis, ex-vice-presidente da comissão parlamentar de Defesa Nacional e ex-coordenador da bancada do PSD que acompanhou a fundo a situação deste estaleiro, destaca que "aquilo que tem vindo a público no último ano confirma todas as nossas dúvidas em relação à forma como o Ministério da Defesa programou a suposta reestruturação das indústrias de Defesa em Portugal".No seu entender, "há um padrão de contratações para assessorias e elaboração de planos que não foram cumpridos na totalidade ou só o foram de forma parcial"..No fundo, acrescenta, "o Governo simplesmente toma decisões e depois contrata os planos de reestruturação. Decide alterar e depois pede ajuda técnica para sustentar a decisão. É normal e natural que este processo ocorra de forma contrária"..No caso do Alfeite, assinala, "ainda é mais grave" pois "não aproveitar este nosso potencial é quase um crime de lesa pátria"..Para o presidente do Conselho de Administração da AA, José Luís Serra, que sucedeu a José Miguel Fernandes, depois deste se demitir passados apenas oito meses depois de ter assumido o cargo (e foi depois contratado, em contexto duvidoso, por Marco Capitão Ferreira para a IdD), este plano de investimentos é crucial à sobrevivência dos estaleiros..Em 2022, pela primeira vez em muitos anos, a empresa teve lucro (785 mil euros). Conseguiu proceder à "renegociação do preço por hora de trabalho", que não era atualizado desde 2009 (passou quase para o dobro, de pouco mais de trinta euros para quase 60), mas também, sublinha a empresa, implementou "planeamento e controlo das atividades de uma forma mais detalhada, reorganização dos fluxos de produção, racionalização dos custos de funcionamento, entre outras"..Mas José Luís Serra veio alertar para o risco de tudo isto vir abaixo já para o ano.."Sem a concretização do plano de investimentos será expectável a perda de utilização da capacidade produtiva instalada (cerca de 100 mil horas por ano), motivada principalmente pela eliminação de meios de docagem/atracação (...) obsoletos e/ou em fim de vida em cerca de 50% e ausência de meios de docagem novos. Esta situação irá originar que a partir de 2024 os resultados operacionais passem a ser negativos", escreveu no seu Plano de Atividades para 2022..No relatório e contas desse ano volta a assinalar que o "desiderato" de "ser uma entidade reconhecida e ativa no contexto da manutenção naval militar" para melhor servir, não só, a Marinha portuguesa, mas também "colocar Portugal na rota dos países com competências e argumentos para servir a indústria da defesa a nível internacional" só "será possível com a implementação do Plano de Investimentos, com particular incidência nos domínios da segurança, ambiente e aumento da capacidade de alagem, em simultâneo com a modernização da organização"..O aumento de trabalhos de reparação de navios e submarino da Marinha portuguesa, bem como um contrato com a Marinha Real de Marrocos (foi reparado totalmente um navio), foram os grandes contributos para o aumento das receitas..Salienta também José Luís Serra que a Arsenal do Alfeite "debate-se com a escassez de recursos humanos e enfrenta sérios riscos de inoperacionalidade da estrutura produtiva associada à perda de capacidades técnicas e envelhecimento da população"..Mais uma vez, e apesar de algumas contratações que têm sido feitas, em 2022 o saldo voltou a ser negativo: diminuiu para 419 trabalhadores. Segundo o relatório e contas, eram 426 em 2021; 445 em 2020; e 450 em 2019..Muito, muito longe dos mais de 1200 operários e quadros técnicos que faziam vibrar o estaleiro antes de 2009, quando foi transformado em sociedade anónima..António Pereira Silva, da Comissão de Trabalhadores, também desconhece a proposta do Plano de Investimentos. "Chegou-se a falar de um montante de 25 milhões de euros, mas ultimamente temos ouvido que serão apenas 12 milhões a três anos. Mas nada avança, tudo demora. Há perspetivas de muito trabalho que tem de ser feito, como a modernização das fragatas da classe Vasco da Gama, mas para isso era muito importante que fossem feitos investimentos em equipamentos até ao final do ano", assevera..Quanto à falta de operários e técnicos lamenta que, apesar de haver concursos abertos, estes "têm ficado desertos". O recrutamento, diz, "está a ser mais feito à base de contactos pessoais, com familiares ou pessoas de confiança conhecidas, como era há 40 anos"..A esperança é a última a morrer e por isso António Pereira acredita que a nova Academia, que considera uma "mais valia", venha também a "beneficiar os trabalhadores com mais formação".