Grande Oriente Lusitano: Não há eleições mas já há candidatos
Para o grão-mestre, Fernando Lima Valada, foi um susto. A certa altura, já depois de congelada a atividade interna do Grande Oriente Lusitano - GOL, a mais antiga e influente obediência maçónica portuguesa - chegou-lhe aos ouvidos que havia lojas que continuavam a reunir em conferências online.
Quem o informou até o fez com a generosidade de quem mostra trabalho - como quem diz que a organização resistia modernamente ao confinamento, continuando a operar recorrendo às mais atuais tecnologias de comunicação.
E as reuniões decorriam com os "irmãos" seguindo o mais possível, dentro das circunstâncias, as regras da liturgia interna: além de estarem devidamente paramentados (faixas, aventais, luvas brancos), identificavam-se uns aos outros pelos seus pseudónimos maçónicos (cada um tem o seu) e pelas funções internas que ocupam.
Fernando Lima Valada anteviu de imediato o perigo que tanto voluntarismo representava: a organização sujeitar-se-ia à chacota nacional se uma dessas reuniões fosse parar à internet. Além disso, seria posto em causa o sagrado princípio do sigilo das reuniões maçónicas (que não podem ser gravadas). Era preciso acabar com a coisa rapidamente e foi o que o grão-mestre fez.
Escolhendo cuidadosamente as palavras - porque no fim de contas o que estava em causa eram atos de militância empenhada -, a direção do GOL, através do respetivo secretário-geral, emitiu em 7 de abril uma diretiva interna ("Prancha n.º 057-CO/19.20") dizendo saber que "muitas oficinas têm utilizado plataformas informáticas - skype, zoom, teams, etc... - para fortalecer os laços de fraternidade e de solidariedade nestes tempos de confinamento e ausência de sessões rituais".
Dito de outra forma: "Iniciativas que se aplaudem e que devem servir de incentivo a outras que ainda não encontram forma de fortalecer a egrégora" porque "neste momento que atravessamos, em que nos é imposto o distanciamento físico, importa que saibamos manter-nos unidos, próximos, em contacto e solidários".
"Contudo, e considerando que tais plataformas procedem à gravação de som e imagem de todas as sessões que nela decorrem - prática que não é aceitável entre os maçons do Grande Oriente Lusitano", deveriam "observar-se algumas regras de prudência e bom senso". E assim, "os encontros virtuais de obreiros de uma oficina devem manter-se estritamente no âmbito das relações fraternas e de amizade, não se devendo, em caso algum, seguir qualquer ritual, usar paramentos, referir cargos ou nomes simbólicos". Em conclusão: os maçons podem conversar uns com os outros online, até em modo de vídeo conferência. Mas de forma a que não pareçam maçons.
A atividade presencial interna do GOL foi suspensa por diretiva do grão-mestre em 6 de abril passado, suspendendo-se as eleições gerais que estavam já marcadas para 6 de junho, mas isso não impediu pelo menos dois membros da organização de se tornarem oficialmente candidatos à liderança.
O que está em causa é a sucessão do atual grão-mestre. Fernando Lima Valada, eleito líder da mais antiga obediência maçónica portuguesa pela primeira vez em 2011, foi reeleito em 2014 e depois outra vez em 2017 - uma liderança com uma duração sem precedentes na história do GOL. Quando já se especulava sobre se não tencionaria ser de novo candidato (não há limitações de mandatos), anunciou em fevereiro que está mesmo de saída.
Quem decidiu avançar, com duas candidaturas formais, foram os "irmãos" que já tinham anunciado uma pré disposição para isso: Daniel Madeira de Castro e Fernando Cabecinha, antigo número de Fernando Lima Valada quando este dirigiu a Galilei (ex Sociedade Lusa de Negócios, holding dona do BPN) e também, dentro do GOL, ex-presidente da Grande Dieta (o "parlamento" da organização).
Os candidatos escolheram datas simbólicas para fazer os respetivos anúncios, em cartas internas. Cabecinha avançou a 25 de Abril; e Daniel Madeira de Castro em 3 de maio, primeiro dia depois do fim do estado de emergência que, por decreto do Presidente da República, se tinha iniciado em 19 de março.
Na mensagem de Cabecinha não se propõe, para já, um programa "político" visando eventuais reformas internas no GOL. E a decisão de avançar deu-se porque, embora estando suspensas as "atividades habituais" da obediência, "não foi suspenso o dever do maçom em se comprometer consigo e com os outros, contribuindo para o aprofundamento da fraternidade, em qualquer circunstância, quer na atual, quer no desconfinamento que aí vem".
Além do mais, "em consciência não poderia ignorar" os "crescentes apoios e incentivos" que recebeu desde que anunciou a sua pré-candidatura. "O mundo mudou, o Mundo já tinha mudado! Indiscutivelmente, esta crise humanitária veio acelerar essa mudança, pelo que estes novos desafios requerem soluções novas", escreveu ainda
Seguindo-se a promessa: "Comprometo-me, também, em ser o rosto dessa mudança, em dar um novo impulso para a Fraternidade no seio do nosso GOL, convicto de que é necessário construir com base no que foi construído" e "apresentando uma equipa e um programa de ação que orgulhem os nossos pergaminhos, preparados para os desafios dos novos tempos, incrementando um exercício permanente de fraternidade, que promova pontes entre todos os iniciados, entre os ritos que praticamos, reforçando os elos com a Maçonaria Universal e com a sociedade profana".
Declarando-se candidato dias depois, em 3 de maio, Daniel Madeira de Castro - que já foi candidato à liderança em eleições anteriores, sendo sempre derrotado - explicou os propósitos citando a frase de Salgueiro Maia às suas tropas na noite de 24 de abril de 1974, quando se preparava para marchar em direção a Lisboa para depor o regime de Marcello Caetano.
"Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou! Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos. De maneira que quem quiser, vem comigo para Lisboa e acabamos com isto. Quem é voluntário sai e forma. Quem não quiser vir não é obrigado e fica aqui."
O tom escolhido por ambos indicia claramente, para já, uma diferença: enquanto Cabecinha se insere mais numa linha de continuidade, Madeira de Castro afirma-se como de rutura. Os dados estão lançados e resta saber se não irão surgir outros candidatos. A incerteza é grande - começando pela própria data das eleições.
[Notícia retificada às 15h30 de 14 de maio. Ao contrário do referido pelo DN, Fernando Cabecinha não é militante do PSD nem de nenhum partido.]