Migrações Reguladas e Seguras: Cuidar da Integração

Cuidar dos que cá chegam nos mesmos termos que exigimos que tratem os portugueses nos países de acolhimento.
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A primeira parte deste ensaio, publicada neste jornal, tratou de desmistificar algumas “ideias feitas” e aceites por boas sobre os fluxos migratórios. Hoje, procurarei dar um contributo para o que pode e dever ser feito para garantir o bom acolhimento e a integração, à luz do que, junto das autoridades internacionais temos defendido ao longo de décadas tendo em vista garantir o apoio e a proteção dos que, por razões económicas, políticas, sociais ou culturais deixaram o nosso País e procuraram noutras regiões a sua sorte.

À luz de várias estimativas feitas pela Organização das Nações Unidas (ONU), Portugal tem mais de 5 milhões de emigrantes e lusodescendentes em 178 países(i). Neste momento e após uma revisão efetuada pelo Observatório da Emigração, a partir de fontes tão diversas como sejam o Banco Mundial, o Bilateral Migration Matrix, entre outras fontes, teremos 1 milhão e 799 mil 179 portugueses emigrantes, 70 por cento em países da União Europeia(ii). A este número acrescem os lusodescendentes. No conjunto destas duas dimensões, estaremos a falar de números da ordem dos 5 milhões.

Em 2024, os portugueses emigrantes enviaram para Portugal perto de 4 mil milhões de euros em remessas. Se fosse possível contabilizar os valores de todos os investimentos diretos e indiretos que resulta da sua atividade no nosso País, a envergadura dos números mostraria que foram, são e continuarão a ser uma das mais importantes fontes de capitalização nacional. Além da sua função estratégica na Política Externa, está por estudar a sua influência para o desenvolvimento dos países de acolhimento. Por cá, sabemos que em 2023, o saldo líquido das contribuições dos imigrantes para a Segurança Social foi de 1500 milhões de euros. Seria muito útil conhecer o efeito das suas remessas e dos seus investimentos nos países de origem e como esse impacto se faz sentir no desenvolvimento global. É claro que se fosse possível avaliar as externalidades positivas da permuta cultural, social, económica entre os seres humanos que integram os diversos fluxos nos diferentes países, seria possível ter uma visão mais ampla das transformações civilizacionais verificadas e dos seus contributos para o progresso da Humanidade.

Além de fazer face ao desafio demográfico1, objetivo prioritário para as lideranças responsáveis na UE e em Portugal, vejamos, abaixo, os efeitos das contribuições para o sistema de proteção social:

Por força das funções de Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, exercidas entre 2015 e 2019, pude compreender melhor as necessidades sentidas pelos nossos conterrâneos no estrangeiro nos esforços realizados para a sua integração linguística, cultural, social e institucional. É uma das razões para que hoje tenha um entendimento mais profundo sobre as dificuldades que outros seres humanos, provenientes de diferentes origens linguísticas, culturais e sociais, que procuram a União Europeia e o nosso país em particular, enfrentam para se integrarem na nossa cultura e nas nossas estruturas económicas e sociais. No entanto, há sempre a referir que o desafio demográfico na Europa e em Portugal levará a que os movimentos humanos de sul para norte tenham tendência para se intensificar, tais são as dificuldades de vida e a precariedade sentidas no domínio social, ambiental, económico e político nas principais regiões e países de origem desses fluxos. É a partir da experiência que tive como secretário de Estado das Comunidades Portuguesas que aqui deixo algumas considerações gerais sobre o que de mais importante pode e deve ser feito por aqueles que hoje nos procuram(iii). Falo sobretudo dos cidadãos migrantes, dado que, entre estudantes internacionais, investidores e turistas provenientes de várias paragens são vários milhões anualmente. Em 2023, foram 26.5 milhões de turistas que visitaram o nosso País e que deram vida à nossa economia e à nossa sociedade. Por vezes, tendo a admitir que, quando se fala de excesso de migrantes, estará também na base dessa “representação mental” esses fluxos de turistas, estudantes e investidores provenientes de todas as regiões de mundo. Falemos, por agora, nos imigrantes.

a) Em relação a estes e no que à integração diz respeito, a primeira prioridade deve estar em garantir que a partida dos migrantes assente numa atitude e decisão informada e refletida. Nomeadamente, sobre as condições de vida, as estruturas culturais, sociais, económicas e institucionais do país de destino. Esse é um trabalho para ser realizado pelas nossas embaixadas e consulados nos países de origem e, em cooperação entre ministérios dos Negócios Estrangeiros, junto das Embaixadas e Consulados acreditados aqui em Portugal.

