Neonazis são suspeitos de ligações a redes de tráfico de armas

Armas de fogo apreendidas a alguns dos 27 <em>hammerskins </em>acusados pelo MP tinham sido roubadas em residências e puseram a PJ na pista de ligações deste grupo a redes de tráfico nacional e internacional.
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As autoridades suspeitam que a maior parte das armas de fogo que foram apreendidas aos suspeitos neonazis dos Portugal Hammerskins (PHS) têm origem no mercado negro. Pelo menos duas armas de fogo apreendidas tinham sido roubadas das residências dos seus proprietários, colocando este grupo, acusado agora pelo Ministério Público (MP) por vários crimes de ódio e de homicídios, sob suspeita de ligações a redes de tráfico nacional e internacional de armas.

Foi o caso da pistola Walter calibre 22 apreendida a Jaime Helder na sua casa e do revólver Smith & Wesson Long calibre 32 encontrada na casa de Nuno Cláudio Cerejeira, ambas roubadas das casas dos seus proprietários em Lisboa, em 2012 e 2013.

Ambos são apontados como cabeças do núcleo duro destes neonazis e ambos estiveram entre os condenados pelo assassínio do cabo-verdiano Alcindo Monteiro, em 1995, no Bairro Alto. Cerejeira, sobrinho-neto do cardeal Cerejeira, aliado de Salazar, está acusado pelos crimes de discriminação racial, ofensas à integridade física qualificadas, incitação à violência e posse de arma proibida. Foi também condenado por participação em roubos e sequestros, num processo que tinha como principal arguido o antigo líder dos PHS, Mário Machado.

Segundo o MP, Nuno Cerejeira participou das brutais agressões contra um negro, em Loures, que levaram à acusação de outros seis arguidos. Enquanto a vítima estava a ser agredida Nuno Cerejeira "dirigindo-se aos restantes dizia: batam nesse preto! Não deixem esse preto fugir". Faz parte também de uma banda musical cujas canções incitam o ódio e apelam à morte de minorias étnicas.

Segundo o MP alega, Cerejeira e Jaime Helder pertencem aos hammerskins, a fação mais violenta dos skinheads neonazis, participando em encontros no estrangeiro com a organização, como foi em Itália e na Alemanha.

Superioridade da "raça" branca exaltada

O MP diz que todos os crimes de que são suspeitos, quer estes dois quer os restantes 25 arguidos, foram cometidos pelo facto de "pertencerem ao grupo PHS, filiando-se no mesmo, pagando a respetiva quota social e ou colaborando nas iniciativas por aquele desenvolvidas, bem sabendo que aquele exaltava a superioridade da "raça" branca face às demais raças e que inerente à tal supremacia, deveriam desenvolver ações violentas contra as minorias raciais, assim como contra todos aqueles que tivessem orientações sexuais e politicas diferentes das suas, o que quiseram".

Nas suas casas, alvo de buscas em 2016, foi encontrado um verdadeiro arsenal de armas de fogo, dezenas de armas brancas, bastões, soqueiras, boxers metálicos, estiletes e até petardos.

Alguns dos acusados pertencem a claques de futebol do FC Porto, SC Braga e do Sporting, o que vem confirmar o fenómeno, já referenciado há vários anos pelas autoridades, da infiltração destes elementos extremistas violentos no mundo do desporto.

O MP requereu o julgamento, perante tribunal coletivo, de 27 arguidos pela prática de crimes de discriminação racial, religiosa ou sexual, ofensa à integridade física qualificada, incitamento à violência, homicídio qualificado tentado, dano com violência, detenção de arma proibida, roubo, tráfico de estupefacientes e tráfico de armas.

O MP tinha inicialmente no processo 37 arguidos, conforme o DN noticiou, entre eles quatro (não cinco, como por lapso, escrevemos) que tinham sido condenados no caso de Alcindo Monteiro. Por entender que havia falta de provas em relação a dois deles, arquivou estes casos. Foram também deixados fora da acusação, pelos mesmos motivos, outros oito arguidos.

A acusação é o desfecho de uma investigação da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ), que levou à detenção em 2016 de cerca de duas dezenas destes skinheads - todos libertados pelo tribunal de instrução.

Em quase cinco anos de investigação, coordenada pelo procurador Óscar Ferreira, da 11.ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, não só as suspeitas se confirmaram como os crimes se agravaram, com a identificação de mais vítimas e de mais suspeitos.

É o segundo grande golpe das autoridades contra a extrema-direita violenta em Portugal, desde a última grande e inédita operação da PJ em 2007, também titulada pelo DIAP de Lisboa, com a procuradora Cândida Vilar, em que foram levados a julgamento 36 skinheads, incluindo o líder da altura do PHS, Mário Machado.

Comunista deixado à beira da morte

Entre os acusados está um guarda prisional, a quem várias testemunhas e a investigação judicial colocam no local de um dos crimes e o apontam como um dos autores do espancamento brutal que deixou um militante comunista à beira da morte e com sequelas neurológicas para o resto da vida.

Este guarda negou o seu envolvimento nestas agressões, alegando que a sua presença no local devia-se ao facto de ter tentado ajudar as vítimas - o que o inquérito conseguiu contrariar, até porque este guarda já foi identificado noutras situações relacionadas com grupos extremistas, incluindo em claques de futebol.

Entre as situações mais graves relatadas neste processo há duas tentativas de homicídio que tinham sido arquivadas, tendo a PJ pedido a sua reabertura para juntar a este processo. Umas das vítimas, um jovem negro, não quis testemunhar por temer represálias dos agressores - uma atitude comum a outras vítimas com que o MP e a PJ se foram deparando ao longo da investigação e que dificultou algumas identificações. Noutro caso que a PJ juntou a este processo tinha sido o próprio MP a arquivar, apesar de a suspeita recair sobre hammerskins.

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