Cientistas portugueses querem acesso aos dados do covid-19 para ajudar na luta contra a epidemia

Comunidade científica apela ao governo para lhe dar acesso os dados dos doentes e suspeitos de infeção pelo coronavírus em Portugal. O objetivo é estudá-los para otimizar a resposta à emergência de saúde que o país (e o mundo) enfrenta

Para os cientistas a questão é muito clara: com a epidemia a alastrar no país, como no resto da Europa e no mundo, não há tempo a perder. Daí o apelo, que já se tornou também numa petição, para que a comunidade científica possa ter "acesso imediato" aos dados dos doentes e suspeitos de covid-19. O objetivo, garantindo o respeito pela confidencialidade e anonimato dos doentes, é estudar esses dados, para ajudar a dar as respostas mais eficazes à pandemia.

"O que pretendemos é muito simples: é ter acesso aos dados para que a comunidade científica possa trabalhá-los", resume Nuno Sousa, médico, investigador e presidente da Escola de Medicina da Universidade do Minho, que é também um dos promotores do apelo ao governo.

"A comunidade científica em Portugal tem pessoas e tecnologia que podem ajudar a encontrar as respostas de que o país precisa para fazer face a esta situação aguda na saúde, mas precisamos da informação e com a maior brevidade possivel. Estamos a falar de horas e não de dias. Não há tempo a perder", sublinha Nuno Sousa.

Em causa está toda a informação dos registos clínicos, quem foi testado e porquê, sintomas dos diferentes doentes, amostras genéticas do vírus, regiões do país, cadeias de transmissão e mais tudo o que seja relevante para se poder extrair informação epidemiológica e outra.

Um exemplo? "Com base nessa informação detalhada", explica o presidente da Escola de Medicina da Universidade do Minho, "podemos usar tecnologias de processamento de linguagem natural para extrair novos algoritmos para peritagem e resposta à epidemia". Ou, "sabendo a localização das pessoas infetadas, com recurso a essas tecnologias conseguimos perceber melhor como as cadeias de contágio estão a ocorrer, e garantir o seu seguimento mais sistemático, ou podemos criar mecanismos para direcionar uma melhor resposta às pessoas e às usas dúvidas", explica Nuno Sousa.

Mas, para isso, é preciso ter acesso aos dados, para que eles possam ser trabalhados, e usados no combate à epidemia. "Podendo trabalhar os dados estaremos em condições de, dentro de poucos dias, juntarmos esforços no combate à pandemia", garante o médico e cientista da Universidade do Minho.

Os promotores da ideia, entre os quais se contam também Altamiro da Costa Pereira, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e coordenador do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS); Carlos Oliveira, do European Innovation Council e antigo secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação, ou ainda Ricardo João Cruz Correia, fundador do mestrado em Informática Médica da Universidade do Porto e membro do Gabinete de Resposta Digital ao COVID-19 da Secretaria de Estado para a Transição Digital, fizeram o apelo ao governo para a disponibilização dos dados à comunidade científica no início desta semana, a 16 março.

Esta quinta-feira foi, entretanto, criada uma petição online no mesmo sentido, que 24 horas depois já contava com cerca de duas mil assinaturas e este sábado está já perto das três mil.

"Isto está a ser feito em todo o mundo", lembra Nuno Sousa. "Ainda ontem saiu um artigo na Nature chamando a atenção para isto mesmo: para a necessidade dos dados serem disponibilizados à comunidade científica, para poderem ser estudados e para se poder encontrar as respostas certas para esta crise de saúde", sublinha.

De resto, quando a pandemia abrandar, ou se extinguir - ninguém sabe, na verdade, como as coisas vão passar-se - todos os dados serão preciosos para se poder avançar no conhecimento sobre o novo coronavírus e a infeção respiratória aguda que provoca. E desse conhecimento dependerão as respostas que a sociedade lhes dará. É também nisso que a comunidade científica aposta.

O que é expectável, explica Nuno Sousa, "é que a curva de novos doentes infetados no país continue a ser ascendente e que, algures a partir da segunda, terceira ou quarta semanas de abril, deixe de crescer".

Mas depois disso, sublinha o especialista, vai ser preciso " instalar um conjunto de medidas para que segundas e terceiras ondas da epidemia não nos atinjam de forma significativa". E isso só será possível com base em conhecimento científico robusto.

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