Saio da ponte Vasco da Gama e entro na 2.ª circular, no sentido de Benfica, atento aos tradicionais outdoors que, em altura de campanha eleitoral, disputam a atenção dos condutores numa das estradas mais movimentadas da capital. Conto mais de uma dúzia. O primeiro, da CDU, a única força de esquerda que ficou de fora da coligação liderada por Alexandra Leitão (PS, Livre, BE e PAN), mais não tem para apresentar do que uma ideia vaga, concretizada na frase: “Cidade da nossa vida”. “Defender Lisboa” é a garantia do Chega, o campeão dos outdoors na 2.ª circular – quatro, todos iguais, com a mesma frase e os rostos do candidato Bruno Mascarenhas e do líder do partido (a presença de André Ventura ao lado dos candidatos locais é, aliás, um clássico por todo o país). Mas há mais: “Em Lisboa nada nos vai escapar”, diz o ADN, que escolheu a cantora Adelaide Ferreira para cabeça de lista; “Resgatar Lisboa” (não se sabe bem do quê), promete a Nova Direita; “Estação de Metro ou sala de espera?”, questiona o Volt, acrescentando que “Lisboa também pode ter metro a cada três minutos; e “Viver Lisboa”, o pedido/repto (?) que deu nome à coligação de esquerda que tenta impedir a reeleição de Carlos Moedas. Estrada fora, há ainda resquícios das legislativas, outdoors esquecidos da AD, PAN ou Livre. E sabe o que é que une estes cartazes, com uma única e honrosa exceção (já lá iremos)? Todos eles dão destaque enorme à cara dos candidatos, como se o rosto fosse o fator decisivo no voto, sendo que muitos dos protagonistas têm presença assídua no espaço mediático (ou seja, já toda a gente sabe quem são) e outros são perfeitos desconhecidos e não será, certamente, um olhar de relance, enquanto se conduz na frenética 2.ª circular, que vai gravar aquele rosto na memória do potencial eleitor. Perante esta falta de criatividade, só posso imaginar que Pacheco Pereira, o mentor do extraordinário projeto Ephemera, detentor do maior acervo histórico de material de campanha política em Portugal, abra as portas da sua biblioteca com especial prazer sempre que lhe são entregues cartazes da Iniciativa Liberal, a tal exceção à regra, que já habituou o país a alguma inovação na propaganda política, como também é possível constatar na 2.ª circular através de um outdoor que exibe um enorme espelho retrovisor e a mensagem “Olhar o País de Frente”. A falta de imaginação dos partidos não só faz com que todos pareçam iguais como levanta questões sobre a mais valia de enterrarem dinheiro em cartazes tão vazios de ideia.A verdade é que nem sempre foi assim. No Centro Cultural de Belém temos a prova disso, na exposição “Cartazes sem Censura”. A mostra permite recuar 50 anos no calendário, até ao verão quente do pós revolução de Abril, e ver dezenas de cartazes que coloriam as ruas daquela Lisboa de 1975, então a fervilhar politicamente. Tudo graças a Manuel Maltez, na altura um rapaz de 16 anos e autoproclamado anarquista, que arrancou das paredes dezenas de cartazes e os conservou até hoje. Tem apenas mais uns dias para visitar a exposição, até este domingo, 28 de setembro. Vale cada cêntimo do custo de entrada, mesmo que, no final, a sensação que fique é o quanto os partidos recuaram na criatividade, tornando-se cinzentos e incapazes de atrair mais jovens para a atividade política. Um desafio que, hoje, todos enfrentam. Não tem resposta fácil, mas merece atenção para assegurar, no futuro, a vitalidade e dinamismo da democracia. Editor Executivo do Diário de Notícias.“Vai para a tua terra”.Do ‘boom’ no pré-escolar aos ‘shows’ de Alcoutim. 308 retratos para entender Portugal.A limpeza do Montijo começa pela memória