Orçamento em Dia de Bruxas
Hoje ao anoitecer, milhares de pequenas bruxas, vampiros e monstros andarão de casa em casa a gritar “Doçura ou Travessura”, na esperança de chegar ao fim da noite com um saco cheio de guloseimas.
Horas antes é votado, na generalidade, o Orçamento do Estado para 2025, o primeiro apresentado pelo Governo de Luís Montenegro. Por acaso, calha no Dia das Bruxas, mas as poucas doçuras não conseguem esconder as coisas bem piores que travessuras que este documento nos traz.
Depois de semanas de uma telenovela pública sobre pretensas negociações, sabemos que o Orçamento será aprovado na generalidade com os votos a favor apenas do PSD e do CDS e com a abstenção do PS, e que amanhã entraremos na fase de discussão na especialidade. O problema é que este Orçamento é, na verdade, um saco cheio de guloseimas para, quem já mais tem, e cheio de travessuras - umas conhecidas e outras que têm passado mais despercebidas.
A travessura da descida de IRC é uma das mais conhecidas, após ter sido tema central das negociações públicas entre PS e PSD. Chamo-lhe travessura porque sabemos que uma descida generalizada do IRC representa uma perda de receita fiscal grande e que beneficia, sobretudo, as grandes empresas sem que esse benefício se reflita necessariamente nos seus trabalhadores ou na economia. É uma travessura para o país e uma guloseima para as grandes empresas, como a Galp, que só nos primeiros 9 meses deste ano teve 890 milhões de lucro, mais 24% do que no mesmo período no ano passado.
Mas há outras travessuras escondidas neste Orçamento e que são especialmente graves para o país. Nesta altura em que o país se depara com tantos desafios, em que deveríamos estar a discutir e a preparar a transição para uma verdadeira economia do conhecimento e da descarbonização, não podemos descurar a Administração Pública.
Uma Administração Pública forte, motivada e com capacidade de inovação é essencial para que o país se consiga reinventar e para assegurar um Estado Social forte, que dê a rede de suporte que todos precisamos. Mas neste Orçamento o Governo volta a limitar as admissões na Função Pública às saídas, impedindo que sejam recrutados os profissionais de que tanto precisamos. Além disso, abre a porta para a mexida em direitos como férias ou o pagamento de baixas, no que pode ser mais uma desvalorização do trabalho em funções públicas.
São travessuras de muitos milhões de euros e de recuos em direitos que o Governo nos apresenta neste Orçamento do Estado. E mais do que travessuras, são verdadeiras rasteiras ao país e ao nosso futuro, e que nos metem um medo real.
Um bom Dia das Bruxas é aquele que termina com todas as crianças divertidas, a dividirem as guloseimas oferecidas pelos vizinhos e a discutirem de que se irão mascarar daí a um ano. Assim deveria ser um bom Orçamento do Estado: assegurar que a redistribuição é justa e a oferecer a possibilidade de imaginar um futuro melhor. Não é o caso do Orçamento votado hoje.