Eleições na JS. Sofia Pereira e Bruno Gonçalves no primeiro frente-a-frente em 18 anos

Sofia Pereira: “A visão que tenho é de uma JS que seja feita em Portugal e não em Brasília, em Chicago ou em Bruxelas”.Aos 25 anos, Sofia Pereira, que é a presidente da Federação de Viseu da Juventude Socialista (JS), nega ser candidata da continuidade do incumbente Miguel Costa Matos na eleição do próximo secretário-geral, que vai ter lugar em dezembro. E admite ser preciso desconstruir os discursos que deram o voto jovem à direita..Têm dito que não há divisão na JS. Caso não houvesse, porque existiriam duas candidaturas?Não acho que exista tal como colocam o termo. A visão que tenho para a JS é de proximidade, que seja feita em Portugal, desde Miranda do Douro até Aljezur. E não em Brasília, em Chicago ou em Bruxelas. Há uma visão distinta do que deve ser a estrutura..Portanto, sem divisão ideológica.Não diria ideológica, mas na forma como queremos fazer política para os jovens. Para os desafios que vamos ter, como as autárquicas, precisamos de estar muito presentes. .O outro candidato é eurodeputado. Refere-se a isso?Sim. O Bruno é um ótimo eurodeputado, mas acredito mesmo que a JS precisa da proximidade que esta candidatura pode dar..Nas legislativas, o voto jovem foi sobretudo para a AD e Chega, com o PS pouco à frente da Iniciativa Liberal. O que falhou?Um conjunto de fatores contribuiu para que os jovens se tenham distanciado do PS. Em primeiro lugar, é mais ou menos natural que oito anos de governação causem desgaste. E traz a uma geração sem partido definido vontade de ser mais vocal e partilhar bandeiras, ansiedades e a forma como quer que o país seja gerido. Também se foi perdendo nos últimos anos a vontade dos jovens em votar nos partidos à esquerda, que têm de fazer uma reflexão muito profunda. E há a influência de novos partidos, que hoje têm representação parlamentar e que, por tentativas divisionistas e populistas, acabaram por passar mensagens que não temos tido eficácia em desconstruir. .Se os jovens estivessem felizes, provavelmente as mensagens não os teriam atraído.Sim, mas há que perceber como desconstruir narrativas em grande parte falsas. O descontentamento não se resolve com a Iniciativa Liberal, que resolve tudo com a varinha mágica, ou o Chega, na tentativa de dividir para reinar até junto dos mais jovens..Ajuda a JS que um dos cavalos de batalha do PS no Orçamento do Estado seja recusar o IRS Jovem?Há que compreender que o PS não tem nada contra baixar impostos, mas acredito que o dinheiro seria muito melhor empregue se canalizado para salários mais baixos do que para quem recebe mais. Não me parece equitativo..Pode ser contraproducente que uma das medidas associadas à JS seja alargar o prazo da interrupção voluntária da gravidez (IVG)? Não acho. As mulheres têm direito de escolher sobre os seus corpos nas circunstâncias em que se encontram, pelo que não consigo conceber que três dias de reflexão ainda se ponham. Não queremos um Estado paternalista. Sabemos, enquanto mulheres que, se tomamos uma decisão, com todas as consequências, temo-la pensada e fica difícil compreender como depois da decisão, difícil de tomar, dizem “tens mais três dias para refletir e decidir se tens mesmo a certeza”. Acho muito bem o direito à objeção de consciência dos médicos, mas não pode interferir com o direito à IVG. No Serviço Nacional de Saúde, 87% dos obstetras não fazem IVG. Isso entra em conflito direto com a liberdade das mulher. Quanto ao alargamento às 14 semanas, não propomos nada que não aconteça noutros países da Europa..Com Miguel Costa Matos a deixar a organização, por limite de idade, o que se perde por não haver nenhum deputado da JS?É uma reflexão que o PS tem de fazer. Há uma coisa conjuntural, que foi perder muitos deputados..Mas elegeu 78.Somos questionados em relação a isso, o que é perfeitamente legítimo. Aquilo que ambicionamos, não só nas autárquicas, mas em todas as eleições, é que se os partidos querem que os jovens se revejam têm de ter uma representação que demonstre haver vontade de uma participação ativa. Tivemos muitos jovens nas listas, mas não foram eleitos, e se calhar deviam. Deviam ter tido lugares de maior destaque nas listas para mostrar que somos um partido que não é inflexível à renovação..Se não vencer, isso será também a derrota de Miguel Costa Matos?Não, por um motivo concreto: o Miguel Costa Matos não é candidato às próximas eleições. E eu não sou candidata de ninguém..Não se assume como a candidata da continuidade?Não sou candidata nem de continuidade, nem de mudança. Sou candidata de construção de um projeto, de uma estrutura em que acredito muito, para a qual contribuí nos últimos 10 anos e para a qual quero muito continuar a contribuir..Bruno Gonçalves: “Necessitamos