Crescer dois países por ano. Este é o objetivo que Nuno de Noronha Bragança estabelece para o Atlantic Centre. Neste momento esta iniciativa de Portugal conta com 27 Estados signatários - dos EUA a Angola, da Dinamarca à Argentina, sem esquecer o Brasil, França Alemanha ou Reino Unido. Mas para um projeto que quer “olhar o Atlântico como um todo”, é importante alargar o número de membros desta comunidade de interesses atlântica, nas duas margens deste oceano. Sentado num dos gabinetes do Ministério da Defesa Nacional, o contra-almirante, à frente do Atlantic Centre desde março de 2023, explica que neste contexto de “todo o Atlântico”, Portugal tem “uma posição significativa”, até pelos laços históricos que o unem a vários dos Estados signatário do Atlantic Centre, tanto na margem africana como na margem americana deste oceano.“Portugal é um país que tem a dimensão geográfica que tem, territorial que tem, mas depois, de facto, agiganta-se na sua dimensão marítima e temos de procurar esse potencial”, garante. E no Atlântico, “temos este triângulo”, afirma Nuno de Noronha Bragança. E destaca o papel dos Açores, com os quais o Atlantic Centre mantém uma cooperação estreita. Para já, no curso de Segurança Marítima que o centro costumava organizar na Base das Lajes. E lembra que esteve previsto que a sede do centro fosse instalada na Base das Lajes, na ilha Terceira. Em 2021 tal foi mesmo anunciado pelo então ministro da Defesa João Gomes Cravinho, que avançou que a sede ficaria em infraestruturas desocupadas pela Força Aérea americana.O contra-almirante começa por explicar que o Atlantic Centre nasce como ideia logo em 2015, sendo a sua criação confirmada por uma resolução do Conselho de Ministros três anos depois. Mas só em 2021 emerge com a atual configuração, com 16 países a assinarem a Declaração Política Conjunta. “Eram 16 países, de três continentes, já então numa ideia alargada do espaço atlântico. E não aquela ideia de um espaço transatlântico focado no Norte”, explica Nuno de Noronha Bragança. Tendo deixado cair a vertente mais militarista com que surgiu inicialmente, “muito orientado para aquilo que seria um projeto de capacitação de Marinhas e Guardas-costeiras neste espaço atlântico”, o Atlantic Centre passou a focar-se mais no diálogo entre os seus Estados signatários, num procura de soluções para problemas e desafios comuns. .Nuno de Noronha Bragança enumera três princípios e três pilares que sustentam a atividade do centro. Primeiro é esta ideia de olhar o Atlântico como um todo, o que o contra-almirante descreve como quase “pan-atlântica”. Segundo são os aspetos de segurança, num sentido lato e não só no sentido militar. “A segurança humana, mas também a segurança marítima, no sentido britânico de safety”, explica. E, terceiro, a complementaridade. Ou seja, o centro deve desenvolver as suas atividades de forma a complementar iniciativas já existentes. Como é que estes três princípios se põem em prática? Através de três pilares. O primeiro é o do diálogo com os governos, mas também com outras instituições dos vários países signatários, aumentando o conhecimento mútuo e a consequente confiança. O segundo pilar prende-se com o desenvolvimento do conhecimento. “Eu costumo dizer que se não conhecemos uma coisa, não a conseguimos transformar. E precisamos conhecer mais do espaço Atlântico, conhecer as várias vertentes, a vertente do desenvolvimento sustentável, a vertente da segurança”, explica Nuno de Noronha Bragança. Para o contra-almirante, “é nesse sentido que o desenvolvimento para nós é importante. E isso liga-nos à academia, a think tanks dos diferentes Estados signatários”, prossegue, explicando que “temos vindo a produzir uma série de informação e de conhecimento, relatórios, policy briefings, que temos disponíveis para todos. Não só para os Estados signatários, mas para o público em geral.”Por fim, o terceiro pilar é o apoio à capacitação. Ou seja, “é procurar, junto dos parceiros, aqueles projetos que precisam de apoio, aquele vazio, aquela complementariedade. E, com boas-práticas, desenvolver juntamente com os Estados signatários, mas também com organizações, aquilo que são os projetos que nós pretendemos priorizar nesta fase de consolidação do Atlantic Centre”, sublinha Nuno de Noronha Bragança. E acrescenta que neste momento o centro prefere avançar com poucos projetos, mas que sejam sólidos. “Desenvolvemos projetos que queremos que sejam sustentáveis, e que se mantenham no tempo.” É neste pilar que se inserem os cursos de segurança marítima, que o centro organiza anualmente nos Açores. E Nuno de Noronha Bragança dá o exemplo de um momento em que o Atlantic Centre revelou um “sentido antecipatório das coisas”. Foi em 2022 quando “à margem da Conferência dos Oceanos, em Lisboa, o centro organizou uma outra sobre cabos submarinos”. Um tema que na altura ainda