José Manuel Bolieiro: “Narrativa de que a Base das Lajes estaria a perder força geoestratégica não é verdade”
Hugo Moreira /Sister Cities Summit

José Manuel Bolieiro: “Narrativa de que a Base das Lajes estaria a perder força geoestratégica não é verdade”

Depois da abertura em Ponta Delgada do Sister Cities Summit, iniciativa da FLAD, o presidente do Governo Regional dos Açores falou ao DN da importância do arquipélago na relação entre Portugal e EUA.
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Disse no discurso de abertura da conferência Sister Cities que “a posição geoestratégica dos Açores é o principal ativo na relação entre os Estados Unidos e Portugal.” Eventos como este, organizado no âmbito dos 40 anos da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) aqui em Ponta Delgada e que reúne autarcas das cidades geminadas dos dois países, são uma prova disso?

Sem dúvida. Há uma realidade que se impõe e que resulta exatamente da geografia. Mas depois há uma oportunidade que deve valer para a estratégia, que é a decisão política e a formação de pontes para o entendimento entre Portugal, a Europa, e os Estados Unidos, num quadro de relações transatlânticas. E esta teve uma primeira base mais política, geomilitar e de defesa e segurança. Mas hoje o seu potencial é muito maior nos domínios económicos, da sustentabilidade ambiental, tecnológicos e de comunicação. E é por isso que eu considero que estes eventos, que são mais de índole cultural, no entanto reúnem instituições decisórias, designadamente de carácter municipal, de outros estados e cidades, que permitirão dar notoriedade e visibilidade a esta relação transatlântica e a esta posição de geografia, mesmo com impacto político e com domínio cultural, agora projetável para decisões de carácter económico e geoestratégico. E é por isso que eu defendo muito isso. Interessa a Portugal e, enquanto Estado-membro da União Europeia, interessa à União Europeia, que se sirvam deste posicionamento geoestratégico dos Açores para fortalecer uma relação profícua com os Estados Unidos e com o Novo Mundo. Depois, a própria União Europeia, tem de perceber que a sua dimensão projetável para o Ocidente, para uma fronteira ativa, como são os Açores, no domínio português, é para ela uma vantagem de correlacionamento. Porque se ficar muito focada apenas na sua fronteira a Leste, a fronteira terrestre, será uma perda de oportunidades, de potencial, que a transição energética, a transição tecnológica, a transição climática, a transição digital têm para oferecer num quadro da nossa dimensão marítima e espacial.

Os açorianos já descobriram a América há muito tempo, constituindo uma parte significativa da emigração para os EUA, agora está a haver um movimento contrário. Os americanos estão a descobrir os Açores?

Sem dúvida. E isso já nos coloca numa outra posição, também ela geoestratégica e económica, que é olhar os Açores como destino turístico. Nós somos um território que, sob o ponto de vista da nossa geografia, é vantajoso também para o americano, uma vez que um destino turístico como os Açores fica próximo. São quatro horas e há voos diretos. Designadamente do aeroporto JFK, em Nova Iorque, mas também a partir de várias outras cidades. E, portanto, para os americanos vir aos Açores não tem um transtorno de deslocação e é razoavelmente curto o tempo de viagem. Por outro lado, nós somos um território que, sob o ponto de vista do sentimento de segurança civil, de segurança militar, de segurança terrorista, de segurança alimentar e de saúde pública em geral, é muito significativo. É um descanso para eles. Por outro lado, também o povo nos Açores é tendencialmente poliglota e, portanto, acolhe também fazendo um esforço de entendimento através da língua e, designadamente, através do inglês. E, finalmente, também nós temos no imaginário internacional, universal, somos uma economia sustentável. Um território sustentável. Uma gestão intergeracional de sustentabilidade. E isso é muito caro hoje aos turistas, sobretudo para as novas gerações, que gostam de procurar lugares de sustentabilidade. Nós fomos reconhecidos, enquanto arquipélago de destino turístico, com o EarthCheck, que é uma instituição global de grande prestígio e reputação, que nos coloca como nível ouro a distinção de destino turístico sustentável. E eu penso que isso também pesa, muitas vezes, na hora de escolher um destino. Além, como já disse, das questões ligadas à segurança. É importante também esta ideia de que aqui somos um território sustentável e amistoso no acolhimento.

