Leão XIV preside à missa pelo falecido papa Francisco e pelos cardeais e bispos falecidos durante o ano na Basílica de São Pedro, na Cidade do Vaticano, a 3 de novembro de 2025.
Leão XIV preside à missa pelo falecido papa Francisco e pelos cardeais e bispos falecidos durante o ano na Basílica de São Pedro, na Cidade do Vaticano, a 3 de novembro de 2025.FOTO: RICCARDO ANTIMIANI / EPA

“Uma pessoa habitua-se”. Leão XIV chega aos seis meses de pontificado começando a deixar a sua marca

O norte-americano Robert Prevost foi anunciado como líder da Igreja Católica a 8 de maio, faz este sábado seis meses.
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Na sua primeira grande entrevista desde que foi escolhido para liderar os católicos, Leão XIV, confessou: “Estou a aprender muito e sinto-me desafiado, mas não aborrecido. Nesse aspeto, tive de saltar para o fundo da piscina muito rapidamente”. “Ainda tenho uma enorme curva de aprendizagem pela frente. Há uma grande parte em que sinto que consegui avançar sem muitas dificuldades, que é a parte pastoral. Ainda me surpreende a resposta [das pessoas] (…). O aspeto totalmente novo deste trabalho é ter sido promovido ao nível de líder mundial. É algo muito público, as pessoas sabem das conversas telefónicas ou das reuniões que tive com chefes de Estado de vários governos e países de todo o mundo, num momento em que a voz da Igreja tem um papel importante a desempenhar. Estou a aprender muito sobre como a Santa Sé tem desempenhado um papel no mundo diplomático há muitos anos. (…) Tudo isso é novo para mim em termos práticos”, confessou na mesma entrevista, tornada pública há menos de dois meses. 

Este sábado, 8 de novembro, dia em que se completam os primeiros seis meses do seu pontificado, Leão XIV parece começar a mostrar-se mais confortável no seu novo papel, como confessou na recente visita do rei Carlos III ao Vaticano. “Uma pessoa habitua-se”, respondeu, quando o monarca britânico lhe perguntou sobre as muitas câmara fotográficas e de televisão que estavam a registar todos os momentos deste encontro histórico. 

E começam a notar-se quais as matérias em que pretende seguir o legado de Francisco, o seu antecessor, e naquelas que irá trilhar o seu próprio caminho. 

O primeiro sinal de que Robert Prevost seria, em alguns aspetos, mais conservador do que Francisco surgiu logo na forma como se veste,   tendo optado pela tradicional capa vermelha de musselina e a estola bordada em quase todas as ocasiões, exceto nas mais banais, ao contrário do despojamento e maior informalidade do traje branco do seu antecessor. 

Outro sinal da nova marca de Leão XIV aconteceu no final de outubro quando o cardeal Raymond Burke, uma importante figura conservadora da igreja católica dos Estados Unidos, celebrou uma missa tradicional em latim na Basílica de São Pedro, com a permissão do Sumo Pontífice, para júbilo dos católicos tradicionalistas, depois de Francisco ter levantado restrições a este tipo de liturgia em 2021. 

Duas semanas antes, naquele que foi seu primeiro decreto executivo, Leão XIV revogou a lei de 2022 que decretava que a gestão dos bens da Santa Sé era da “responsabilidade exclusiva” do Instituto das Obras de Religião (IOR), notando que a Santa Sé utiliza geralmente o IOR, mas pode recorrer a bancos não vaticanos noutros países se o comité de investimento do Vaticano “considerar mais eficiente ou conveniente”. Este foi, até agora, o sinal mais claro que de o norte-americano quer alterar os centros de poder do Vaticano, depois de Francisco ter mostrado uma dependência dos conselhos do IOR.

