Há muitas páginas sobre Portugal neste seu livro: sobre os Descobrimentos, sobre a dinastia dos Braganças e a independência do Brasil; e depois há também algumas referências a Portugal contemporâneo quando fala na guerra na África austral. Tem pois muito mais menções a Portugal do que é costume numa história mundial, mesmo num livro grande como este, que ultrapassa as mil páginas. Tem interesse especial na História de Portugal devido a ter obtido a nacionalidade portuguesa? Claro que sim. É uma grande ligação para mim. Todas as decisões tomadas em relação ao livro decorrem, na verdade, do gosto pessoal. Eu tenho uma grande ligação a Portugal, especialmente agora com a minha nacionalidade. Claro que Portugal é muito importante na História, mas também é importante para mim..Qual é a história da sua família e a sua ligação com Portugal? Sem entrar em muitos pormenores, quando fizemos o pedido, tivemos de provar que descendíamos de judeus portugueses e conseguimos fazê-lo..Data essa ligação do século XV, quando D. Manuel I expulsou os judeus? Sim, do século XV mesmo..Os seus antepassados foram para Marrocos, para o Império Otomano ou para Itália? Alguns foram para Marrocos e outros para Inglaterra, e embora não conseguissem ir para Inglaterra na altura, acabaram por lá chegar. Outros foram para os Países Baixos..Montefiore é um nome com ressonâncias italianas. Portanto, houve um ramo da família que foi para Itália? Sim. Foram primeiro para Itália e depois mudaram-se para Londres, outros foram dos Países Baixos para Londres, mas houve quem tivesse ido primeiro para Marrocos e só depois para Londres. É complicado, não há uma resposta simples..Na família Montefiore houve sempre esta ideia da ligação a Portugal? Sim, porque a comunidade em Inglaterra foi sempre de judeus espanhóis e portugueses, por isso sempre soubemos da ligação a Portugal. Há muitos que ainda têm nomes portugueses..Há alguns anos fiz uma entrevista a um historiador francês que também tem um livro dedicado à história mundial e perguntei-lhe que países, ou povos, ele considerava que se tinham transcendido. A resposta foi muito curiosa, porque ele disse que tinham sido os portugueses, os mongóis e os holandeses entre todos os outros. Isto faz sentido para si? Claro que vários países pequenos tiveram influência, como esses, mas temos de acrescentar os britânicos também, obviamente..Nós não olhamos para o Reino Unido como um pequeno país... Agora não, mas era um país muito pequeno. Inglaterra, Portugal e a Holanda eram muito parecidos, eram no início da expansão países muito pequenos com uma mistura de dinamismo mercantil, uma combatividade feroz e também um conhecimento técnico de navegação. Esse conhecimento começou com os portugueses, claro, e toda a gente aprendeu com eles a construção dos navios..Considera que os judeus foram importantes entre os pequenos povos que tiveram uma enorme influência na História Mundial? Claro que sim..Não tem problema em olhar para os judeus de uma forma não religiosa, ou seja como um povo? O judaísmo é complicado. Começou como uma nação, a Judeia. Quando eles deixaram a Judeia tornaram-se judeus e eram um povo que tinha a sua religião e decididamente uma cultura também..E tiveram um impacto enorme na História do mundo... Neste livro tenho uma abordagem diferente, porque uma das coisas que percebi foi que os judeus sempre tiveram um tratamento diferenciado, e a cultura da excecionalidade judaica é uma faca de dois gumes. Quando escrevi Jerusalém, que é efetivamente uma história da Judeia e dos judeus, estudei a história da região com um foco na cidade, mas agora toda a gente anda a comprar esse livro..