Mais de 100 professores ajudam a estudar em casa: "Estamos a cumprir uma missão"

Ministério da Educação convidou seis agrupamentos de escolas e dois estabelecimentos particulares a participarem no projeto da telescola.
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"Tenho muitas saudades da minha escola e daquele barulho dos alunos quando abro a porta da sala", disse a professora Ângela no início da sua aula, transmitida esta terça-feira na RTP Memória, integrada no projeto #EstudoEmCasa, lançado devido ao encerramento das escolas na sequência da pandemia de covid-19. Ângela Morais é a única professora de música da telescola, o que significa que tem de dar aulas a todos os alunos do ensino básico, do 1º ao no 9º ano, dos 6 aos 14 anos. O desafio era enorme, confirma: "A minha grande preocupação era como falar com alunos com idades tão diferentes e mantê-los interessados".

Ângela Morais tem 41 anos e já é professora há mais de 20. Neste momento, dá aulas no Colégio Atlântico, uma das instituições de ensino que foi convidada pelo Ministério da Educação a participar neste projeto de ensino à distância durante o estado de emergência, para chegar aos 850 mil alunos do ensino básico.

No total, foram convidados seis agrupamentos de escolas e dois estabelecimentos privados, escolhidos por já terem alguma experiência nesta área ou por terem participado noutros projetos e, por isso, "darem algumas garantias" de conseguirem realizar este trabalho em tão pouco tempo, explica ao DN o Ministério da Educação. A escolha dos professores recaiu depois nos diretores de cada escola ou agrupamento.

No total, segundo o ministério, são mais de 100 os professores envolvidos (incluindo os tradutores de Língua Gestual Portuguesa) que são responsáveis por 650 blocos (aulas de 30 minutos) ao logo deste 3º período letivo.

O Agrupamento de Escolas de Alcanena, por exemplo, tem a seu cargo oito disciplinas dos 7º e 8º ano, num trabalho que envolve muito mais do que aqueles professores que vemos no ecrã: "Há aqueles que estão na linha da frente, que dão a cara, mas, ao todo, são 32 professores, organizados em várias equipas", explica ao DN Ana Cláudia Cohen, diretora do agrupamento.

"O senhor secretário de Estado ligou-me a dizer que tinha um desafio para nós e eu aceitei imediatamente. E os professores também aceitaram logo. Ao fim de duas horas já tinha as equipas escolhidas e começámos logo a trabalhar", conta a diretora do agrupamento de Alcanena. Claro que havia imensas dúvidas sobre como tudo isto ia funcionar e os professores também sabiam que corriam alguns riscos ao expor-se desta forma mas "o mais importante era fazer o que tinha de ser feito" pelos alunos. "Estamos a cumprir esta missão que nos foi confiada", justifica. "Estamos todos a trabalhar para dar resposta a uma necessidade urgente. O objetivo é chegar a todos os alunos, sobretudo àqueles que não têm acesso a outros meios tecnológicos. É muito importante manter a ligação da escola aos alunos e dar-lhes um rosto, dizer-lhes 'vocês estão em casa mas nós continuamos aqui'."

As aulas foram planeadas com a Direção Geral de Educação (DGE) - "numa grande complementaridade entre técnicos e professores, que estão habituados a estar no terreno" - mas depois os professores trabalharam em equipa para fazer pesquisas, criar materiais, inventar atividades "que possam ser mais divertidas para os alunos", explica Ana Cláudia Cohen.

"Uma das grandes dificuldades é que nós não conhecemos os nossos alunos, não sabemos quais são as suas dificuldades e particularidades", diz. "Temos de falar para todos." Por isso, é normal que alguns alunos tenham achado as aulas muito fáceis - mas seria pior se tivessem achado demasiado difíceis e não conseguissem acompanhar.

Além disso, as aulas na televisão não podem ser exatamente como as aulas presenciais porque, desde logo, não há possibilidade de interação. Também não se pode pedir aos alunos que façam trabalhos de grupo ou sequer de pesquisa. "Temos que nos lembrar que estes alunos para que estamos a falar não têm acesso à internet. A ausência de conectividade restringe muito o trabalho que se pode fazer, temos que ser mais criativos." De qualquer forma, diz, "os professores estão muito entusiasmados e estão a fazer o seu melhor".

O Ministério da Educação lembra, no entanto, que a telescola é apenas "um complemento" ao trabalho que continua a ser desenvolvido pelos professores das várias escolas e que vão manter o contacto com todos os alunos, seja através de meios tecnológicos ou do telefone. "Não basta emitir pela televisão, porque estes conteúdos não garantem aprendizagem por si só. Podem ser utilizados por todos, mas não são suficientes. São temas e propostas de trabalho, que só garantem aprendizagem se os alunos forem acompanhados e orientados", explica o secretário de Estado da Educação João Costa no site da iniciativa.

O desafio de dar uma aula de música sem alunos

"Ao princípio eu estava um bocadinho hesitante porque nunca tinha feito nada assim e é uma responsabilidade enorme", conta a professora Ângela Morais. Pediu ajuda ajuda a alguns colegas - um deles, Pedro Valada, que já tem experiência na escrita de canções infantis, escreveu a letra do tema "Lava bem as mãos" - e, seguindo as instruções da DGE, planeou os seus 15 minutos de aulas. As aulas de Educação Artística são sempre divididas em dois blocos, uma vez que além da música incluem artes visuais, dança e teatro.

Ângela Morais recorda que estava um pouco nervosa na gravação desta primeira aula. "A única coisa que me disseram é que teria de olhar para a câmara que tinha a luz vermelha. De resto, não tivemos qualquer formação. A roupa e a maquilhagem são da nossa responsabilidade e a gravação é feita num único take, sem cortes, como se fosse uma aula verdadeira, se nos enganarmos emendamos, se houver algum problema técnico tentamos resolver."

Mas o pior de tudo, diz, é não ter os alunos na sala. "As aulas de música têm sempre muita interatividade, só assim é que faz sentido. Os alunos são a minha matéria-prima. Ali sou só eu a falar", lamenta-se. Mas a professora tentou imaginar que, em sua casa, os alunos estariam todos a acompanhá-la, batendo com as mãos e cantando com ela ao ritmo da ópera Guilherme Tell, de Rossini. As mensagens que recebeu, depois da transmissão, de colegas e de pais que enviaram fotografias dos miúdos a cumprir as atividades, deixaram-na muito animada: "Acho que correu bem".

Gravadas as primeiras aulas e com as primeiras emissões já no ar, o balanço da experiência é claramente positivo, diz Ana Cláudia Cohen: "Havia alguns receios mas penso que as reações têm sido muito boas. Há sempre lapsos, claro. Os professores não são atores nem decoraram os guiões mas são muito profissionais, estão habituados a falar para um público que são os seus alunos e a colocar a voz para se fazerem ouvir numa sala com 30 miúdos."

Para além disso, a diretora lembra que estes professores continuam "a ter os seus alunos, as suas turmas, as suas direções de turma e continuam a ter as suas famílias. O que estes professores estão a fazer é um ato heróico."

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