Idealmente, a saída deve ocorrer após consulta prévia aos serviços consulares e diplomáticos do país de destino acreditados no país de origem. Ora, este passo, muito importante, terá muita utilidade no caso desses serviços terem capacidade de atendimento e adidos com competências técnicas transversais à administração pública portuguesa, de modo a poderem aconselhar os potenciais migrantes sobre as oportunidades e os limites da sociedade, da economia e das estruturas institucionais do país de acolhimento. Depois desse diálogo, haverá lugar à atribuição do visto adequado aos efeitos da migração: estudo, investigação, investimento, trabalho por conta própria, trabalho por conta de outrem, turismo, entre outras possibilidades. Este diálogo interinstitucional pode permitir o estabelecimento de acordos de formação profissional e de mobilidade laboral com os países de origem da mão-de-obra necessária ao tecido empresarial nacional. Este modelo estava já estabelecido e em fase de implementação com Marrocos e Cabo Verde. Há que realizar as experiências-piloto e avançar.

b) chegados a Portugal, deveria existir uma tipologia de serviço multinível em termos da administração pública e na relação com as estruturas da sociedade civil, mas, também, multidimensional em termos de envolvimento interministerial e entre setores de atividade. A AIMA deverá ter canais diretos e eficazes com diferentes níveis da administração pública nacional, regional e local, mas, também, com as estruturas públicas e privadas associadas às instituições de investigação e ensino superior tendo em vista estabelecer, desenvolver e consolidar uma rede cultural e social capaz de apoiar e de promover o acolhimento e a integração dos imigrantes. Os milhares de jovens estudantes e investigadores internacionais poderiam ser valorizados nesta rede de responsabilidade comum, assim como as associações de cariz empresarial. Estas, podem e devem ter um papel cimeiro na identificação das necessidades do tecido produtivo, no planeamento das estratégias de formação, qualificação e reconversão profissional e no apoio à sua implementação e monitorização de resultados.

c) a oferta do ensino da língua portuguesa aos cidadãos migrantes é uma das principais necessidades. Em modalidades muito diversificadas. Presencial e com recurso à via digital. Flexível em termos de horários. Com cursos longos e mais curtos. A língua é a primeira porta de entrada na cultura. A entrada na cultura deve fazer-se com o envolvimento na vida associativa local. Estimulando o diálogo intercultural e valorizando as presenças institucionais das autoridades nacionais e locais nas manifestações culturais dessas comunidades. Para que o respeito pela diversidade permita o diálogo, o entendimento e a integração consentida pelas múltiplas sensibilidades e vontades.

d) a par desse esforço, o acesso dos mais jovens às instituições de ensino pré-escolar, básico, secundário e superior, bem como a garantia da intermediação cultural é muito relevante, uma vez que são as crianças, os adolescentes e os jovens os que mais contribuem para a alteração comportamental dos mais velhos.

e) o acesso à saúde, às políticas de habitação, de transportes e mobilidade, à cultura, ao desporto, ao recreio, ao lazer e à proteção social é outro fator crucial para o bom acolhimento e, sobretudo, para a criação de um sentimento de pertença à comunidade nacional

f) o acesso ao emprego digno, com contratos de trabalho assentes no respeito pela vontade, com o acompanhamento e a supervisão da ACT, tendo em vista evitar a exploração de mão-de-obra migrante e o abuso de poder por parte das entidades empregadoras é outro elemento essencial na segurança, no bem-estar e na autoconfiança de quem está a reiniciar uma nova vida.

