2026: dos desafios certos e incertos, e da indispensável cooperação internacional

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O antigo Oráculo de Delfos foi agora substituído pelas plataformas de Inteligência Artificial (IA). Mesmo assim, é muito arriscado prever como será o mundo nos tempos que se avizinham. No caso de 2026, é ainda mais difícil por três razões fundamentais: primeiro, estamos num período de acentuada desordem geopolítica, um legado de 2025; segundo, o calendário prevê acontecimentos de grande importância, que podem alterar profundamente as realidades internacionais; terceiro, a competição no domínio da IA, da quântica e da alta tecnologia está em franca aceleração, sobretudo entre os EUA e a China, sem que se perceba bem quais poderão ser as consequências dessa concorrência vertiginosa. Tudo isto sem contar com o possível aparecimento de um ou mais Cisnes Negros, como aconteceu com a Covid.

A nível geopolítico, considero como sendo o desafio mais significativo a enorme ameaça atual da Federação Russa sobre a Europa democrática. A criminosa invasão em larga escala contra a Ucrânia vai entrar no quinto ano e Vladimir Putin não parece disposto a pôr um ponto final à violência. A Ucrânia tem conseguido resistir, de um modo surpreendente e heróico, mas precisa, sobretudo a partir do fim do inverno, de um apoio financeiro e militar excecional, e contínuo, para garantir a sua legítima defesa. Deverá contar com o auxílio dos Estados europeus – pouco ou nada haverá que esperar da América de Trump. A ajuda europeia será indispensável para a defesa da Ucrânia e da própria Europa. Essa ajuda, embora inevitável, irá agravar as relações entre os principais Estados da Europa e a Rússia, podendo mesmo levar a um ataque armado, por decisão do Kremlin. Já estivemos mais longe de uma situação desse género. Putin alardeia, nos dias que correm, que acredita que sairia vencedor de um tal confronto. Na verdade, vive acossado e, consequentemente, no delírio que a guerra o manterá no poder.

Trump estará sobretudo obcecado, ao longo dos meses, com as eleições intercalares de 3 de novembro nos EUA. Tudo fará para conservar a maioria no Congresso. Se for necessário, criará uma incrível confusão na cena interna e conflitos no xadrez internacional, nomeadamente na Venezuela e na Gronelândia, de modo a aparecer, perante o eleitorado americano mais crédulo, como o garante da estabilidade e da grandeza do seu país. Não seria uma surpresa se tal acontecesse. Como todos os outros autocratas ao longo da história, Trump considera que a confusão e o caos jogarão a seu favor.

As democracias europeias não podem apostar em Trump. Ele e Putin, cada um à sua maneira, são dois riscos enormes para a lei internacional e a ordem global. Pela primeira vez, em 2026, duas potências nucleares serão dirigidas por egocêntricos exacerbados, capazes de destruir uma boa parte da humanidade, se, no seu entender, tal for considerado vital para se manterem no poder.

Devo também mencionar Xi Jinping. A sua principal preocupação política é assegurar a prosperidade interna na China, o que é compreensível tendo em conta a dimensão populacional do seu país e o facto do seu seguro de vida político assentar ao mesmo tempo no pau e na cenoura, num poder com mão de ferro e no crescimento do nível de vida sentido por parte significativa da população. Todavia, numa situação de caos internacional, poderá tentar recuperar Taiwan. Essa possibilidade não pode ser excluída em 2026.

Em matéria de IA, a competição entre os Estados focar-se-á nos avanços económicos, na superioridade militar e no domínio da narrativa ideológica que seja favorável aos seus interesses. Quem ganhar a corrida nestas áreas – os EUA ou a China – garantirá a sua supremacia enquanto hiperpotência global.

