Nem com a negociação na Lei da Nacionalidade “noite dentro”, como André Ventura descreveu, o Chega deixou cair as exigências quanto à descida dos impostos nos combustíveis para viabilizar o Orçamento de Estado para 2026 na generalidade. Como tal, valeu ao Governo de Luís Montenegro a abstenção do Partido Socialista para perfazer a maioria. Aos 91 votos a favor do PSD e CDS-PP, juntam-se as abstenções dos socialistas (58), do PAN e JPP, ambos com um deputado, superando, portanto, os votos contra de Chega (60), IL (9), Livre (6), PCP (3) e Bloco de Esquerda (1). Ainda decorriam as audições aos ministros quando André Ventura foi ao gabinete parlamentar reunir com a Imprensa para anunciar o voto contra, enumerando a “asfixia social” e “falta de pontes” do Governo com o qual negociara horas antes. Prometeu na especialidade procurar o IVA zero para produtos de cabaz alimentar e aumentos das pensões que Montenegro já negou. .As medidas do OE 2026 que vão mexer com o bolso dos portugueses.Hugo Soares, secretário-geral do PSD, atacou meia hora depois sem Ventura no hemiciclo. “O único argumento verdadeiro é que o Chega faz birra e não quer ficar em pé com o Partido Socialista a aprovar o documento. Quanto o PS é do lado da solução, o Chega está no lado da destruição”, vincou o social-democrata. .Nas últimas intervenções antes da votação, ao som de palavras como “Desaparece” e “Vais tarde!”, Mariana Mortágua caraterizou de “farsa” a ação do Chega, que diz “governar sem governar”, criticando o “cheque em branco do PS”, que o PCP também vincou. Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar do PS, começou por dizer que o Governo recebeu "um país a crescer 3%, aberto, que fazia crescer os rendimentos reais”, ressalvando a “lei laboral equilibrada, que se prepara para ser destruída com a direita”. Enunciou os apoios do Chega ao Governo e, apesar de dizer que o Orçamento “traduz o desequilíbrio” avançou que “precisa de moderação e responsabilidade na oposição, que só o PS a pode dar.” “Não vai ser o PS a dar uma desculpa para o falhanço do Governo”, terminou, justificando a abstenção.Ventura insistiu na crítica às subvenções a políticos, apoios aos “imigrantes, asilados e ciganos”, pediu o que o PS também colocara no programa eleitoral de IVA zero no cabaz alimentar e prometeu “lutar pelo país”, referindo que o partido tinha “muito clara a orientação de voto.” Disse que os socialistas “arrumaram na gaveta medidas que eram importantes e deixaram de ser.” .A partir daí, pouca cordialidade houve, a crispação rumo ao PS foi tal que os deputados do Chega levaram Aguiar Branco a interromper cinco vezes um discurso de defesa de honra de Brilhante Dias, inicialmente de dois minutos. Foi entre os partidos de oposição que irromperam as trocas de galhardetes, com momentos de disrupção e ruído.Já para lá das 19h00, Margarida Balseiro Lopes, ministra da Cultura Juventude e Desporto, teve a palavra para vincar o “rumo certo” do Orçamento, a “crença dos jovens na AD”, sem haver tempo para discussão quanto aos três pelouros que tutela. Sem ser surpresa o voto do Chega a partir do momento em que se soube da abstenção socialista, concluiu-se ontem a primeira fase da votação do Orçamento com o PS ao lado do Governo e a dar ideia de que continuará assim na especialidade. O que há três meses parecia impensável. Começam esta quarta-feira as discussões: ministros, Tribunal de Contas, Conselho Económico e Social e Conselho das Finanças Públicas terão palavra a dizer. .Os ministros da Economia, Finanças, Ambiente e Trabalho deram explicações. Miranda Sarmento, das Finanças, começou por ouvir críticas do PS. António Mendonça Mendes afirmou de antemão que o OE iria ser “viabilizado em nome da estabilidade politica necessária para cumprir o PRR”, considerando que a “única ideia” para o crescimento económico é baixar o IRC. Disse ainda que a carga fiscal aumentará, ideia rebatida por Miranda Sarmento, que garante “200 milhões de euros no desagravamento fiscal nos impostos sobre o consumo”, o caminho para um “crescimento económico de 3%” no fim da legislatura. Após críticas da Iniciativa Liberal, o CDS-PP defendeu o Governo, com o qual tem acordo, e atirou farpas à IL, enquanto a esquerda reafirmou o desalento pelas descidas do IRC e a ausência de taxas à banca, tal como a descida do IVA nos produtos alimentares.Castro Almeida, ministro da Economia e Coesão Territorial, disse que o país “marcou passo 30 anos” e garantiu que a “a totalidade das subvenções do PRR será utilizada”, embora admita “dificuldades” e que o processo “começou tarde.” A IL considerou que os fundos comunitários são “bóias de salvação”, o PS disse não haver “uma palavra para o Interior” e qualquer “estratégia de Turismo. Os socialistas afirmaram disponibilidade para negociar uma nova Lei de Finanças Locais, mas não houve resposta do Governo. .Maria do Rosário Palma Ramalho foi a mais criticada. A ministra do Trabalho e Segurança Social tem estado sob fogo com a proposta às alterações à Lei Laboral, pacote que fica fora do Orçamento para permitir que o PS garantisse a abstenção. Os socialistas pediram o aumento permanente das pensões, que Montenegro negara no dia anterior e lembraram que a Comissão Europeia quer “reservar o acesso aos próximos fundos europeus para países que façam reformas das pensões.” Mariana Mortágua insistiu, a ministra garantiu que houve uma “recomendação europeia”, mas garantiu nada haver “relativo à privatização do sistema de pensões”, contestando os valores que o PS previra, de mil milhões de euros, para acomodar as subidas ansiadas nas pensões. Já Miranda Sarmento avisara que os cálculos de receita na Segurança Social serão, sim, de 400 milhões de euros.Depois, seguiu-se o ataque às ideias laborais. Isabel Mendes Lopes, líder parlamentar do Livre, acusou o Governo de querer “desequilibrar o mercado laboral, facilitar despedimentos”. Retomando o tema da amamentação, Palma Ramalho rejeitou “ataque às mulheres”, defendendo uma “calibração”. “Sem limite de tempo uma trabalhadora ao abrigo desse estatuto trabalha seis horas por dia e recebe oito. Manter isso, ilimitadamente, não é razoável, nem do ponto de vista da própria amamentação”, atirou, propondo a limitação da dispensa de trabalho para amamentação até aos dois anos da criança. Garantiu, de forma ríspida, a Inês de Sousa Real, do PAN, e ao CDS-PP, que haverá alargamento do programa Creche Feliz e que avança com o alargamento da licença parental aos seis meses.Os ministros da Defesa e Saúde não foram chamados a pronunciar-se. Não escaparam, porém, a críticas. “Temos hoje mais pessoas em fila de espera para cirurgia oncológica do que quando o Governo tomou posse. As grávidas continuam a percorrer os mesmos quilómetros que antes percorriam”, disse Mariana Vieira da Silva, do PS. Rui Rocha, ex-líder da IL, mencionou em farpas a Ana Paula Martins que agora se tenta saber “em qual quilómetro nasceu determinado bebé.”Para a Defesa, o principal ataque veio da bancada do Chega. Rui Paulo Sousa pediu a revisão do duplo uso (civil e militar) dos recursos humanos das Forças Armadas, explanando a necessidade de “investimento público em material e recursos humanos” e “treino para conflitos de alta intensidade”. João Almeida, do CDS-PP, defendeu que “nunca houve investimento como neste Orçamento”. A picardia subiu de tom e o Chega acusou o centrista de defender o seu ministro, Nuno Melo. .Orçamento do Estado para 2026 aprovado na generalidade com abstenção de PS, JPP e PAN.Orçamento de Estado não deve incluir mudanças na lei laboral, SNS e Segurança Social, defende PS