Não são só turistas, há cada vez mais americanos a instalar-se e a investir nos Açores?

Nós temos americanos que, para além de nos escolher como destino turístico, também começam a encontrar aqui espaço para o seu investimento. Muitas vezes, é um investimento que ainda está mais focado no imobiliário, ou mesmo até no negócio turístico, designadamente do alojamento. Mas começa a potenciar algumas ideias, designadamente para o sector energético e para o sector digital. Nós já vamos descobrindo as possibilidades de encontrar aqui, no processo que se prende com os nómadas digitais, residências e instalações para co-working no domínio das novas tecnologias e do digital, em particular. Por isso, estes eventos são muito importantes porque dão notoriedade. E a descoberta gera, depois, a curiosidade de aprofundar o relacionamento. E isto é, para mim, apenas uma ponta do icebergue.

Estamos a falar dos americanos nos Açores, mas nesta relação entre Portugal e os EUA é impossível não falar dos açorianos lá. Os membros dessa comunidade são os melhores embaixadores dos Açores na América?

Felizmente, a nossa diáspora é bem querida pelos americanos e pelas instituições americanas, quer dos estados federados, quer do próprio Estado federal. E, portanto, a administração norte-americana, quer nos planos municipais, quer nos planos estaduais e no plano federal, olha para a diáspora açoriana como uma diáspora boa. Porquê? Porque está plenamente integrada na economia, é prestigiada porque são famílias e empresários bem-sucedidos. Temos muitos açorianos e descendentes de açorianos ligados já à política, são eleitos de grande prestígio e de grande projeção em termos de influência, quer nas administrações estaduais, quer na administração federal. E, portanto, isso também tem sido muito bom. E depois, até mesmo no domínio artístico e científico. Nós temos um prémio Nobel que é de origem açoriana na área da medicina. E tivemos secretários de Estado de administrações americanas, designadamente focados na área da energia, que têm ascendência açoriana e declaram esta sua origem.

Como Ernest Moniz, secretário da Energia de Barack Obama….

Sim. E, portanto, isso para nós é um orgulho e também temos de convir que isto ajuda a que haja uma empatia muito forte por parte da administração americana perante os portugueses em geral e os açorianos em particular.

Não podemos falar da relação entre os Estados Unidos e os Açores sem falar na Base das Lajes. Como se provou nos últimos dias, no ataque americano ao Irão, a sua importância estratégica não diminuiu?

