Papa americano ou papa peruano? Para compreender a personalidade e o pensamento de Robert Francis Prevost, o país do seu nascimento ou o país da sua adoção? Qual é mais importante, já que tem as duas nacionalidades?No geral, somando os diferentes períodos da sua vida, Prevost viveu 34 anos nos Estados Unidos, 20 anos no Peru e 15 anos em Itália. Assim sendo, pessoalmente acredito que a sua personalidade foi moldada pelas características destes três contextos culturais e religiosos, que o enriqueceram mutuamente e lhe permitiram compreender as questões sociais, políticas e económicas, bem como as questões espirituais e existenciais, de povos muito diferentes, possibilitando-lhe desenvolver a sua própria síntese pessoal qualificada.Prevost compareceu no último Conclave como um desconhecido ou teve algum tipo de favoritismo na bolsa de apostas dos conhecedores do Vaticano?A ideia de quase todos os observadores do Vaticano estava ligada ao facto de muitos cardeais não se conhecerem. Assim sendo, presumia-se que os candidatos mais conhecidos seriam votados durante os dois primeiros dias, como o secretário de Estado Pietro Parolin, o patriarca de Jerusalém Pierbattista Pizzaballa, o presidente dos bispos italianos Matteo Zuppi, ou o Pró-Prefeito do Dicastério para a Evangelização Luis Antonio Tagle. Prevost foi considerado o mais provável após o terceiro dia, depois de os eleitores terem começado a “ponderar” as várias possibilidades. Mas, evidentemente, durante o debate nas reuniões que antecederam o conclave, a sua personalidade já tinha emergido como autoridade, pelo que a surpresa surgiu mais cedo do que o esperado.Pertence o novo papa a alguma fação da Igreja?Apesar de ter sido chamado a Roma como prefeito do Dicastério para os Bispos (e mais tarde criado cardeal) pelo papa Francisco, Leão XIV não pode ser considerado o seu “mais fiel”. Durante os seus 12 anos como prior geral dos agostinhos foi capaz de compreender a situação eclesial em todos os continentes, com as suas luzes e sombras características. A sua atual visão global permite-lhe agir com excecional eficácia e atenção, avaliando todos os aspetos da sua situação..Papa leão XIV - A história do novo papa e os desafios que enfrentaSaverio GaetaPlaneta176 páginas12,50 euros.Como era a relação com Francisco. Imagina alguma continuidade, ou poderemos ser surpreendidos com um Leão XIV radicalmente diferente de Jorge Mario Bergoglio?Segundo o próprio Prevost relatou a amigos, durante o seu período como superior geral dos Padres Agostinhos, a sua ordem religiosa teve várias discussões com o então Arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, a propósito da nomeação de um agostinho para um cargo importante na diocese. E provavelmente nem todas as nomeações episcopais do papa Francisco foram inteiramente aprovadas por ele. Mas, de qualquer modo, nestes primeiros meses do seu pontificado, o papa Leão XIV não tem razões para fazer mudanças bruscas de rumo, preferindo corrigir gradualmente alguns aspetos doutrinários e pastorais que eram problemáticos durante o tempo de Francisco.Como especialista do Vaticano, conheceu de perto vários papas. De todos eles, João Paulo II foi o que se manteve no poder durante mais tempo. Será que o papa polaco, Karol Wojtyla, se reconheceria hoje na Igreja?A evolução da Igreja e da sociedade nas últimas décadas foi, sem dúvida, muito mais rápida do que qualquer um esperava. João Paulo II marcou um período de grandes mudanças, começando com o colapso da União Soviética e os desenvolvimentos pastorais após o Concílio Vaticano II. Por isso, creio que até ele ficaria um pouco surpreendido com o que poderia ver hoje. Mas talvez esta impressão fosse a mesma de qualquer papa ou líder governamental, se regressasse ao mundo 20 ou 30 anos após a sua morte, porque o ritmo das mudanças está sempre a acelerar....Como imagina Leão XIV a relacionar-se com os Estados Unidos?Tratá-los-á da mesma forma que tratará qualquer outra nação do mundo, colocando a doutrina católica e os seus valores em primeiro lugar, começando pela defesa da vida em todos os tempos, a afirmação da paz e dos direitos humanos, a proteção da criação e de toda a criatura.Será um papa peregrino? Por exemplo, Leão IV antes de ser papa esteve na Nigéria algumas vezes. Significa isto que, para além da América Latina, também pode ter um interesse especial por África?Quando era prior dos agostinhos, viajou por cerca de 50 países dos cinco continentes. Estou certo de que continuará a fazê-lo, não apenas nos lugares onde o cristianismo já está consolidado, mas também naqueles onde a proclamação da fé ainda está nos seus primórdios. Será um testemunho de presença e de atenção, já patente nas relações que manteve nestes primeiros meses do seu pontificado com os “líderes mundiais” que vieram visitar o Vaticano.Será a relação com a China o grande desafio deste pontificado?A China, tal como a Rússia, são certamente dois países caros a Leão XIV, pois representam uma realidade social crucial e um desafio religioso. A sua capacidade diplomática, já revelada nos seus gestos e discursos, permitir-lhe-á certamente tentar alcançar resultados significativos.Imagina que o próximo papa poderá ser finalmente africano ou asiático, da verdadeira periferia da Igreja?A nação de origem do papa eleito já não está em causa. O que importará cada vez mais será a personalidade dos candidatos e a sua capacidade de responder às necessidades da Igreja e do mundo quando se realizar um novo conclave.Como italiano, ficou surpreendido com o fim dos papas italianos? São já quatro sucessivos não-italianos. Fiquei certamente um pouco surpreendido, uma vez que durante séculos os italianos foram considerados os candidatos ideais para a mediação. Mas a surpresa foi ainda maior durante o conclave de 2013, quando o papa Bergoglio foi eleito, uma vez que, na altura, o cardeal milanês Angelo Scola era considerado um candidato de alta autoridade. Nesta última ocasião, surgiram mais dúvidas sobre a real possibilidade de um italiano, tanto que as hipóteses de Parolin e Zuppi foram imediatamente afastadas.