de uma JS mais aberta à sociedade civil, mais agregadora e capaz de ouvir a diferença”.Aos 27 anos, é o mais jovem eurodeputado português. Depois da liderança da União Internacional de Juventudes Socialistas (IUSY), Bruno Gonçalves oficializou a sua candidatura à JS no passado dia 22 de setembro, com a moção intitulada “Liberdade”, que apresentou em Matosinhos..O que o fez candidatar-se à liderança?Entendo que a Juventude Socialista (JS) precisa de mudar, deve voltar a centrar-se prioritariamente nas causas estruturantes, desde logo na luta pela emancipação dos mais jovens. Ao longo dos últimos anos, os mais novos foram perdendo confiança no PS. É dever coletivo da JS - não pelo partido em abstrato, mas porque acreditamos numa sociedade mais justa e menos indiferente - lutar pela confiança da maioria dos jovens portugueses. E, ao mesmo tempo, porque a JS deve ser um espaço de liberdade onde toda a gente se pode expressar, lutar e até candidatar ao que entende ser mais útil. Necessitamos de uma JS mais aberta à sociedade civil, mais agregadora e capaz de ouvir a diferença e menos de uma JS virada para um pequeno grupo de pessoas..Quais as prioridades?A candidatura constrói-se sobre o mote da liberdade. Estão colocados aos jovens inúmeros entraves à sua liberdade, à sua emancipação no país onde nasceram e para o qual querem contribuir. Só se consegue resolver isso com uma sofisticação da nossa Economia, com uma aposta real na inovação e no conhecimento, com uma Economia que aposta numa industrialização verde e de futuro. Precisamos de olhar para as novas formas de precariedade, para as desigualdades salariais que nunca conseguimos resolver, para áreas do estado social onde continua a faltar investimento. Há causas e problemas estruturais, como a habitação na qual temos de nos debruçar a fundo e avançar. Queremos uma via verde para a construção acessível, que incentive o setor privado a construir mais fogos a custos acessíveis. Precisamos, urgentemente, de uma reflexão nacional para a habitação pública que permita um investimento anual em habitação pública de 2% do PIB ao longo dos próximos 20 anos, salvaguardando que, tal como em países da Europa Central, as próximas gerações fiquem protegidas do flagelo que esta tem enfrentado. Não queremos que os jovens que hoje acabam o ensino básico tenham de sofrer com o mesmo entrave à emancipação que esta geração enfrenta..Que apoios tem para a liderança? O secretário-geral do PS apoia-o, tendo em conta que o atual líder da JS [Miguel Costa Matos] “promoveu” a candidatura da sua adversária?Tenho o apoio dos militantes da JS por todo o país. Esta é uma eleição feita e participada por militantes da JS. O melhor serviço que podemos fazer, à JS, ao PS e ao país é sermos autónomos, irreverentes e com isso ganharmos a confiança dos mais jovens. Quanto à promoção de outra candidatura pelo atual secretário-geral da Juventude Socialista, não tenho nada a acrescentar. Estou de olhos postos no futuro, numa estrutura que mude a bem da pluralidade democrática e da justa participação, e nunca no passado..É a primeira eleição para a JS disputada em 15 anos, o que representa na prática? O que faltou para haver um consenso? É coincidência isto acontecer com o PS na oposição?Neste caso, representa que os jovens que estão na JS querem ter a possibilidade de escolher entre o rumo atual ou a mudança. Numa estrutura partidária, as disputas não devem ser entendidas como algo negativo ou prejudicial que devemos evitar a todo o custo. Os consensos nem sempre são possíveis ou desejáveis. Quando as diferenças sobre a visão estrutural das organizações se coloca, é melhor ter a coragem de disputar uma candidatura do que não dar essa oportunidade, essa liberdade de escolha às pessoas. Diria que sim, por uma análise puramente histórica: nos últimos 15 anos o PS já esteve no Governo e na oposição..O que separa as duas candidaturas?Desconhecendo todas as propostas e assumindo, até, que em várias convergiremos fruto do nosso espírito social democrata convicto, acho que o que separa as duas candidaturas é uma visão de estrutura e de política. Entendo que esta candidatura representa uma abertura da JS à sociedade civil, a sua modernização e a prática da liberdade dentro da própria estrutura. A JS deve procurar valorizar a diferença e utilizá-la para ser mais forte e representativa, nunca penalizá-la a fim de objetivos pessoais de curto ou longo prazo. A renovação faz-se com convivência com a diferença. Também por isso acho que é muito positivo que existam pelo menos duas candidaturas neste processo e saúdo todos os militantes por essa coragem democrática.

Eleições na JS. Sofia Pereira e Bruno Gonçalves no primeiro frente-a-frente em 18 anos

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