Naquela madrugada de novembro, quem seguia a noite eleitoral nos EUA, a meio da madrugada aqui de Lisboa já começara a perceber que o regresso de Donald Trump à Casa Branca era inevitável. Mais do que os resultados dos primeiros estados, foram as sondagens que dissecavam a votação nesses estados que deram pistas. Estas mostravam Kamala Harris a fazer pior do que Joe Biden com três grupos essenciais - negros, latinos e jovens. E nem nas mulheres a vice-presidente conseguia melhor do que outros candidatos democratas nas eleições anteriores. Conhecidos os resultados finais, a vitória de Trump foi inequívoca - ganhou no voto popular, varreu os sete swing states e conquistou 312 votos no colégio eleitoral, quando bastam 270 para vencer.Passados nove meses de uma derrota que deixou o Partido Democrata sem liderança clara, Kamala Harris anunciou agora que não será candidata a governadora da Califórnia em 2026. Um fechar de porta que muitos veem como o abrir de uma janela para as presidenciais de 2028. Mas se Kamala Harris 2024 não convenceu os eleitores, o que garante que o fará em 2028?Não falta, claro, quem ponha a culpa da derrota da vice de Biden na demora deste em sair de cena. Aos 81 anos e com problemas de saúde, o presidente só deixou três meses para Kamala Harris organizar uma campanha. Nunca saberemos se o resultado teria sido diferente se a democrata tivesse tido mais tempo. Mas já em 2020 a filha de um jamaicano e de uma indiana se tentara tornar na primeira mulher a chegar à Casa Branca. Na altura, acabara por desistir ainda antes das primárias, apoiando Biden, que depois a escolheria para vice. Aos 60 anos, a mulher que acaba de lançar o livro 107 Days (sobre os 107 dias que durou a sua campanha) é sem dúvida o nome democrata com maior reconhecimento nacional. Mas num partido à procura de um líder para o futuro muitos desconfiam de uma candidata que traz com ela a bagagem da era Biden. É verdade que muita do moral dos democratas vai depender das intercalares do próximo ano, onde precisam recuperar pelo menos uma das câmaras do Congresso. E não faltam já (pré)candidatos às presidenciais - do ex-secretário dos Transportes Pete Buttigieg ao governador da Califórnia Gavin Newsom, passando pela própria Kamala Harris. Isto só para falar dos mais mainstream, porque uma ala mais à esquerda sonha isso sim com uma candidatura de Alexandria Ocasio-Cortez, a congressista de Nova Iorque que tem percorrido o país ao lado do senador (e ex-candidato presidencial) Bernie Sanders num tour que visa mobilizar as bases democratas. Ora numas presidenciais em que Trump já não estará na equação e perante a incerteza também do lado republicano (JD Vance chegará a 2028 como o herdeiro de Trump?) mais do que voltar ao passado ou virar à esquerda, o Partido Democrata continua à procura de uma figura “obamiana” para o inspirar. E reconquistar a América.Editora-executiva do Diário de Notícias