É curioso que fale nisso, porque este seu novo livro é essencialmente sobre as famílias ou dinastias, mas a história dos judeus é mais sobre indivíduos... Há lá muito sobre famílias judias em geral, mas há duas famílias muito poderosas neste livro: a do Duque de Naxos, que era em parte português, e a Rothschild, no século XIX, sendo ambas as famílias de comerciantes e banqueiros. Eram famílias muito poderosas, conselheiros imperiais, a primeira, e dos primeiros-ministros de Inglaterra, a segunda. Mas, o ponto é que resolvi ter uma abordagem diferente neste livro e tratar os judeus como menos excecionais, decidi fazer tudo de forma diferente, também trato Israel como menos excecional..Quando falamos da política atual pensa que o seu livro Jerusalém, que é provavelmente o seu livro mais popular em Portugal, ajuda a explicar a atual guerra entre Israel e o Hamas? Temos de compreender a História para compreendermos esta guerra, todas as guerras? Sem dúvida que sim. Este é um dos poucos livros que apresenta ambos os lados igualmente. Claro que até isso é controverso agora porque há pessoas que pensam que Israel devia ser simplesmente liquidado, mas para as pessoas sensatas que acreditam na existência de ambos é um livro útil, que deve ser lido..Na sua conferência em Lisboa, na Aula Magna, mencionou a civilização árabe em termos muito positivos... Foi irónico, não foi? Aquela interrupção de uma senhora pró-palestiniana a gritar palavras de ordem contra Israel nesse exato momento. Porque o Hamas é o pior que pode existir na civilização árabe..O célebre arabista Bernard Lewis tem um livro com o título O que Correu Mal?, que é sobre a razão por que a civilização árabe, de repente, nos séculos recentes, ter mais que ver com ditadura do que com cultura, ainda que não automaticamente com miséria pois alguns dos países são muito ricos graças ao petróleo. Mas quando olha para a História dos países árabes, como é que explica que as suas sociedades não sejam tão brilhantes hoje como já foram? Penso que há muitas razões. Uma delas foi que quando o império caiu foi conquistado pelos turcos. Foi destruído a partir de dentro pelo seu próprio exército, que era a certa altura recrutado entre os turcos. A cultura foi destruída. Os turcos tinham uma cultura diferente, eram das estepes, e demorou muito tempo até aprenderem a cultura árabe e persa e basicamente destruíram o império. Também houve outras razões, houve uma mudança na natureza do ser islâmico. Os otomanos degradaram verdadeiramente a sociedade árabe..Não olha para o Império Otomano como algo positivo em termos da História mundial? Muitos historiadores descrevem o Império Otomano como verdadeiramente multinacional, respeitador das diferentes religiões e etnias. Não o vê assim? É um pouco um mito. Houve vários períodos positivos e outros em que foi muito intolerante. Durou sete séculos. É um pouco como falar sobre o Império Romano, durante o qual muitas coisas diferentes aconteceram e que teve períodos muito diversos. O facto é que a tolerância do império Otomano foi bastante exagerada. O verdadeiro período dourado de tolerância foi o Tanzimat no meio do século XIX, que lhes foi imposto pelos britânicos. Portanto, é um pouco de mito, mas é um mito com uma mensagem subjacente que é, de certa forma, anti-ocidental. É uma narrativa de como os americanos trouxeram a intolerância e a simplificação exagerada para o Médio Oriente, por contraponto a um era anterior brilhante, um mito....Quando olhamos para este livro faz sentido falar do Ocidente e do Resto? Vê as mesmas tendências em diferentes partes do mundo na mesma época ou são realidades completamente separadas? Não são realidades completamente separadas, tudo está interligado. Já não existe estritamente o Ocidente, porque há muitos países que estão no Ocidente e que não estão lá realmente. A propósito, acho que a expressão Sul Global é absurda, mas obviamente existem hoje muitos países com um preconceito compreensível contra as antigas potências imperiais, mesmo 100, 60 ou 50 anos depois do império. Por exemplo, a África do Sul é ainda muito pró-Rússia devido à relação do ANC com a União Soviética. Temos de olhar para todos estes casos individuais para perceber porque é que têm certas atitudes..No seu livro menciona a conquista de Ceuta em 1415 pelos portugueses, que é, provavelmente, o início da era colonial, pois deixa de ser apenas uma cruzada e começa uma nova espécie de ambição. Sim, é a abertura do mapa também para África. Outra