"Decisão do governo para bares e discotecas é absolutamente escandalosa"
Da reunião do Conselho de Ministros de hoje (30 de julho), saiu a temida decisão: "permanecem encerrados os bares, outros estabelecimentos de bebidas sem espetáculos e os estabelecimentos de bebidas com espaço de dança, mas passam a poder funcionar como cafés ou pastelarias, sem necessidade de alteração da respetiva classificação de atividade económica, se cumpridas as regras da DGS e os espaços destinados a dança permaneçam inutilizáveis para o efeito".
Liberto Mealha, proprietário da discoteca Kiss e vários bares em Albufeira e presidente da Associação de Bares e Discotecas do Algarve, que hoje de manhã dizia esperar que as notícias que saíram sobre o assunto fossem "fake news", diz ao DN que a solução do governo "não tem sentido" e é "absolutamente escandalosa".
"Nós, associações de bares e discotecas, com a AHRESP, já há mais de um mês que apresentámos ao secretário de Estado da Economia um guia de boas práticas e regras de funcionamento que até agora não teve resposta e das duas uma: ou esta decisão resulta de um profundo desconhecimento das atividades de bar e discoteca, que são atividades noturnas, ou é uma forma de acabar com o lay off simplificado, porque a partir do momento em que o estabelecimento deixa de ter a obrigatoriedade de estar fechado por ordem do governo, deixa de ter este apoio. Inclino-me para esta última hipótese.
Para o empresário da noite algarvia, transformar um bar ou uma discoteca num café ou pastelaria não faz sentido e fechar às 20h00 é completamente inviável. "O meu horário normal é abrir à meia-noite e fechar às sete da manhã. Não posso criar uma equipa de trabalho para fechar às 20h00. É desatroso".
De maneira que, para Liberto Mealha está fora de questão reabrir os seus espaços, como estará para muitos dos que representa, com consequências dramáticas na economia algarvia e no mercado de trabalho, diz o empresário.
"Nós aqui no Algarve temos um prejuízo acrescido, já estamos fechados desde março e a partir de setembro, o negócio cai a pique. Não se percebe o medo que o Governo tem dos bares e discotecas. Sempre fomos as ovelhas negras da economia, nunca olharam para isto como uma atividade a sério, mas isto é um negócio como outro qualquer, com peso na economia nacional e do qual dependem milhares de postos de trabalho. Não são só os barman e empregados de mesa, também são os DJ, os artistas, os técnicos de luz e de som, os seguranças, os fornecedores. Há aqui um emaranhado de gente que depende destas casas".
O que Mealha também não percebe é, tendo em conta a proposta apresentada pelo setor quanto a procedimentos e regras de segurança, que diferença faz uma discoteca ou um bar de um restaurante, pastelaria ou supermercado.
"Uma coisa lhe garanto, tanto o bar como a discoteca, tem condições de cumprir as orientações da Direção Geral de Saúde, a principal das quais o distanciamento. Temos porta de entrada por um lado e saída por outro, as pessoas entram e ficam sentadas, não há atendimento direto ao balcão, as mesas estão distanciadas, portanto um bar ou uma discoteca são tão seguros como um restaurante ou um café. E se estivessem abertos, não haveria tantas festas ilegais como as que estão a acontecer, sem nenhum controlo, um pouco por todo o país. Mas abrir portas assim não se justifica. Só seria rentável e se justificaria se os bares pudessem funcionar, como tal, até às duas da manhã e as discotecas até às quatro".
Com estes horários, diz o empresário, "conseguiríamos pagar as nossas despesas, os postos de trabalho eram salvaguardados e o Estado recebia os seus impostos, mas com horários inferiores a estes não vale a pena. E o que propusemos garantia a segurança, as pistas de dança estavam fechadas e ocupadas com mesas, distantes entre si, os clientes usariam máscara à entrada e sempre que saíssem da mesa, os funcionários usariam todos máscara... Não percebo. Para isto, mais valia não terem feito nada e deixarem estar os espaços fechados.
À TSF, esta manhã, ainda antes do comunicado do Conselho de Ministros, mas em comentário à notícia do Público, que adiantava que bares e discotecas abririam com o horário dos cafés e pastelarias, António Fonseca, da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto, mostrava-se incrédulo e dizia que não tinha qualquer sentido. Apelidando a medida de "o maior equívoco legislativo de que há memória", questionava "como é que um estabelecimento de bebidas, um bar, mesmo sem pista de dança fecha às 20h00 e um restaurante que também vende bebidas fecha às 23h00?".
José Gouveia, presidente da Associação de Discotecas de Lisboa, também questiona a decisão, perguntando se "o Estado de uma vez por todas quer aniquilar o setor".
Miguel Camões, presidente da Associação de Bares e Discotecas da Movida do Porto, apesar de não ver "qualquer sentido" em encerrar discotecas à uma da manhã, vê uma "luz ao fundo do túnel" com a possibilidade de aberturas dos bares até à meia-noite.
"Permitir admissões até à meia-noite e trabalhar até à uma é uma primeira luz que temos ao fundo do túnel e portanto, nesse sentido, vemos como algo positivo. Em relação às discotecas, nem tanto. Fazerem admissões à meia-noite para encerrarem à uma não faz sentido e mais uma vez vincamos que principalmente estas precisam de apoios muito musculados para ultrapassar esta crise", disse à Lusa Miguel Camões.
Os bares e discotecas, encerrados em Portugal desde março devido à pandemia de covid-19, vão poder funcionar a partir de sábado, 1 de agosto, como cafés e pastelarias, anunciou hoje o Governo, esclarecendo a ministra Mariana Vieira da Silva, em conferência de imprensa após a reunião semanal do Conselho de Ministros, em Lisboa, que estes estabelecimentos continuam encerrados, permitindo-se apenas que os que queiram funcionar como cafés e pastelarias o podem fazer "sem alterar a sua atividade" oficialmente, como estava a acontecer.
Os bares e discotecas que optem por esta possibilidade podem funcionar até às oito da noite na Área Metropolitana de Lisboa e até à uma da manhã (com limite de entrada à meia-noite) no resto do território continental, como a restauração.
Apesar do plano de desconfinamento chegar "tarde" e não atingir de forma positiva todo o setor, o presidente da Associação de Bares de Discotecas da Movida do Porto afirmou que o setor está satisfeito por após "cinco meses" o Governo ter "quebrado o silêncio" e ter tomado uma posição no contexto de pandemia.
"Numa primeira fase ficámos muito contentes por esta quebra de silêncio por parte do Governo. Há cinco meses que estávamos encerrados e não tínhamos qualquer tipo de notícia e, portanto, ficámos contentes por, finalmente, termos posições do Governo em relação ao nosso setor", diz Miguel Camões, que representa quase 30 bares e discotecas do Porto.
Não é esta, no entanto, a posição da maioria dos empresários da noite nacionais. Apoio a fundo perdido para as empresas que estiveram fechadas, "até a sua abertura em pleno", é o que, perante situação que atravessam e para a qual a solução do Governo não é solução, defendem como única saída.
A AHRESP, Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, que representa o setor a nível nacional, apresentou um Programa de Apoio às Empresas de Animação Noturna, muitas delas, segundo a organização, na iminência de declarar insolvência.