Myanmar (antiga Birmânia) vai a votos este domingo. Que eleições são estas?Em agosto, a junta militar birmanesa, que voltou ao poder após o golpe de fevereiro de 2021, anunciou finalmente que as eleições se iam realizar de forma faseada a 28 de dezembro e 11 de janeiro. A ida às urnas, que visa a alegada restauração do sistema democrático no país, tinha sido inicialmente prometida para 2023, mas teve que ser adiada sucessivamente por causa da guerra civil - que ainda não acabou. Os grupos armados controlam grande parte do território e o líder da junta militar, o general Min Aung Hlaing, admitiu que a votação não vai decorrer em todo o país. Críticos denunciam uma “farsa” que tem como objetivo manter os generais no poder. O que é que esteve por detrás do golpe militar de 2021?Após quase cinco décadas de ditadura militar (1962-2011), a Liga Nacional pela Democracia (LND) da Nobel da Paz Aung San Suu Kyi (cuja vitória eleitoral em 1990 tinha sido rejeitada pela junta) conseguiu uma supermaioria nas eleições de 2015. Suu Kyi não pode ser presidente, porque segundo a Constituição o cargo não pode ser ocupado por alguém que tenha filhos nascidos noutro país (os filhos da Nobel da Paz de 1991 nasceram no Reino Unido). Mas ela era considerada a líder de facto do país, apesar de no papel ser só chefe da diplomacia. Nas eleições de novembro de 2020, a LND voltou a ganhar de forma esmagadora, mas os militares alegaram fraude massiva (os observadores internacionais rejeitaram esta análise). A 1 de fevereiro de 2021, quando se preparava para assumir o novo mandato, os militares prenderam Suu Kyi e o presidente Win Myint, e a junta subiu de novo ao poder. Qual foi a reação da população?Dezenas de milhares de birmaneses protestaram contra a detenção de Suu Kyi, mas foram violentamente reprimidos pelos militares. Isso levou a que muitos resolvessem pegar em armas contra a junta, num movimento de rebelião, com os militares a terem que combater também grupo étnicos armados que há anos lutavam pela independência. A LND e ativistas pró-democracia criaram entretanto uma administração civil paralela, o Governo de União Nacional. Mas o país vive em guerra civil. Estima-se que a junta só controle 20 a 25% do território, nomeadamente as grandes cidades como a antiga capital Yangon (Rangum) e a nova, Nepiedó, ou Mandalai. Como é possível então realizarem-se as eleições?Há 330 municípios no país, mas o general Min Aung Hlaing admitiu que não seria possível realizar eleições a nível nacional. A primeira fase, este domingo, 28 de dezembro, vai ver eleições em mais de cem municípios, incluindo Yangon, seguindo-se outros cem na próxima fase, a 11 de janeiro. Uma terceira fase é possível no final do mês, mas ainda não foram adiantados pormenores. A votação realiza-se em mais de 50 mil máquinas eletrónicas de voto, mas não foi dito quando os resultados serão anunciados. Quem concorre às eleições?Há 57 partidos no boletim de voto, mas só seis a nível nacional e a maioria tem ligações aos militares. O tradicional Partido da União, Solidariedade e Desenvolvimento (PUSD, ultranacionalista e pró-militar) é o que apresenta mais candidatos (1018 num total de 4963), surgindo sem adversários em muitos municípios. A LND foi dissolvida, tal como outros partidos que concorreram nas últimas eleições, e os rebeldes apelam ao boicote. Tal como nas eleições de 2010, com os militares a terem direito a 25% de cada uma das câmaras do Parlamento e prevendo-se que os aliados do PUSD conquistem um grande número de lugares, os militares terão poder para influenciar a escolha do presidente (que é eleito pelos deputados), a formação do governo, além das nomeações para o poder judicial.Como é que a comunidade internacional está a ver estas eleições?A China, principal aliada de Myanmar, apoia a realização das eleições. As Nações Unidas, muitos países ocidentais e grupos de defesa dos direitos humanos afirmam que a eleição é uma farsa destinada a perpetuar o regime militar. “Estas eleições estão claramente a decorrer num ambiente de violência e repressão”, disse o comissário dos Direitos Humanos da ONU, Volker Türk, “Não existem condições para o exercício dos direitos à liberdade de expressão, de associação ou de reunião pacífica”, acrescentou, dizendo que o problema não é apenas a junta militar, que está a forçar os birmaneses deslocados a regressar a casa para votar, mas também os grupos armados, havendo alguns que ameaçaram os eleitores que fossem votar. O porta-voz da junta, Zaw Min Tun, rebateu no dia 14 as críticas internacionais à eleição, afirmando que a medida tem apoio popular e não está a ser conduzida com coação, força ou repressão. “Se a comunidade internacional está satisfeita ou não, é irrelevante.” A junta diz ainda que vai continuar a avançar “para o seu objetivo original de regressar a um sistema democrático multipartidário”. E Aung San Suu Kyi?A sua fama foi abalada a nível internacional por causa do tratamento da minoria rohingya quando era a líder de facto do país, mas a nível interno continua popular e é sinónimo de democracia. Está detida desde o golpe militar (durante a ditadura já tinha passado 21 anos presa, 15 deles em domiciliária), tendo sido condenada a 27 anos de prisão por crimes como corrupção ou violação das restrições durante a covid-19. Tem 80 anos e a sua saúde é sempre motivo de preocupação para os filhos. Na semana passada, a junta disse que ela estava bem de saúde, mas não apresentaram provas.