Os investimentos financeiros e científicos na IA continuarão, ao longo do ano, a atingir valores absolutamente astronómicos. Nos EUA, a prioridade será dada às gigantescas empresas tecnológicas. Os setores da segurança e da guerra estabelecerão contratos fabulosos com essas empresas. Na China, o desenvolvimento da IA ficará sob o controlo absoluto do Estado, para assegurar a salvaguarda do regime. Mas em ambos os casos, as preocupações fundamentais estarão relacionadas com o reforço da segurança nacional e com a manipulação da opinião pública. Expandida colossalmente pela ciência quântica, a IA será cada vez mais um instrumento poderoso e de alcance imprevisível nas mãos de quem detém o poder.

Em 2026 será eleito o novo Secretário-Geral da ONU. O Sul Global reconhece o valor das Nações Unidas e insiste cada vez mais na urgência da sua reorganização. A sobrevivência do papel político da ONU depende da sua representatividade. O direito de veto e os assentos permanentes no Conselho de Segurança são agora considerados pela maioria dos Estados Membros como poderes anquilosados e obsoletos, mas ainda muito reais. São incapazes, obviamente, de refletir as relações internacionais de hoje e de permitir a resolução dos grandes problemas que assolam a agenda internacional.

O processo eleitoral que irá decorrer ao longo ano até ser eleito um novo Secretário-Geral irá dar mais força ao movimento de reforma. Também insistirá na eleição de uma mulher. Até agora, o cargo foi sempre assumido por homens. Esse será um dos grandes temas ao nível da ONU. É altura de eleger uma mulher. Em paralelo, haverá toda uma campanha para que a pessoa eleita provenha da América Latina. Segundo as regras, essa deveria ser a região de origem da nova líder. Teria ainda uma outra importância: mostraria a Trump que a América Latina de facto conta, que não é apenas o quintal das traseiras dos EUA.

A dimensão política da ONU atravessa agora a crise mais profunda da sua história. Não creio, no entanto, que deixe de existir. A personalidade do novo Secretário-Geral será, todavia, determinante. Tem de ser alguém visto como um gigante político e com uma veia diplomática hábil e corajosa. Temos, na América Latina, várias mulheres assim: a chilena Michelle Bachelet, a costa-riquense Rebeca Grynspan, a mexicana Alicia Bárcena, a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, e outras mais. São personalidades que têm mostrado uma firmeza política extraordinária.

Ainda sobre a ONU, Portugal procura obter um lugar não-permanente no Conselho de Segurança para o biénio 2027-2028. Está em competição com a Alemanha e a Áustria, ou seja, são três candidatos para dois lugares disponíveis. Se conseguir ser eleito – a decisão será tomada em junho e, na minha análise, a candidatura lusa tem grandes probabilidades de triunfar – será a quarta vez que Portugal terá um assento no Conselho de Segurança.

No período de grandes incertezas que será 2026, não podemos deixar de especular sobre possíveis Cisnes Negros. Designa-se por Cisne Negro, em matéria internacional, um acontecimento raro, imprevisível, mas que quando acontece se verifica ter gerado consequências catastróficas. Faz agora seis anos, foi a Covid. Em 2026, uma catástrofe terrível poderia ser quiçá uma colisão a alta velocidade entre dois satélites, dos milhares atualmente em órbita, um número que não cessa de crescer. Isso provocaria uma pulverização indescritível de fragmentos, que destruiriam outros satélites e multiplicariam de modo astronómico os pedaços de metal em órbita incontrolada. O impacto seria simplesmente devastador para os diversos sistemas globais de navegação por satélite, sobre a internet espacial, as redes de meteorologia, de logística e de vigilância militar.

Outros Cisnes Negros são igualmente possíveis em virtude dos avanços tecnológicos, mas também dos seus riscos e da competição desenfreada.

A cooperação é a resposta mais eficaz quando qualquer desafio colossal acontece. E com ou sem Cisnes Negros, os maiores desafios já estão aí. A escolha futura é agora dramaticamente clara: ou há cooperação ou aceleramos a destruição de uma grande parte do nosso planeta.

Conselheiro em segurança internacional.

Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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