Cinco anos depois, Xi Jinping voltou à Europa. O pretexto até era animador: nos próximos meses, China e União Europeia celebram 50 anos de relações bilaterais..Um mundo de novidades aconteceu desde 2019 - e mudou, não sabemos ainda se em definitivo ou apenas parcialmente, o espírito da potência ascendente..A pandemia afetou a China ainda mais do que a Europa e, sobretudo, os EUA. Nos últimos anos, Pequim teve crescimento económico muito abaixo do que precisa para manter o seu plano de ultrapassagem da potência incumbente. Algo terá de voltar a mudar para a estratégia assertiva do secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC) continue a mesma..Em 2019, um dos países escolhidos por Xi Jinping para a sua última viagem europeia pré-pandemia foi a Itália. Na altura, Roma alinhava, sem hesitações, na exultante Nova Rota da Seda desenhada pelo líder chinês mais poderoso desde Mao..Neste perigoso ano de 2024, já não é o caso..A Itália, único país do G7 que havia aderido ao ambicioso plano de expansionismo económico do secretário-geral do PCC, saiu da Nova Rota da Seda em dezembro do ano passado, três meses depois de a primeira-ministra italiana, Georgia Meloni, ter informado o seu homólogo chinês, Li Keqiang, da sua decisão de abandonar o acordo durante a cimeira do G20, realizada em Nova Deli..A saída italiana do projeto de Xi correspondeu ao desaparecimento de Roma da rota de capitais europeias escolhidas pelo líder chinês no seu périplo europeu de 2024..França manteve-se nas escolhas do presidente da China e isso teve, certamente, a ver com a conversa trilateral realizada em abril do ano passado em Pequim entre Xi, Macron e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen..Sérvia e Hungria e Orbán: a Europa de Xi.Mas as duas escolhas que mais saltam à vista sobre o atual posicionamento europeu de Xi são a Sérvia e a Hungria, dois dos países mais “pró-russos” da Europa..Belgrado está na fila para entrar na UE e tem dado sinais contraditórios sobre a invasão russa da Ucrânia. A presença de Xi na capital sérvia aquando dos 25 anos do bombardeamento, por parte da NATO, da embaixada chinesa na então Jugoslávia, ocorrido a 7 de maio de 1999, diz quase tudo sobre os sinais que Xi quer transmitir: crítica aos EUA, crítica à NATO. Esse ataque de 7 de maio de 1999 matou três chineses. Na altura, os EUA pediram desculpa e disseram que se tratou de um erro. O episódio ajudou a aproximar a China da Sérvia. Pequim é atualmente o segundo parceiro comercial mais importante do país dos Balcãs, depois da UE..Ainda mais esclarecedora foi a escolha da Hungria de Orbán. Mostra, para quem quiser ver, de que lado verdadeiramente Xi está: em vez de estar do lado da UE de Bruxelas, avaliza - e até promove - o grande bully pró-russo do nosso seio, que além de ignorar os avisos anti-Huawei de Washington e da Europa, é um violador claro das sanções à Rússia e abraça, impante, acordos com a Rosatom (companhia estatal de energia nuclear russa)..Xi pede a Macron que não use a Ucrânia para manchar a imagem da China.Ao contrário do que fez Blinken - que em pleno solo chinês acusou, olhos nos olhos, Xi e Wang Yi de estarem a contribuir decisivamente para a continuação da agressão russa na Ucrânia, pelo fornecimento chinês de material de duplo uso (civil, mas também militar) a Moscovo - Macron recebeu Xi em Paris pedindo ajuda ao presidente da China para que a Rússia termine a agressão na Ucrânia, mas sem acusar Pequim de ser aliado de Putin na guerra..Xi Jinping pediu a Macron para não usar a questão da Ucrânia para manchar a imagem da China. Garantiu que Pequim sempre trabalhou “vigorosamente” para facilitar as negociações de paz..A presidente da Comissão Europeia disse estar “confiante” de que a China continuará a moderar as ameaças nucleares russas no contexto da guerra na Ucrânia. “O presidente Xi desempenhou um papel importante na redução das ameaças nucleares irresponsáveis da Rússia e estou confiante de que continuará a fazê-lo.”.Tensão económica.Xi pediu a Macron e Von der Leyen para que reforcem a sua “coordenação estratégica” e permaneçam “parceiros”. “Como duas grandes potências mundiais, a China e a UE vão continuar o diálogo e a cooperação, aprofundar a comunicação estratégica, aumentar a confiança mútua estratégica e consolidar o consenso estratégico”..Ursula von der Leyen deixou aberta a possibilidade de afastar as desconfianças que marcam a relação entre os dois blocos: “Dado o peso global da China, o nosso intercâmbio é crucial para garantir o respeito mútuo, evitar mal-entendidos e encontrar soluções para os desafios globais. Além disso, tanto a China como a União Europeia têm um interesse comum na paz, na segurança e numa ordem internacional baseada em regras.”.Mas não nos distraímos do essencial.Von der Leyen está em modo de aviso sobre o perigo chinês e voltou a fazê-lo com Xi: “A UE não hesitará em tomar decisões firmes para proteger a sua economia. A China deve tomar medidas para controlar a superprodução dos seus bens industriais, que inundam o mercado europeu. Uma China que joga limpo é boa para todos nós.”.No mesmo registo, Macron apelou a regras comerciais “justas”. A França quer uma “parceria económica equilibrada e sólida” com o gigante chinês..Xi rejeita estes pressupostos de Macron e Ursula. Para o secretário-geral do Partido Comunista Chinês, “a nova indústria energética chinesa” tornou possível “aumentar a oferta e aliviar a pressão da inflação global”. “O chamado ‘problema de excesso de capacidade da China’ não existe, seja do ponto de vista da vantagem comparativa ou à luz da procura global.”.Os dados estão, por isso, mais do que lançados. Foram reforçados, após o encontro trilateral - cordial, mas muito pouco caloroso e quase nada harmonioso nas visões e vontades - entre o presidente da França, a líder da Comissão Europeia e o grande líder da potência desafiante do domínio americano. A UE considera oficialmente a China um parceiro, mas, sobretudo e cada vez mais, um concorrente e um rival sistémico..A tensão não costuma ser boa conselheira nas relações comerciais. E é a tensão que caracteriza o atual momento das relações entre Pequim e Bruxelas, sobretudo depois de a UE ter anunciado medidas de proteção contra práticas que considera injustas por parte da China, nomeadamente a subvenção de certos setores cujos produtos inundam o mercado europeu, como os carros elétricos..Ao contrário dos EUA, que têm total soberania estratégica nas suas políticas de energia e sobretudo de Defesa, a Europa procura encontrar o tom certo para definir as suas armas para enfrentar o rival chinês. Washington já escolheu o seu caminho: vê Pequim como um competidor estratégico temível. Enfrenta-o sem nunca o desvalorizar..Talvez a nova assertividade de Macron possa ser útil para que também nós, europeus, estejamos um dia devidamente preparados para lidar com a ascensão chinesa..Putin vai à China já para a semana.Enquanto isso, Vladimir Putin tomou posse, anteontem, para um quinto mandato presidencial (coisa muito pouco democrática, diga-se). O Kremlin apressou-se a informar que a primeira viagem oficial de presidente russo neste mandato será à China - e já na próxima semana, na quarta e quinta-feira, 15 e 16 de maio..As coisas são como são.