era pouco debatido, mas que hoje se tornou incontornável. Afinal 95% do tráfego da internet está hoje protegido por cabos submarinos e que 1,3 milhões de km de cabos garantem cerca de dez biliões de dólares de transações financeiras todos os anos. E não podemos esquecer que 10% a 15% dos cabos de todo o planeta passam pela Zona Económica Exclusiva de Portugal. Mas como é que 27 países, com agendas e prioridades muito diferentes - alguns até com um passado em que já estiveram em guerra, como a Argentina e o Reino Unido por causa das Falklands/Malvinas - conseguem colaborar nesta iniciativa? O contra-almirante garante que não é complicado e que se encontram sempre soluções. E dá o exemplo do tema do curso de segurança marítima deste ano que foi Alterações Climáticas e os Desafios para a Segurança no Atlântico. “Os EUA, na altura por decisão do Departamento de Estado, comunicaram que esse era um tema que acompanham, mas que não iam participar.” Apesar desta decisão da Administração de Donald Trump, o contra-almirante lembra que “tivemos a participação dos americanos, tivemos a Universidade Johns Hopkins, tivemos outras universidades, tivemos um americano que veio falar da utilização dos cabos submarinos para a ciência, o que se chama Smart Cables”. Ou seja, “o Atlantic Centre adapta-se e trabalha com as realidades nacionais.”Lutar em comum contra problemas comuns.Com uma equipa de apenas quatro pessoas a tempo inteiro, apoiadas sempre por dois estagiários, o Atlantic Centre procura debater os desafios comuns que os seus membros enfrentam, sempre numa ótica de segurança alargada: do ambiente e desenvolvimento sustentável, ao processo de transição energética, da digitalização às energias verdes, mas também o comércio marítimo ou os fluxos de pessoas.Nuno de Noronha Bragança lembra que “o oceano não tem fronteiras. Em termos do direito internacional, estabelecemos regras e limites. Mas, e é um lugar comum dizer, os peixes não reconhecem fronteiras, não sabem o que é uma Zona Económica Exclusiva.” E o mesmo acontece com as ameaças que circulam pelo Atlântico. O contra-almirante dá o exemplo do crime organizado e do narcotráfico que vê como “a maior expressão do que é a transnacionalidade”. “Aqui não há fronteiras, não é uma questão só do Norte ou só do Sul, ou do Leste ou do Oeste”, continua, acrescentando que o impacto afeta todos e obriga a reajustar os mecanismos de segurança.“O continente africano era um local de trânsito, e agora passou de ser um local igualmente de consumo, e vemos como isso pode ser explosivo quando temos 12 milhões de jovens africanos a entrar todos os anos para o mercado de emprego. E se essa realidade não se ajustar, vemos a facilidade com que podem derivar para outras atividades, sobretudo com a pressão que existe nas zonas urbanas e nas megacidades que se criam nas zonas costeiras.”Para Nuno de Noronha Bragança, “estas são as realidades que debatemos e para as quais procuramos trazer, não sei se novas ideias, mas ideias que se possam sustentar no âmbito das políticas públicas, da governação, e daquilo que é a importância de trocarmos informação e de podermos olhar para problemas que são comuns, em comum.”Projeto do Ministério da Defesa português, o Atlantic Centre trabalha também em parceria com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e outros, além de muitas instituições públicas ou privadas. Antes de nos despedirmos, tempo ainda para Nuno de Noronha Bragança destacar a parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). Em conjunto têm procurado “trazer a comunidade académica a desenvolver conhecimento, a refletir, a pensar sobre aquilo que é o espaço atlântico. O espaço atlântico na sua dimensão da economia azul, da segurança atlântica, da energia, dos vários vetores que podem ajudar a trazer para a sociedade um conhecimento, que é partilhável”, explica o contra-almirante. Nesse âmbito foi criado o Atlantic Security Award, com o objetivo de apoiar a investigação na área da Segurança e Defesa no Atlântico. “O Atlantic Security Award, que acompanha o Atlantic Centre desde o início, é uma daquelas iniciativas que são um bom exemplo de sucesso no que é a finalidade de trazer a academia, trazer as pessoas, a pensarem connosco nos desafios”, remata o contra-almirante..27 Estados signatáriosÁfrica Marrocos, Mauritânia, Senegal, Gâmbia, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Gana, Togo, Nigéria, São Tomé e Príncipe, Camarões, Angola. AméricasEstados Unidos, República Dominicana, Panamá, Colômbia, Brasil, Uruguai e Argentina.EuropaDinamarca, Países Baixos, Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Portugal. .“Não se pode entender o vínculo atlântico, compreendido como um triângulo, sem uma perspetiva ibérica”.José Manuel Bolieiro: “Narrativa de que a Base das Lajes estaria a perder força geoestratégica não é verdade”