Ver Portugal de fora, um bom exercício
Há uma certa vantagem, neste momento, em viver em Bissau, em relação às supostas notícias e novidades portuguesas, que é, de facto, vê-las e lê-las com a distância, relativa, de um contexto diferente, muito mais difícil e distinto.
Há algo de dissenso na Madeira: ótimo, seguramente vai-se resolver, com a República a pagar a conta, como, aliás, é também justo.
Há dificuldades no INEM e houve uma greve, todo o mundo percebe, vergonhosa quando pôs em causa o acesso básico à emergência médica estrutural, e com a conivência e passividade de governantes, dirigentes da administração e afins. Neste caso, para mais na minha perceção agora da vida da África Ocidental, era muito claro o que haveria a fazer, mas, pronto, pode ser só voluntarismo e sentido de Justiça de um expatriado em África...
Marcelo Rebelo de Sousa, estranhamente, percebeu bem o que estava em causa e as consequências que se deviam seguir a este absurdo de contornos penais. Parece ter sido, estranhamente, repito, o único. Mas diz bem, também, dele e do seu papel atual as suas intervenções públicas, sucessivas, e a total inação seguinte.
A ironia de um Governo PSD a sentir-se totalmente liberto das palavras do seu anterior presidente, do partido, e, já agora, atual, da República.
A Oposição refém de dois sindicatos que não só criaram o pânico, como é possível que tenham matado pessoas, coisa que seria bom o Ministério Público investigar.
Bem, eu que fui autor material de diplomas de requisições civis, em Governos anteriores, de esquerda, de corpos profissionais que nada tinham que ver com socorrer pessoas a morrer, devo dizer que me surpreende este resultado.
Pode ser amadorismo, falta de perceção da realidade e do tempo, falta de liderança... Mas sim, é muito possível que as pessoas, nossos concidadãos, tenham morrido naquele dia porque ficaram doentes, eram idosos e, já agora, o serviço pelo qual pagaram uma vida inteira para aquele momento - para os levarem a um hospital - não existiu.
É que não perceber isto é não perceber quase nada da República e do serviço público e, sim, mais vale ir trabalhar de volta para uma uma seguradora ou assim - e rapidamente.
Na verdade, Marcelo pode ainda não ter percebido que já acabou. A sua influência, a sua palavra, a sua majestas: isso foi uma coisa concedida pelos Governos do PS, que, sujeitos às sondagens e às selfies sucessivas (e, já agora, aos sucessivos governantes ex-seus alunos em Direito em Lisboa), achavam fantástico ter um Presidente com quem era possível relacionar-se, de forma mais próxima e vocal, e para mais vindo das televisões, que o promoveram, criaram e o alimentaram - até, como sempre acontece, dele se alimentarem e, naturalmente, o afastarem, velho, cansado, quase ridículo.
É, neste momento, devo dizer, até injusto - e sou eu que o digo, eu que fui condenado publicamente por este mesmo presidente, num dado momento, nas televisões, esse tontinho palavroso na altura, que falou, demasiado, do que não sabia, e dizendo coisas absurdas e, já agora, até tecnicamente erradas. Mas é Presidente, há que respeitar.
Mas Portugal, desde que o Presidente se procurou salvar imolando o filho, não o perdoa. E o PSD percebeu isso muito bem, especialmente desde quando o Presidente resolveu descrever o primeiro-ministro, que empossou, com o desdém que sempre concedeu a quem não era do grupo...
Mas isto sou eu, que estou em Bissau, com um grupo de alunos fantástico, que fazem pela vida como não sabemos fazer e não precisamos de fazer em Portugal.