g) a realização da cidadania. A participação política. Durante o meu percurso nas Comunidades Portuguesas pude observar que, quanto maior é a participação cívica dos portugueses na vida associativa e política dos países de acolhimento melhor é a sua relação com as instituições e os representantes das respetivas comunidades. Foi a razão por que estabelecemos vários acordos com municípios estrangeiros tendo em vista proporcionar aos portugueses nessas comunidades o acesso e o usufruto dos espaços públicos, promovendo uma cultura cívica de participação na vida política das sociedades de acolhimento, como aconteceu, por exemplo, com os municípios de Pontaul-Combault, Cenon, Soufflenheim e Metz, em França; com Osnabrück e Cuxhaven, na Alemanha; com Londres e Wrexham (País de Gales), no Reino Unido; e com Melbourne e Inner West/Sydney, na Austrália(iv).

A experiência diz-me que é necessário estabelecer uma relação de confiança e de cooperação com as representações diplomáticas estabelecidas no nosso País representativas das comunidades com origens no estrangeiro e com elas estabelecer uma metodologia de trabalho tendo em vista garantir fluxos migratórios regulados na origem, no trânsito e, posteriormente, nas condições de acolhimento e integração. Desejavelmente, procurando estabelecer acordos de mobilidade para efeitos de estudo, investigação, investimento e laborais. Se necessário, estabelecendo também acordos de cooperação entre as entidades representativas dos setores empregadores e as entidades de formação e qualificação profissionais. Numa fase posterior, esse trabalho deve ser levado até às nossas representações consulares e diplomáticas nos países de origem desses fluxos humanos, tendo em vista trabalhar com as autoridades locais esse enquadramento institucional.

(1) Importa lembrar que a Europa representou cerca de 20% da população mundial até 1950 e, nas estimativas efetuadas pela União Europeia, a Europa poderá representar entre 5 a 7% da população mundial até 2050.

(i) À luz dos dados disponibilizados pela Direção Geral dos Assuntos Consulares (DGACCP), Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), à data de novembro de 2017, estima-se que haja portugueses e/ou lusodescendentes em 178 países. Em 2017, Portugal dispunha de uma rede consular composta por 115 postos de carreira, em todos os continentes, complementada por 235 consulados honorários. Em conjunto asseguravam a presença em 148 países. O que significa haver uma parte muito expressiva de comunidades e territórios sem a presença consular ou diplomática do Estado português. Ver mais detalhadamente em Silva, Augusto Santos, Argumentos Necessários: Contributos para a Política Europeia e Externa de Portugal (2018), Lisboa: Tinta da China/Instituto Diplomático, p. 144;

(ii) www.observatorioemigracao.pt, E. 1 “Estimativas do número total de emigrantes portugueses, 1960-2024”, consultado a 17.02.25, 14:03 Hm;

(iii) Quando, na minha primeira visita como titular da pasta das Comunidades, em janeiro de 2016, pude visitar o Museu das Migrações em Paris, fiquei surpreendido com os números relativos aos fluxos de emigrantes portugueses para França. Entre 1955 e 1975, o número de emigrantes portugueses em França passou de 25 mil para 750 mil. Ver os retratos das condições em que esses portugueses viveram ajudará a compreender melhor o empreendimento realizado por esses extraordinários seres humanos e, por outro lado, ajuda a desenvolver uma cultura de compreensão dos que, sem conhecer a língua, a cultura, as estruturas económicas e institucionais, vivem num “limbo” cultural e institucional que exige elevados padrões de humanismo para edificar as condições normativas posteriormente feitas em “direitos reais” por parte das sociedades de acolhimento. Ver o trabalho fotográfico de Gérard Bloncourt, O Olhar de Compromisso com os filhos dos Grandes Descobridores (1954-1974)” (2015), Amarante: CONVERSO Editora;

(iv) Carneiro, José Luís, Valorizar os Portugueses no Mundo. Por uma Visão Estratégica Partilhada 201572019 (2019), Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, pp. 61-63.

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