O risco de escolher um vice gay e a "deslealdade" a Biden: revelações do livro de Kamala Harris
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O risco de escolher um vice gay e a "deslealdade" a Biden: revelações do livro de Kamala Harris

Em '107 Days', a ex-vice-presidente e ex-candidata democrata às presidenciais de 2024 recorda os 107 dias da sua campanha após a desistência do presidente, que terminaram com a derrota face a Trump.
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"Já estávamos a pedir muito aos Estados Unidos: aceitar uma mulher, uma mulher negra, uma mulher negra casada com um homem judeu. Parte de mim queria dizer: que se lixe, vamos em frente. Mas sabendo o que estava em jogo, era um risco muito grande." A citação é de 107 Days, o livro de Kamala Harris em que a vice de Joe Biden e candidata democrata às presidenciais de 2024 conta os 107 dias da sua campanha, após a desistência do presidente Biden devido aos problemas de saúde, e o "risco" era o de escolher Pete Buttigieg, homossexual assumido, para seu vice-presidente. Esta é uma das revelações destas memórias, em que Harris explica que o ex-secretário dos Transportes era a sua primeira escolha para se juntar a ela no ticket democrata, mas admite que concorrer com um homem gay seria "um risco demasiado grande". "Teria sido o parceiro ideal — se eu fosse um homem branco heterossexual", escreveu Harris.

Palavras que já estão a causar alguma comoção entre os democratas. O próprio Buttigieg já reagiu, tendo-se manifestado "surpreendido". "A minha experiência na política tem sido que a forma como se ganha a confiança dos eleitores baseia-se principalmente no que eles acham que vamos fazer pelas suas vidas, e não em categorias", afirmou ao Politico o veterano do Afeganistão, casado desde 2018 com Chasten Glezman e pai de dois filhos. E acrescentou: "Eu não teria concorrido à presidência [em 2020] se não acreditasse nisso."

Em vez de Buttigieg, Harris escolheu o governador do Minnesota Mike Walz para candidato a vice, preferindo, como também admite no livro, alguém que não tinha ambições presidenciais a outro nome de que se falou para seu vice, Josh Shapiro. Harris afirma que o governador da Pensilvânia era demasiado ambicioso para ser o número dois, revelando que Shapiro terá perguntado à sua equipa quantas divisões tinha a residência do vice-presidente e como podia enviar obras de artistas da Pensilvânia para a sua potencial nova casa.

Shapiro, tal como a própria Harris e Buttigieg apontado como possível candidato à nomeação democrata para as presidenciais de 2028, também já reagiu. Primeiro através do seu porta-voz, Manuel Bonder, que, em comunicado, considerou "simplesmente ridículo sugerir que o governador Shapiro estava focado em qualquer outra coisa que não fosse derrotar Donald Trump".

Quanto a Shapiro, questionado por Stephen A. Smith no podcast deste, garantiu que Harris vai "ter de responder" pela sua decisão de não alertar os americanos para o declínio na capacidade de Biden para exercer o cargo. Biden, que teria tido 82 anos no momento da posse se tivesse sido reeleito, acabou por desistir da corrida às presidenciais a 21 de julho, pouco mais de três meses antes do escrutínio, pressionado pelas críticas tanto dos republicanos como de dentro do seu próprio Partido Democrata.

No livro, Harris questiona a sua decisão de não confrontar Biden, explicando que "de todas as pessoas na Casa Branca, eu estava na pior posição para defender que ele deveria desistir" e temia que, se o fizesse, isso fosse visto como "incrivelmente egoísta" e uma "deslealdade venenosa". A ex-vice-presidente não tece comentários sobre se Biden se deveria sequer ter candidatado a um segundo mandato, defendendo mesmo a capacidade do presidente para cumprir a sua função. Mas admite que a equipa do presidente geriu mal o seu cansaço, o que piorou a situação.

Harris escreve que talvez devesse ter dito a Biden, após o desastroso debate deste com Trump, para desistir, mas que, no final, foi "uma decisão de Joe e [da sua mulher] Jill". O que, reconhece, pode ter sido uma "imprudência". Numa entrevista à MSNBC na segunda-feira, Harris admitiu: "Tenho e tinha uma certa responsabilidade que deveria ter cumprido... Quando falo sobre imprudência, acima de tudo, estou a falar de mim mesma."

Discreta por natureza, Harris confessa neste livro alguns aspetos mais pessoais. Como o impacto que a sua candidatura teve na relação com o marido, Doug Emhoff. Mas uma parte substancial da obra é dedicada a contar a sua própria história ao publico, desde o que a levou a ser procuradora-geral da Califórnia, passando pelos ensinamentos da mãe, cientista que investigou o cancro da mama e que imigrou para os EUA aos 19 anos (o pai era um economista de origem jamaicana).

O que fica por responder nestas memórias é o que espera do futuro Harris, que está em digressão pelos EUA para apresentar o livro. Ao não avançar com uma candidatura a governadora da Califórnia já nas intercalares de 2026, a ex-vice-presidente reforçou a especulação sobre as suas ambições para as presidenciais de 2028. Para já, limitou-se a escrever: "Precisamos criar o nosso próprio plano que defina a nossa visão alternativa para o nosso país", acrescentando que o "coração" da sua visão é investir na educação da Geração Z.

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