diferença neste livro é que eu não trato África como um mundo completamente separado. Para mim a África e a Eurásia sempre foi uma unidade, que incluía certamente o Norte de África e, mesmo às vezes, incluía a África central e ocidental..As Américas até Cristóvão Colombo faziam parte de um mundo completamente diferente? Sim..Mas, na sua opinião, com o mesmo tipo de tendências ou devido à separação pelo Oceano... O que é interessante é que na História moderna e progressista é-nos dito que populações como os Incas, os Aztecas, os povos indígenas na América do Norte, eram todos amantes da paz, inocentes e que nós, espanhóis, ingleses e portugueses fomos uma espécie de genocidas. Na verdade, tal como mostro no livro, essa é uma atitude muito paternalista, pois de facto já existia muita violência e confrontos entre esses povos. Eles eram construtores de impérios que, de repente, foram apanhados, surpreendidos, por um império maior..Quando olha para o mundo de hoje em dia é óbvio que os Estados Unidos são uma superpotência. Há uma explicação para a América ser ainda tão hegemónica, mesmo depois da fortíssima concorrência da Rússia no século XX e agora da China em ascensão? Isso deve-se à democracia, ao equilíbrio de poderes, pesos e contrapesos, que permite que o dinamismo floresça na América. De certo modo, a política americana ainda permite isso, o sistema federal é dinâmico e flexível. Quando vemos que os impostos sobem em Nova Iorque, podemos mudar-nos para o Texas ou para a Florida, por exemplo. A política externa ainda é decidida pelo Presidente, mas dentro do país ainda é mais como a América antes de 1860, quando se podia escolher estilos de vida diferentes, o modo como se vivia dentro dos Estados Unidos. Não estou a falar de escravatura, nem de guerra, claro, estou a dizer que se se for uma pessoa que pensa que o aborto é o mais importante vai viver na Califórnia, se pensa que os impostos são o mais importante vai viver para a Florida... as pessoas tomam decisões e mudam de sítio dentro do sistema. Acho que há grandes diferenças de estilo de vida entre as diversas partes da América..Sei que é um perito na Rússia, até escreveu sobre os Romanov e também Estaline. A Rússia faz parte do Ocidente ou há algo que a torna diferente, que a faça não ser parte total da Europa e do Ocidente? Claro que a Rússia uma mistura, mas também tem uma História única como Estado e como cultura. Como Putin disse ao então vice-presidente Biden: "Nós parecemo-nos convosco, mas não somos como vocês"..Isso explica a necessidade de um conflito permanente, como este episódio da invasão da Ucrânia? Não há necessariamente um conflito permanente. Sempre houve suspeição, mas o que estamos a viver no tempo presente era completamente desnecessário e pode mudar também..Imagina, um dia, a China como uma democracia? Para ser competitiva com o Ocidente, precisa de mudar o sistema? Os chineses precisam de mudar o sistema. É óbvio que nos últimos cinco anos eles tomaram a decisão de reprimir a livre iniciativa e isso prejudicou-os muito. Se as plutocracias tomarem decisões liberais podem atingir o equilíbrio económico, mas se reprimirem a iniciativa... o capitalismo precisa de um certo tipo de confiança para sobreviver, para florescer. Eles sentem a instabilidade e Xi sente a necessidade de reprimir agora, e isso é muito mau para o crescimento económico..Falou na Aula Magna na Inteligência Artificial, também nas alterações climáticas como grandes ameaças à humanidade chinesa, mas disse que o nuclear é muito mais perigoso. Porquê? O nuclear é muito mais imediato, só é preciso um segundo. Vai haver erros terríveis e crises igualmente terríveis, mas a decisão de usar o nuclear é final. Um erro nuclear é de uma escala completamente diferente..Acha que ainda é a maior ameaça para o mundo? Sim. Parece terrível dizer isto, mas com o uso de uma arma nuclear tática podemos perder uma cidade inteira em algum lugar, mas o mundo sobrevive. A bomba de hidrogénio já é uma coisa completamente diferente, por isso depende do tipo de arma nuclear de que estamos a falar.