Escolha surpresa no conclave realizado em maio, o Papa Leão XIV vinha aos poucos conquistando simpatias junto de setores conservadores da Igreja Católica ao valorizar tradições que o seu antecessor, Francisco, havia posto de lado e ao evitar debates sociais mais divisivos. Mas a relação ganhou nos últimos dias focos de tensão depois de o pontífice norte-americano ter questionado as políticas de imigração do presidente dos EUA, Donald Trump.“Alguém que diz ser contra o aborto mas concorda com o tratamento desumano dos imigrantes nos Estados Unidos, não sei se isso é ser pró-vida”, afirmou Leão XIV, o primeiro papa norte-americano, em declarações a jornalistas na última terça-feira.As palavras surpreenderam muitos católicos conservadores, que olhavam com entusiasmo para os primeiros meses do novo pontificado, apesar das reticências iniciais face ao trajeto passado de Robert Francis Prevost, que já antes de ser eleito tinha assumido alguns reparos públicos às políticas anti-imigratórias do presidente norte-americano.Segundo relata a agência Reuters, o antigo bispo do Texas, Joseph Strickland, conhecido opositor de Francisco mas favorável a Leão XIV, veio agora acusar o papa de criar “confusão” sobre o ensinamento da Igreja em relação à vida humana, enquanto o blogue conservador Rorate Caeli lamentou que o papa tivesse abandonado a reserva inicial: “Cansado de entrevistas papais. [Leão] Devia regressar ao silêncio.”A administração Trump, que durante a vida do antecessor Francisco nunca poupou críticas ao Vaticano, também reagiu às recentes declarações de Leão XIV. A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, rejeitou a acusação de “tratamento desumano” dos imigrantes.No Vaticano, contudo, fontes próximas do papa asseguram que Leão XIV não será dissuadido. “Ele preocupa-se profundamente com a situação dos migrantes e não irá recuar”, disse um responsável, citado pela Reuters. Ainda assim, a polémica pode complicar a missão que o próprio definiu na sua missa inaugural: promover a unidade numa Igreja global marcada por divisões.Leão XIV, missionário de longa data no Peru antes de ser eleito, destacou-se logo após a eleição ao usar a tradicional veste vermelha mozzetta — abandonada por Francisco — e ao receber figuras conservadoras como os cardeais Raymond Burke e Robert Sarah. Esses gestos foram vistos como uma reaproximação do Vaticano com setores descontentes durante o papado de Francisco.Porém, para alguns observadores externos, a controvérsia era inevitável. “Os católicos conservadores agarraram-se à ideia de que Leão iria endossar toda a sua agenda, mas isso nunca esteve em cima da mesa”, disse à Reuters David Gibson, diretor do Centro de Religião e Cultura da Universidade de Fordham.Elise Allen, biógrafa do pontífice, resume: “Ele compreende a prioridade da questão do aborto, mas não vai dizer que é mais importante do que a dignidade dos imigrantes.”Bênção a bloco de gelo faz aumentar críticasAs críticas a Leão XIV entre apoiantes de Donald Trump aumentaram ainda depois de, num congresso internacional sobre justiça climática que decorre em Castel Gandolfo, o papa ter apelado à coragem dos líderes mundiais para enfrentar as alterações climáticas e ter abençoado um bloco de gelo proveniente de um glaciar da Gronelândia. O gesto foi entendido como uma resposta indireta a Trump, que dias antes classificara as alterações climáticas como “a maior fraude alguma vez perpetrada no mundo”.. Nas redes sociais, figuras da direita radical e influenciadores ligados ao movimento MAGA acusaram o Papa de ser um “woke pope”, reporta o site norte-americano The Daily Beast. O comentador conservador Matt Walsh ridicularizou a bênção como um “ritual hippie”, enquanto o ativista Jack Posobiec questionou como é que esse gesto ajudaria cristãos perseguidos em todo o mundo. No evento climático, Leão XIV sublinhou que não é possível amar a Deus “desprezando as suas criaturas”, reafirmando a posição da Igreja em defesa do ambiente..Papa afasta qualquer reforma em relação às mulheres e aos fiéis LGBT+.“Quando era prior dos agostinhos, Leão XIV viajou por cerca de 50 países dos cinco continentes”