Serão os Romanov os verdadeiros fundadores da Rússia, mesmo que Ivan, o Terrível, tenha sido o primeiro czar?Sim, acredito que sim. De certa forma, Ivan, o Terrível, foi o fundador da dinastia Romanov quando se casou com Anastasia Romanovna, e o seu filho, Fiódor, foi tecnicamente o último Rurikida, mas também um Romanov por via materna. Portanto, sim, os dois estão intimamente ligados e vejo-os como interligados. Mas, após os Rurikidas, a Rússia sofreu um colapso estatal, pelo que o projeto Romanov representou também uma refundação do Estado moscovita.A ascensão da família foi inesperada? Sim e não: havia muitos candidatos a tornarem-se grão-príncipe ou czar em 1613, mas Mikhail Romanov foi sempre o melhor candidato, razão pela qual foi escondido pela sua família e cortesãos, e pela qual os seus inimigos moscovitas e estrangeiros, incluindo suecos e polacos, o perseguiram e esperavam matá-lo. A sua ligação a Ivan, o Terrível, e a Fiódor sempre o tornaram o candidato mais legítimo para uma nova versão do antigo Estado.Pedro, o Grande, merece a sua reputação de modernizador do império?Sim, mereceu a sua reputação em todos os aspetos. Foi verdadeiramente uma personagem extraordinária e, como líder político e monarca, possuía todos os talentos necessários.Houve várias czarinas, mas, sobretudo, como é que uma alemã, Catarina, a Grande, se pôde tornar tão poderosa e influente na História russa? Bem, muitos monarcas dos séculos XVIII e XIX por toda a Europa tinham ligações com outros países, pois é da natureza das monarquias casar os seus filhos com membros de outras dinastias para fins políticos. Para as monarquias cristãs não-católicas, os principados alemães do Sacro Império Romano-Germânico eram inevitavelmente as fontes mais conve- nientes de parceiros matrimoniais. A Rússia estava a expandir a sua influência na Alemanha sob o reinado de Pedro I, pelo que ele e os seus sucessores casaram-se com princesas oriundas de dinastias alemãs. Isto torna-se menos surpreendente quando se percebe que o marido de Catarina, o legítimo czar, também era alemão e, em termos de política e cultura, era mais alemão do que ela. Ironicamente, ela era a escolha russa. Além disso, o que diferenciava a Rússia era que a sua autocracia era tão absoluta que uma esposa podia depor o marido e tornar-se imperatriz por direito próprio, assumindo todos os poderes do autocrata.Alexandre I foi decisivo na derrota de Napoleão? Foi decisivo no sentido em que, ao manter o Estado unido, não ser deposto e não se render, possibilitou a derrota de Napoleão. Alexandre é subestimado em muitos aspetos. Em parte, porque enfrentou um génio como Bonaparte. Expôs-se ao ridículo ao tentar comandar batalhas contra Napoleão. Foi então obrigado a submeter-se à França. Mas manteve a calma e esperou, o que demonstrou capacidade política. Na invasão da Rússia, foi obrigado a ceder demasiado poder a Kutuzov. Mas, uma vez iniciada a retirada, mostrou que tinha amadurecido e aprendido muito - essencial para um líder - e formou realmente a coligação que lutou contra Napoleão até Paris. Por isso, apesar de todas as suas vaidades e excentricidades, revelou-se bastante eficaz..Os últimos 90 anos da dinastia foram um fracasso, com os Romanov incapazes de modernizar o império? O verdadeiro fracasso não foi apenas a falha em reformar, mas também a falha em criar uma versão do império que abrangesse todos os seus povos não-russos. Era um império multiétnico e a insensatez de abraçar o ultraslavofilismo ou o nacionalismo russo fazia pouco sentido num império que incluía 50% de não-russos. Faz mais sentido agora, no atual Estado russo, para Putin, porque já não contém tantos finlandeses, polacos, judeus, georgianos, etc.A Revolução de 1917 só foi possível porque Nicolau II era um czar fraco e hesitante?Pode ser que o império fosse irreformável, mas Nicolau II definitivamente piorou-o muito. Era mais forte do que parecia, no entanto. Recorde-se que governou mais de 20 anos, apesar de uma série de desastres, alguns por sua culpa. A Revolução foi realmente possível porque, ao contrário de 1905, o Exército virou-se contra ele. Houve tumultos espontâneos em Petrogrado, mas poderiam ter sido reprimidos. Mas a Guarda Imperial tinha sido dizimada na ofensiva de Brusilov e os generais viraram-se contra o czar. Na prática, foi um golpe militar.O mito de Anastasia indica a popularidade dos Romanov?Tais mitos são inevitáveis: a necessidade de lendas de sobrevivência, redenção e inocência está profundamente enraizada nas nossas almas.A União Soviética representou uma rutura completa com a tradição imperial, ou havia algo dos Romanov no sistema?Sim, havia algo de muito imperial nos soviéticos. Lenine trabalhou arduamente para reunir o máximo possível do império Romanov. Necessitava dos recursos e da massa territorial da Ucrânia, para além da Bielorrússia, e recuperou-os, juntamente com o Turquestão e o Cáucaso. Mas não conseguiu retomar a Finlândia, os países bálticos e a Polónia. Estaline estudou a liderança imperial, sobretudo Ivan e Pedro, e compreendeu que “o povo precisa de um czar” e que ele seria uma versão marxista do czar. Mas também sabia que os interesses russos eram semelhantes aos soviéticos e seguiu uma política semi-imperial, conquistando um império maior em 1945 do que os czares poderiam ter sonhado...Vladimir Putin está a tentar ser a síntese do poder soviético com a força da Rússia czarista? Sim, Putin está a canalizar tanto o poder Romanov como o soviético para um novo paradigma de Estado russo e de glória que cooptou Pedro, o Grande, e Catarina e Potemkin numa única narrativa com as vitórias de Estaline na Segunda Guerra Mundial. E, claro, tal como Ivan e Pedro e Potemkin/Catarina e Lenine, acredita que a Ucrânia é essencial para o Estado russo...."Existem muitos países com um preconceito compreensível contra as antigas potências imperiais"