Transições
O apagão da passada 2.ª feira já foi analisado e parcialmente explicado por quem se considera de direito, embora dificilmente isso corresponda a qualquer acção com potencial preventivo de nova ocorrência. E isso acontece porque existe uma notória tendência das nossas elites político-ideológicas (com débeis ramificações intelectuais) para um entusiasmo desmesurado com tudo o que seja apresentado como um “novo paradigma” ou, de modo mais dinâmico, com “transições”.
Na área da Educação, por exemplo, a animada vozearia em torno da “transição digital” é proporcional à sua ineficaz implementação no terreno. E quem não alinhar ou apresentar alguns reparos, reservas ou recomendações do mais elementar bom senso é porque é incurável ludita.
No caso da “transição energética” é mais um daqueles voluntarismos nacionais que se apresenta como mais um dos desígnios modernistas que experimentamos desde o fontismo, para não recuar mais que a História também é matéria arcaica. O problema é que quando tal transição se cruza com outros fenómenos como a “globalização do mercado energético” e a crença no “mercado” e nas “economias de escala”, para não falar da profunda dependência das redes digitais para colocar tudo a funcionar, fica-se numa posição de enorme vulnerabilidade quando algo corre mal.
Já sei que de acordo com a “transição liberal” partilhada pela esmagadora parte dos decisores políticos nas últimas décadas, é credo firmado que só com a “abertura da economia”, decorrente da referida globalização, associada à “eficácia” da iniciativa privada é possível “criar riqueza”. Sem a Europa estaríamos muito pior, dizem os especialistas e até concordo, mas querem-me parecer duas coisas: a primeira, é que podemos estar melhor, mas estamos muito mais desiguais; a segunda, que podemos estar melhor, mas estamos muito mais vulneráveis a eventos exógenos que não conseguimos controlar, em especial quando a maioria das decisões são baseadas na maximização dos lucros privados.
O que se sabe sobre o apagão de 2.ª feira (e certamente muito do que não se saberá) é suficiente para entender até que ponto a lógica low cost tem riscos em sectores essenciais para o interesse público. E que existe uma interdependência dramática entre electricidade e redes digitais de comunicação que nos deixa a um passo do colapso.
O que se agrava com a crescente infantilização de grande parte da população perante situações inesperadas. Podia acreditar-se que as pessoas estão melhor informadas e capazes de gerir emoções e comportamentos, mas não há “simulacros” que consigam contrariar a tendência para o açambarcamento de papel higiénico. E tudo tende a piorar quando se consideram anacrónicos os avisos para que não se percam hábitos antigos, porque há conhecimentos e competências que não sabemos até que ponto não nos poderão ajudar a sobreviver com o avançar do século XXI.
Professor do Ensino Básico
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico