Desmistificar
Durante a pandemia e após a pandemia, circularam nas redes sociais várias imagens em vídeo sobre os imigrantes, em clara violação de direitos fundamentais, contendo uma mensagem tendente a criar uma perceção pública negativa sobre os imigrantes. Esses vídeos mostravam conversas com cidadãos vindos do Indostão. No tom da “teoria da substituição” e com imagens do Martim Moniz, de Odemira e de outras localidades. Mensagens que terão contribuído para que uma parte da opinião pública tenha desenvolvido a ideia de que há fluxos irregulares de imigrantes que entram no nosso país sem qualquer tipo de controlo. Como se pode ver na imagem seguinte, cuja fonte é a Frontex, os fluxos de entradas irregulares na fronteira Schengen entram sobretudo pelo Mediterrâneo central, oriental, pelo leste da Europa e pelos Balcãs. Em 2023, a Frontex estimou em 380 mil as entradas irregulares. Mas, com entradas regulares, em regra com vistos temporários com duração de 90 dias, de acordo com dados do Eurostat relativos a 2022, estaremos a falar de mais de 7 milhões. Estes migrantes circulam legal e livremente por todo o Espaço Schengen.
Como se sabe, Portugal aderiu ao Espaço Schengen a 25 de junho de 1995 e as regras foram implementadas a partir de 26 de março de 1995. Ou seja, a partir desse momento as fronteiras nacionais passaram a ser as fronteiras do Espaço Schengen. Do Atlântico, passando pelo Mediterrâneo, até aos Balcãs. Felizmente, hoje, a fronteira comum externa da União Europeia tem condições de regulação e controlo muito superiores às que possuía antes da crise migratória de 2015. Quer nos recursos humanos. Quer nos meios tecnológicos. E o mesmo é evidente em Portugal, após a reforma da nossa arquitetura de segurança interna (ver imagem infra). E, em março de 2023, entrou em funcionamento um novo modelo de regulação da fronteira (projeto Smart Borders, em que se inclui o Sistema de Entrada e Saída [SES] e o Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagem [ETIAS], que visam reforçar a Segurança Interna e a gestão dos fluxos migratórios na UE), com maior capacidade de despistagem de indícios criminais, estando em curso as mudanças tecnológicas que permitirão a interoperabilidade entre todos os serviços policiais na fronteira comum europeia.
Esta representação gráfica mostra como as fronteiras aéreas, marítimas e terrestres foram reforçadas em termos de recursos humanos. Num modelo de cooperação reforçada e partilhada. Muitos destes elementos integrarão a Polícia Judiciária, reforçando o combate ao tráfico de seres humanos e o auxílio à imigração ilegal.
A origem da Manifestação de Interesse está na alteração à Lei de Estrangeiros na Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, aprovada no Parlamento com os votos favoráveis do PS/PSD/CDS, nomeadamente na introdução do número 2 do artigo 88.º, alíneas a), b) e c). Por proposta do diretor Nacional do SEF ou por iniciativa do ministro da Administração Interna, poderia ser dispensado o requisito previsto na alínea a), no n.º 1 do artigo 77.º, desde que o cidadão estrangeiro, além das demais condições gerais previstas nessa disposição, preenchesse três requisitos:
a) Possuir contrato de trabalho ou uma relação laboral comprovada por sindicato, por associação com assento no Conselho Consultivo ou pela Inspeção-Geral do Trabalho;
b) Ter entrado legalmente em território nacional e aqui se tenha mantido legalmente;
c) Estar inscrito e ter a sua situação regularizada perante a Segurança Social (Secção II , Autorização de Residência para Exercício de Atividade Profissional, Art.º 88, n. 2, alíneas a), b) e c).
