Carlos López Blanco, numa foto de arquivo.
Carlos López Blanco, numa foto de arquivo.Paulo Alexandrino/Arquivo Global Imagens

“Não se pode entender o vínculo atlântico, compreendido como um triângulo, sem uma perspetiva ibérica”

O presidente do comité organizador do Foro La Toja, Carlos López Blanco, explica ao DN o que se pode esperar da terceira edição do fórum em Lisboa. É esta terça-feira, na Fundação Gulbenkian.
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O Foro La Toja regressa a Lisboa pelo terceiro ano para discutir o momento decisivo da Europa, a defesa europeia e a relação entre com os EUA. Porque é importante para vocês trazes esta discussões da Galiza para Lisboa? 

Este é o terceiro ano, como referiu, e as duas edições anteriores foram um sucesso extraordinário. Estamos certo que esta também será. Contamos com a enorme colaboração das autoridades e da comunidade empresarial portuguesa, bem como da Fundação Calouste Gulbelkian, que generosamente nos permite realizar este evento nas suas incomparáveis ​​instalações.

A razão pela qual Lisboa foi palco do nosso primeiro fórum fora da sua sede natural, que é no Gran Hotel La Toja, é porque para nós a relação transatlântica, que é o eixo da nossa preocupação, tem duas especificidades muito importantes. Em primeiro lugar, nós concebemos a relação transatlântica não como um eixo, mas como um triângulo, que afecta os EUA, a Europa e a América Latina. E a segunda reflexão é que não se pode entender o vínculo atlântico, compreendido como um triângulo, sem ter uma perspetiva que não seja espanhola, mas sim ibérica.

Para nós, Portugal é indispensável para termos uma compreensão rica do vínculo transatlântico, entendido como este triângulo. A relação entre a Europa e a América Latina não pode ser compreendida sem Portugal e sem esta perspectiva ibérica. Portanto, para nós, a vinda para Lisboa era um movimento muito natural, uma vez que o Foro La Toja atingiu a sua velocidade de cruzeiro. 

Mas neste triângulo, a ligação entre a Europa e os EUA não está atualmente nos seus melhores momentos. 

Não, claro que não. Para nós, que nascemos com uma série de princípios fundamentais que têm a ver com a defesa da democracia representativa, da sociedade aberta e da centralidade no debate político, as incógnitas que estão a produzir-se em torno do vínculo atlântico e da relação entre EUA e Europa causa-nos grande preocupação. Porque continuamos convencidos que a defesa da democracia representativa, dos valores da sociedade aberta e da democracia ocidental não se podem conceber sem a Europa, não se podem conceber sem a América Latina, mas também não se podem conceber sem os EUA. Por isso é que o foco do fórum em Lisboa vai estar nas grandes preocupações que temos no Foro La Toja e que acho que temos todos os europeus comprometidos com a democracia representativa e com a sociedade aberta.

Mas estas ameaças são também uma oportunidade, certo?

Toda a situação apresenta oportunidades e esta situação representa uma grande oportunidade para a Europa e para a América Latina. Mas antes de mais, deixe-me dizer que preferíamos não ter tido essa oportunidade. Teríamos preferido que os EUA continuassem a ser uma sólida pedra basilar do triângulo atlântico. Mas uma vez que foram os EUA e o governo norte-americano que decidiram mudar de rumo, lembramo-nos da frase de Jean Monnet que dizia que a Europa prospera em crises, e acreditamos que esta é uma oportunidade.

Esta não é a primeira vez que discutimos a autonomia estratégica da Europa no Fórum de La Toja. No entanto, acreditamos que o que antes era uma necessidade, tornou-se agora urgente. A Europa deve considerar urgentemente, com firmeza e coragem a sua autonomia geoestratégica, a necessidade de reforçar a segurança e a defesa autónoma dos EUA, que foi o seu parceiro de segurança nos últimos 40 anos.

Por isso, acreditamos que esta é uma oportunidade que a Europa deve aproveitar, aprofundando a institucionalização europeia e abrindo dois caminhos que ainda não foram totalmente explorados: uma defesa única e uma política externa comum. Mas nós, convencidos de que a ligação atlântica é e será essencial, acreditamos que a Europa deve fazê-lo tentando manter os seus laços com os EUA o mais possível. Mas agora, a prioridade é como reforçar a autonomia estratégica e de segurança da Europa, e parece que as decisões que a Comissão Europeia e o Conselho estão a tomar estão a caminhar nesse sentido. Nesta perspetiva, acreditamos que esta representa uma oportunidade. 

Falou sobre, deste lado, o ponto do triângulo ser ibérico. Há muitas semelhanças entre o pensamento português e espanhol sobre estas questões? 

Completamente. As visões atlântica e transatlântica de Espanha e de Portugal são muito semelhantes, mas também muito complementares, porque a experiência histórica de Espanha e de Portugal, numa perspectiva atlântica, tem sido um pouco diferente. A relação privilegiada de Portugal com o Brasil e a relação de Espanha com os restantes países latino-americanos de língua espanhola torna as suas visões altamente complementares. Do ponto de vista da segurança e da defesa, Portugal teve uma trajetória mais longa e intensa do que Espanha, também por razões históricas. Por isso, creio que a perspetiva espanhola sobre a ligação atlântica é grandemente enriquecida pela visão portuguesa. 

Há algum orador do Foro que queira destacar?

Acredito que teremos um nível extraordinário, como sempre, e mais do que destacar um ou outro, farei um breve resumo dos pontos-chave do programa. Obviamente, tudo girará em torno da encruzilhada estratégica que a Europa enfrenta atualmente e teremos perspetivas diversas. A perspectiva transatlântica pura, onde poderemos contar com o ex-comissário Josep Borrell, o secretário-geral ibero-americano Andrés Allamand e Augusto Santos Silva, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e presidente da Assembleia da República, que acredito que nos podem dar uma visão geral.

Teremos presentes os dois ministros da Defesa de Espanha e de Portugal, que nos poderão dar a sua perspetiva sobre o rumo que esta nova política de defesa da União Europeia deverá tomar. Teremos o ministro da Agricultura espanhol, Luis Planas, um grande especialista em Europa, que nos poderá dar a sua perspetiva sobre o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, que acreditamos ser mais importante do que nunca neste momento.

E vamos ter dois diálogos muito interessantes: um entre os presidentes do empresariado espanhol, Antonio Garamendi, e o português Armindo Monteiro, e depois um diálogo que será certamente cheio de inteligência entre o ex-presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, e o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que também foi comissário europeu. Considero que ambos têm uma visão muito rica e atual de como é hoje a Europa. Tirámos o presidente da câmara da sua zona natural de ocupação dos últimos anos e pedimos-lhe que falasse com Rajoy e da sua visão para a Europa.

Acredito que será um fórum do mais alto nível e nos permitirá abordar, a partir de perspetivas muito diferentes, o momento tão crítico que o vínculo atlântico está a viver, que a Europa está a viver, e o extraordinário desafio que enfrenta no reforço da sua autonomia estratégica e de segurança.

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