Os defensores e os detractores do reconhecimento da Palestina como Estado apenas estão de acordo quanto à natureza simbólica do acto. É um bom princípio de conversa: reconheçamos que nenhum dos problemas enquistados no espaço e no tempo se resolverá, além de ser muitíssimo discutível que se consiga qualquer alteração benigna na dinâmica do conflito.Estamos, pois, no campo do simbolismo. Em bom rigor, olhando para os primeiros países europeus dispostos a alterar a sua postura em relação ao Médio Oriente, como França, o Reino Unido e Espanha, estaremos até no âmbito da política performativa, que apenas desvia as atenções de problemas internos e cuja validade se esgota na exibição pública de virtudes.Há, no entanto, uma estratégia política assumida. O primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, já submetido a crescente isolamento internacional, comover-se-á ao perder aliados de longa data, até agora indefectíveis. Paris, Londres e Madrid arregimentarão o apoio de outras capitais, o que se traduzirá em pressão acrescida - e insuportável, espera-se - sobre Telavive.A boa vontade desta abordagem é evidente. O pensamento mágico que lhe está implícito também: 147 dos 193 Estados-membros da ONU já reconhecem o Estado da Palestina, facto que, na prática, nunca fez grande diferença.Sendo certo que França, o Reino Unido e Espanha gozam de uma reputação e peso internacionais que comparam bem com a Líbia, a Mauritânia ou a Somália, três países que reconhecem a Palestina desde 1988, convém não exagerar a gravitas europeia - que o recente acordo de tarifas celebrado entre Von der Leyen e Donald Trump sirva de advertência.Acresce que hoje, como no passado, só Washington tem poder real para comover o Executivo israelita. E hoje, pior do que no passado, Washington parece ser inamovível, por muito dramáticas e revoltantes que sejam as condições em Gaza.A estratégia sofre ainda de alguma miopia. Se, no futuro, Israel e a Palestina decidirem negociar o estatuto dos seus países, seja a solução dos dois Estados ou outra qualquer que abra caminho a uma paz duradoura, o reconhecimento do Estado palestino já não será um instrumento diplomático disponível para dirimir eventuais bloqueios. Dito de outra maneira, ao reconhecer a Palestina agora, sem que daí resulte qualquer ganho tangível, a Europa desperdiçará uma das armas mais potentes do seu arsenal diplomático.Apesar destes e outros problemas, Portugal juntou-se ao grupo que pressiona Israel. Impôs, contudo, seis condições prévias, em grande medida comuns aos demais países que agora se prestam ao reconhecimento.Primeiro, a condenação dos actos terroristas do Hamas e o desarmamento desta organização terrorista. Segundo, a libertação incondicional e imediata de reféns e prisioneiros. Terceiro, o compromisso com uma reforma institucional interna e a marcação de eleições. Quarto, a aceitação do princípio de um Estado palestiniano desmilitarizado, cuja segurança externa seja garantida por forças internacionais. Quinto, retomar a administração e o controlo total da Faixa de Gaza, com saída do Hamas. Por último, o reconhecimento do Estado de Israel e das necessárias garantias de segurança.Caso haja um módico de rigor na obediência a estes critérios, são duas as hipóteses possíveis. A primeira, mais provável, é o não reconhecimento da Palestina.A segunda, mais desejável, é o ambicionado reconhecimento. Mas para que tal aconteça o Hamas tem de desaparecer, pelo menos na sua forma actual, sob pena de ser impossível cumprir os pontos primeiro, quarto e quinto.Logo, o reconhecimento da Palestina implicará outro, bastante mais espinhoso: reconhecer que Netanyahu desempenhou um papel fundamental no enfraquecimento do Hamas. Politólogo.EScreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.