Migrantes marroquinos "desesperados e assustados" em protesto

Seis dos migrantes marroquinos que chegaram ilegalmente em setembro estiveram em greve de fome, entre os quais uma grávida. Alegam não serem autorizados a falar com as famílias há mais de 40 dias

Os olhos tristes da fotografia olham para a câmara em jeito de apelo. Bocas tapadas com fita adesiva, em sinal de protesto contra o silêncio a que se sentem obrigados. Dois deles ostentam folhas de papel. Na da mulher está escrito "Volga fome. Maroco"; na do homem: "Quieremos drechos".

Os seis, aparentemente jovens, marroquinos pertencem ao grupo de 28 nacionais daquele país que desembarcaram ilegalmente na costa algarvia no passado dia 15 de setembro.

Com ordem de expulsão decretada pelo tribunal de Faro, ficaram, numa primeira fase, retidos no quartel do Exército de Tavira (onde ainda se encontram 22), a aguardar a execução dessa medida.

Foram, entretanto, transferidos para o centro de instalação temporária (CIT) do SEF, no Porto, e foi daí que, nesta semana, entraram em contacto com o deputado do BE João Vasconcelos, que tinham conhecido numa visita que este lhes tinha feito em Tavira.

Numa mensagem escrita em francês, a que o DN teve acesso, diziam que estavam sem comer há dois dias e que há mais de 40 que não falavam com os familiares. Pediam ajuda "o mais rapidamente possível".

Entretanto, já depois deste artigo publicado, o SEF contactou o DN e avança que "desde a tarde desta quarta-feira os migrantes já voltar a comer", terminando assim a greve de fome.

Surpreendidos com o impacto da mensagem e das fotografias, os deputados do BE entraram em campo de imediato e foi a deputada Sandra Cunha a fazer os primeiros contactos com os migrantes.

No relato que faz aos camaradas do partido, sobre a conversa, salienta que "são todos novinhos, 19, 21 e 23 anos". Segundo apurou, entre eles "há dois casais de namorados que fugiram da família que os ameaçava de morte por causa da relação", sendo que uma das raparigas está grávida de seis meses.

Explicaram a Sandra Cunha que "não comem porque estão em greve de fome e ao terceiro dia ainda ninguém tinha ido saber, ao menos, se a grávida estava bem".

Contaram ainda que só "houve um advogado que apareceu no início e nunca mais disse nada". Por ordem do tribunal, foram-lhes apreendidos os telemóveis e, segundo alegam, "não podem contactar mesmo com a família e amigos para dizer que estão vivos".

Falam essencialmente árabe e dizem que o intérprete que o SEF lhes facultou "não ajuda grande coisa e dá informações / traduções erradas".

Falam essencialmente árabe e dizem que o intérprete que o SEF lhes facultou "não ajuda grande coisa e dá informações / traduções erradas".

De acordo com a deputada Sandra Cunha, o migrante que lhe estava a ligar (que não pertence a este grupo, mas como fala francês fez o contacto) lhe mandou depois "uma mensagem de voz a dizer que enquanto fazia o telefonema teve um polícia colado a ele o tempo todo e que teme pela sua segurança". "Estão desesperados e assustados", assinala a deputada.

SEF nega falta de apoio

Questionado pelo DN sobre estes relatos, o SEF confirma que, "na manhã desta segunda-feira, o grupo informou que iria iniciar greve de fome por não ter acesso aos telemóveis pessoais - os quais estão apreendidos à ordem do respetivo processo judicial"

No entanto, nega ter proibido o acesso dos seis cidadãos marroquinos "a cuidados de saúde e a um advogado ou a contactar com familiares por telefone".

"Todos os cidadãos de nacionalidade marroquina têm vindo a ser avaliados e acompanhados pela ONG Médicos do Mundo - exceto duas cidadãs, uma delas grávida, por recusa das mesmas".

Fonte oficial deste serviço de segurança diz que "todos os cidadãos de nacionalidade marroquina têm vindo a ser avaliados e acompanhados, desde a data da sua entrada naquelas instalações, pela ONG Médicos do Mundo - exceto duas cidadãs, uma delas grávida, por recusa das mesmas".

O SEF garante ainda que entregou também "um cartão telefónico aos cidadãos marroquinos, para seu uso exclusivo numa cabina disponível todos os dias entre as 08.00 e as 22.00".

O mesmo porta-voz afirma que "o acesso a um representante legal foi-lhes disponibilizado na audição em tribunal e, depois, no decorrer da instrução do processo de afastamento coercivo".

O SEF acrescenta que "tem ainda disponibilizado um mediador cultural e um intérprete para garantir a comunicação dos cidadãos marroquinos em todos os atos formais e informais".

Soluções humanitárias

Perante esta posição, o BE insiste na necessidade de "procurar soluções" e "proteger os mais vulneráveis".

Depreendemos da resposta do SEF que há uma descoincidência entre o que o SEF diz e a perceção dos migrantes".

"Depreendemos da resposta do SEF que há uma descoincidência entre o que o SEF diz e a perceção dos migrantes. Eles sentem-se verdadeiramente desprotegidos. Estão desesperados e assustados e não está a ser respeitado o seu direito ao pedido de asilo", sublinha a deputada Beatriz Gomes Dias.

A deputada questiona se e como foi dado o apoio jurídico a estes migrantes. "Não conseguimos perceber se foram ou não bem informados de que poderiam pedir asilo e dos direitos que tinham", assevera.

Para Beatriz Gomes Dias "este paradigma da detenção de migrantes, colocando-os sob o estigma de que são pessoas perigosas e devem ser afastados da sociedade, deve ser revisto e encontradas soluções, na sociedade civil, mais humanitárias".

"Estes jovens estão numa situação de grande desespero e vulnerabilidade".

Assinala que "estes jovens estão numa situação de grande desespero e vulnerabilidade" e "devem ser informados e orientados sobre as opções que têm". Para a deputada, "é preciso abrir espaço a organizações que possam colaborar de forma independente neste apoio jurídico e até psicológico".

Beatriz Dias recorda que "a maioria das reclamações dos requerentes de asilo que chegam à Provedoria de Justiça é, precisamente, relativa a estas faltas de apoio".

Desde dezembro do ano passado, foram detidos pelas autoridades portuguesas 97 migrantes marroquinos. A maior parte já não se encontra no nosso país - apenas 39 estão em paradeiro conhecido, em cadeias, no quartel de Tavira e neste CIT.

Sobre o último grupo de 28, o SEF diz que está a decorrer o prazo de 60 dias em que podem permanecer retidos "enquanto aguardam a concretização de afastamento do território nacional por decisão judicial".

Neste sábado, recorde-se, a imprensa marroquina noticiou que uma embarcação com migrantes tinha naufragado na costa de El Jaddida, a cidade de partida dos migrantes que têm arriscado a viagem ilegal por via marítima em direção à costa algarvia.

Está ainda por esclarecer se o destino deste barco que naufragou - e que terá provocado vários mortos - também era Portugal. O SEF remete a resposta para as autoridades marroquinas. Por seu turno, contactada pelo DN, a Embaixada de Marrocos alega não ter informação sobre o caso.

Atualizado às 22h45 com a nova informação do SEF sobre o fim da greve de fome

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