Sem dúvida. Nós tivemos sempre narrativas, fruto das novas tecnologias da ciência e da evolução, segundo as quais a área das Lajes, a base militar dos Estados Unidos, com sua defesa avançada e projeção de força para a Europa, estaria a perder força geoestratégica. Isso não é verdade porque quer o risco, infelizmente, da guerra. E por causa do risco da guerra, com o reforço da importância da promoção da paz e a atualização dos meios dissuasores de guerra é cada vez mais evidente. Tanto pela via aérea como pela via marítima. Pela via marítima, tanto em superfície, como em submerso. Portanto, eu acho que os Açores, pela sua posição geoestratégica para efeitos de segurança e defesa, continuam a ser relevantes. E Portugal tem este ativo, por isso é que eu digo que nesta relação transatlântica e até mesmo a bilateral, Portugal-Estados Unidos, Portugal enquanto Estado-membro da União Europeia e estado fundador da NATO, tem um grande peso esta influência à custa dos Açores. Eu gostaria era de alavancar isto - como aliás disse na minha intervenção - para os outros domínios: os domínios da ciência e da economia. A economia azul, a economia espacial e digital. Porque esta relação transatlântica tem muito potencial neste domínio. E se Portugal é, sob o ponto de vista do seu território, olhando para a componente terrestre e demográfica residual, pequeno, isolado, e os Açores mais ainda, é, sob o ponto de vista do seu território marítimo e espacial, sobredimensionado. Porque nós somos o quinto maior mar da União Europeia e o mar português deve a sua grandiosidade em 56% ao mar dos Açores. O mar dos Açores representa 56% do mar do país. E depois temos esta ligação do Atlântico Norte, que, com alguma inteligência estratégica, poderia definir-se num projeto All Atlantic. Porque a nossa ligação, apesar de ser a Norte, tem uma projeção também para Sul dos continentes. Não só a projeção da Europa para a América do Norte, mas também para a África e para a América do Sul. E isso também é projetado nos centros económicos e de novas tecnologias e, outra vez, reforço, por razões de segurança e defesa. Porque são fronteiras ativas e que têm muito potencial. Depois, nós fomos claros. Felizmente o país acompanhou o projeto açoriano de moratória para a exploração do mar profundo, através dos potenciais recursos minerais. Quer sejam metais, quer sejam não metais. Porquê? Porque temos aí uma grande riqueza. Estamos a projetar a possibilidade, o que dará ainda uma sobredimensão a Portugal, se conseguirmos a extensão da plataforma continental. E tudo isto também tem que ser explorado para que a gente possa alavancar agora esta projeção com base em investigação e em ciência. E, por isso, também sou muito dedicado a essa matéria. E apostei, aproveitando os fundos do PRR, na aquisição de um navio científico, que há de ser partilhado com o país, designadamente com o Estatuto Hidrográfico das Forças Armadas Portuguesas, ou mesmo a instalação de um Tecnópolis, isto é, um centro de investigação e de experimentação, que nós designamos cá por MarTech, para desenvolver cada vez mais a ciência na economia azul. Portanto, eu acho que nós temos muito. Se olharmos para a possibilidade de um centro tecnológico e espacial que estamos a promover em Santa Maria, designadamente numa primeira fase para lançamento suborbital e orbital para a projeção de satélites. Mas tudo o que possa ser uma oportunidade de conhecer a Terra e o nosso mar a partir do espaço, nós estamos a promover isso. Eu acho que os Açores, enquanto região autónoma com órgãos de governo próprios, ou mesmo Portugal, enquanto Estado-membro, não temos os meios para alavancar esse potencial todo em curso, com base na tecnologia e na investigação. Precisamos criar consórcios no domínio da nossa participação na União Europeia para potenciar isso. Temos aqui uma possibilidade de futuro de património natural, seja como capturantes de carbono, ou na sua transformação farmacológica, também noutros domínios, designadamente os cosméticos, ou através dos minerais metais ou não metais, para outros domínios de caráter energético, ou até do potencial do hidrogénio, podermos ser remunerados, seja por royalties, seja com a remuneração do património natural que nós somos, em matéria de economia descarbonizada e capturante de carbono.

Estamos a assinalar este ano os 230 anos do consulado dos EUA em Ponta Delgada,, o mais antigo em laboração contínua no mundo. Aqui também deixou um recado bastante claro ali no seu discurso dizendo o quão é importante que se mantenha em funcionamento. Isto depois das notícias que surgiram de que este consulado estaria numa lista de delegações que iam ser fechadas pela administração americana…

Sem dúvida. Bom, eu não dramatizo nunca ruídos e especulações, mas é bom estarmos prevenidos. O certo é que é legítimo, por parte da administração americana, que queira fazer um levantamento das suas capacidades instaladas, a sua racionalização e evitar o desperdício. O que eu quero aqui enfatizar é que, nesta avaliação, é importante considerar o posicionamento geoestratégicos dos Açores e a sua importância histórica. Porque a América é um país novo, não pode perder os seus valores de dimensão histórica mais relevantes e estratégicos, mas também com a duração do tempo secular que tem. Ora, sendo este o mais antigo consulado do mundo em permanência, é essencial não deixar perder este património, porque fará parte sempre de uma raiz desta identidade transatlântica que os Estados Unidos representam com Portugal e, em particular, com os Açores.

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