Em função do crescimento da economia, das necessidades de mão-de-obra e da limitada capacidade de resposta dos serviços consulares e diplomáticos por escassez de recursos humanos, em 2017, o legislador decidiu alargar o âmbito de aplicação desta exceção, embora mantendo um conjunto de requisitos, de cumprimento obrigatório:
a) Passaporte válido;
b) Comprovativo da entrada legal – através de visto que se encontrava válido no momento da entrada em Portugal ou de 12 meses de contribuição para a Segurança Social;
c) Cópia de promessa de contrato de trabalho ou declaração sob compromisso de honra da entidade patronal atestando o vínculo laboral;
d) Registo criminal do país de nacionalidade ou de onde residia há mais de um na, devidamente autenticado;
e) Declaração da residência;
f) Comprovativo de inscrição na administração fiscal;
g) Comprovativo de inscrição na Segurança Social (aima.gov.pt, consultado a 30.01.25).
a) Quando se deu a transição do SEF para a AIMA, em outubro de 2023, no ponto de situação feito pelo SEF sobre as pendências era possível ver que a grande maioria vinha do tempo da pandemia, dada a impossibilidade do contacto presencial e a recolha dos dados biométricos. De acordo com esses dados, cerca de metade dos pedidos de audiência tinham origem em cidadãos oriundos da CPLP. Estes teriam uma solução própria à luz dos vistos CPLP. Sobre a prioridade que vinha sendo dada às pendências, há a referir a solução dos mais de 30 mil britânicos e suas famílias – com muitos elementos vindos de países terceiros – que, com o Brexit, ficaram em situação irregular; a retoma do projeto o “SEF vai à Escola” para tratar das crianças indocumentadas; a promoção do reagrupamento familiar e a promoção de uma solução equivalente à dos cidadãos britânicos, com vários pontos de atendimento no país, e, em cooperação com vários ministérios e a autarquia de Lisboa, criar um grande centro de atendimento, com a previsão de criação de 50 centros onde estivesse o SEF, a Saúde, o Emprego, a Segurança Social, a Agência para a Modernização Administrativa (AMA) e o Instituto dos Registos e Notariado (IRN/Justiça).
b) O que é estranho é que se assumiu o número de 400 mil Manifestações de Interesse no início de 2024. O mesmo número continuou a ser afirmado em setembro de 2024 por altura da apresentação do Plano de Ação para as Migrações e, em fevereiro de 2025, continua a falar-se do mesmo número. De que realidade estamos a falar? – De processos relativos às Manifestações de Interesse? Desses, quantos têm origem nos países da CPLP e se encontram abrangidos pela atribuição automática do Título Provisório de Residência? Desses, quantos não apresentaram todos os documentos necessários para a instrução do processo? Desses, quantos pedidos de Renovação de Autorização de Residência? Desses, quantos são pedidos de Reagrupamento Familiar?
Seria de provar, com dados certificados pelas entidades oficiais que participaram e participam na emissão desses documentos, o número de processos, as tipologias e a natureza dos mesmos. O número de processos que havia à data da entrada em funções do Governo e o número de processos que há hoje.
O esclarecimento de todas estas questões é essencial ao tratamento rigoroso, sereno, fundamentado, de um tema atualmente sensível em todas as sociedades europeias. Por razões que têm a ver com a confiança nas instituições democráticas e com os valores do humanismo inscritos na Constituição da República.
Como provam os estudos científicos, o ‘efeito chamada’ está no crescimento da economia. No entanto, há aspetos que podem e devem ser melhorados: no que respeita ao rigor relativo ao contrato-promessa e contrato de trabalho e à sua fiscalização por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho; no que respeita aos termos em que atesta a residência e devida fiscalização por parte dos serviços de fiscalização municipais, considerando que é ao município que compete conceder a licença de habitabilidade ou de utilização e à partilha de informação e à cooperação entre as diversas autoridades que podem e devem contribuir para regular a vida em sociedade. Se cada parte cumprir os seus deveres, será mais fácil criar as condições para o acolhimento e a integração.
Sobre o tema sensível das migrações há que reafirmar os princípios e orientações que o país assumiu no âmbito do Pacto para as Migrações no quadro da ONU e no âmbito da União Europeia. Migrações reguladas e seguras na origem, no trânsito e no destino. Aqui, há que trabalhar nas políticas de integração. O que dará para outro texto.