Outubro foi cenário ainda de outra demonstração de estar a seguir um caminho diferente do seu antecessor, quando recebeu no Vaticano com a Ending Clergy Abuse, uma organização de sobreviventes e defensores de vítimas de abusos, que depois explicou que o Sumo Pontífice concordou em manter um diálogo permanente à medida que estes tentam conseguir uma política de tolerância zero para abusos na Igreja Católica. Francisco e Bento XVI também se encontraram com vítimas, mas mantiveram-se longe dos grupos ativistas.

Por outro lado, o norte-americano parece estar alinhado com o seu antecessor em questões de justiça social. No mês passado, por exemplo, quando publicou o seu primeiro documento doutrinário importante, sublinhou a inegociável “opção preferencial pelos pobres” da Igreja. Um documento que tinha começado a ser escrito por Francisco e que Leão XIV terminou, criticando a forma como os ricos vivem numa “bolha de conforto e luxo”, enquanto os pobres sofrem à margem da sociedade. 

A forma como os imigrantes são tratados, nomeadamente pela Administração Trump, tem sido tema de várias intervenções ao longo destes seis meses, a mais dura das quais feita desta semana, e em inglês, para chegar mais diretamente ao público norte-americano. Na quarta-feira, Leão XIV afirmou que há pessoas que viveram nos EUA “durante anos e anos sem nunca causar problemas, mas que foram profundamente afetadas” pela linha dura de Trump em relação à imigração, sublinhando que o cristão será julgado, em última instância, pela forma como acolheu "o estrangeiro". Num encontro recente com bispos norte-americanos, o papa passou também a mensagem de que estes devem insurgir-se contra estas políticas e defender os mais vulneráveis.

No plano ambiental, Leão está também a seguir as pisadas do seu antecessor, tendo aprovado o plano de Francisco de transformar uma propriedade do Vaticano a norte de Roma numa enorme quinta solar, que poderá fazer do Vaticano o primeiro estado neutro em carbono do mundo.

O Sumo Pontífice tem sido também vocal sobre os conflitos no mundo, tendo já recebido no Vaticano o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, como o líder da Palestina, Mahmoud Abbas, este último na quinta-feira, 6 de novembro. "Peço-vos que incluam nas vossas intenções a súplica pelo dom da paz – uma paz desarmada e que desarme – para o mundo inteiro, especialmente para a Ucrânia e o Médio Oriente", disse Leão XIV na sua Audiência Geral de 22 de agosto, uma das variadas vezes em que abordou estas duas guerras. 

Um introvertido atraente

Christopher White, autor do livro Papa Leão XIV: Por Dentro do Conclave e o Amanhecer de um Novo Papado, recorda num texto publicado esta semana no Catholic Herald, que “o Papa Francisco trouxe Prevost para Roma em 2023 para chefiar o poderoso escritório do Vaticano que auxilia na seleção de potenciais bispos, e rapidamente se tornou um dos conselheiros mais fiáveis do Papa. Os dois homens tinham personalidades diferentes: Francisco extrovertido, Prevost introvertido. Mas partilhavam instintos pastorais semelhantes e um profundo empenho nas reformas do Concílio Vaticano II”. 

Uma timidez que não o impediu graças aos seus talentos de linguista, conforme escreveu White, que conseguisse “conversar com à-vontade com quase todos os cardeais reunidos em Roma para eleger o próximo papa. O seu estilo reservado mantinha-o longe dos holofotes, mas, para muitos cardeais, isso só o tornava mais atraente”.

“Quando Prevost apareceu na varanda da Basílica de São Pedro para o seu primeiro discurso público, disse que sonhava com uma Igreja de natureza missionária, capaz de dialogar com o mundo que o rodeava como construtora de pontes. Naquele que alguns esperavam ser um conclave divisivo, os cardeais passaram a vê-lo como alguém que personificava essa identidade – e, por isso, incumbiram-lhe a grande responsabilidade de servir como essa construtora de pontes para o mundo inteiro”, concluiu o também investigador sénior da Iniciativa para o Pensamento Social Católico e a Vida Pública da Universidade de Georgetown.

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