“Alguém sabe explicar? Quem é que esteve com ele pela última vez?”A pergunta correu no grupo de Whatsapp de colegas e ex-colegas do Portal SAPO, esta manhã, ante a notícia que desde as primeiras horas da madrugada fazia manchetes nos EUA: fora encontrado e identificado o suspeito do homicídio, em Boston, do físico português Nuno Loureiro e da autoria do ataque na Universidade de Brown que matou dois alunos.“Quando acordei e vi nas notícias o nome completo, Cláudio Manuel Neves Valente, não relacionei. Só percebi que era ele porque num dos grupos do WhatsApp alguém disse ‘Vocês viram o Cláudio?’ Ficámos todos em choque, a reação generalizada foi ‘Fónix, o Cláudio? Como??”A voz é de Olga (não é o nome dela), 56 anos. Quando o DN a contacta, começa por dizer que gostava muito de Cláudio, com quem trabalhou “por duas vezes, a primeira a partir de 2001, durante uns cinco ou seis anos, e depois de novo mais tarde. Porque ele saiu e depois voltou. Era developer, ou seja, escrevia os códigos para programar os serviços do SAPO.”Olga, gestora de produto, conta que pedia muitas vezes aos developers que lhe explicassem coisas técnicas das quais não pescava nada, e que Cláudio tinha sempre paciência para o fazer. “Ele era absolutamente genial, de uma inteligência fora de série, mas muito simpático e extraordinariamente acessível. Tinha muita paciência e explicava. Era muito boa pessoa. Um doce, verdadeiramente. E toda a gente que no Sapo privou com ele diz isso, que ele era acessível e simpático.”Além disso, recorda, “tinha um sentido de humor apuradíssimo”. Suspira: “Tive com ele uma óptima experiência quer social quer profissional. Enquanto que houve, confesso, outros técnicos que me fizeram pensar ‘este um dia pega numa metralhadora e limpa esta gente toda’, ele não mandava essa vibe.” ."Tive com ele uma óptima experiência quer social quer profissional. Enquanto que houve, confesso, outros técnicos que me fizeram pensar ‘este um dia pega numa metralhadora e limpa esta gente toda’, ele não mandava essa vibe.”Ex-colega do Portal SAPO. Concede, apesar disso, que malgrado a simpatia Cláudio evidenciava algumas peculiaridades: ninguém sabia absolutamente nada da vida privada dele. “Era muito reservado nesse aspeto. Sabíamos, uns dos outros, dos filhos que foram nascendo, dos pais que foram morrendo. Não sabíamos de nada disso dele, se sequer os pais eram vivos, onde viviam ou onde ele vivia, se vivia com alguém… Havia ali muita gente que o estimava muito e que ele estimava mas não ia para os copos connosco, não frequentava as nossas casas. Ninguém era amigo dele fora do trabalho.”Na verdade, prossegue Olga, Cláudio era “um bocadinho weird [esquisito]. Mas sempre atribuí isso ao facto de ele ser tão inteligente. É aquela estranheza que te causa uma pessoa que joga num campeonato diferente do teu e tem de fazer um esforço para descer ao teu nível.” Até porque, acrescenta, “sabíamos que ele vinha do Instituto Superior Técnico, estava ali um bocado deslocado enquanto developer.”Cláudio — na madrugada desta sexta-feira (hora de Lisboa) encontrado morto, tudo leva a crer que por suicídio, pelas autoridades americanas — foi da mesma turma, no Técnico, do físico que é suspeito de ter assassinado com três tiros à queima-roupa na noite de 15 de dezembro, no prédio onde a vítima vivia. E, segundo informa o instituto, terminou o curso com a melhor nota — tendo inclusive sido convidado para monitor (aluno que ”ajuda” os professores nas aulas). Esse brilhantismo pode ter ajudado os colegas a compreender que um dia, do nada, Cláudio tenha chegado ao pé do chefe e anunciado que se ia embora. “Disse: amanhã já não venho e pronto. E fez isso das duas vezes, voltou e saiu da mesma forma, abruptamente”, conta a ex-colega. “A última pessoa do grupo a falar com ele disse que o viu ou contactou em 2017 ou 2018 e que ele estava de partida para os EUA.” Depois nunca mais souberam nada — até esta madrugada. Atónitos, os membros dos grupos do SAPO partilharam vídeos com ele. “Há um em que ele está a lançar um pião, na boa, feliz”, diz Olga, num eco de incredulidade. “E lembrámos os debates filosóficos que às vezes sucediam ao fim do dia. Lembro-me de um em que ele e outro informático estiveram três horas a discordar. O Cláudio dizia que o zero era par, e o outro que era ímpar, e apresentavam argumentos.”“Só resta o silêncio”Talvez o zero seja, por definição, as duas coisas, par e ímpar. Como as pessoas podem ser muitas coisas — luz e sombra, amor e ódio, vida e morte.O Cláudio que, tudo leva a crer, planeou um massacre numa universidade e o homicídio de um ex-colega de faculdade; o Cláudio de Olga, reservado, quase secreto, mas “um doce”; o Cláudio do qual uma professora do Técnico da sua turma (1995/2000) diz ao DN ter tido de fazer “um grande esforço” para se lembrar dele, “por ser muito passivo”, em absoluto contraste com Nuno Loureiro, “sempre muito animado e de quem toda a gente se recorda”; o Cláudio que um colega três anos mais velho e do mesmo curso de Engenharia Física Tecnológica do IST descreve, num post de Facebook, como alguém que “nas aulas tinha uma necessidade muito grande de se fazer notar e de mostrar que era melhor do que os outros”, “desagradável, envolvendo-se frequentemente em quezílias com colegas que ele não considerava tão brilhantes como ele (e que provavelmente não eram - mas eram seus colegas e tinham todo o direito de estarem ali)”.Este físico, que foi monitor da turma de Cláudio (e Nuno Loureiro) comenta que “o curso de Engenharia Física Tecnológica costuma ter alunos muito bons, mas aquele ano era particularmente bom. O Cláudio evidentemente era um dos melhores.” Mas as quezílias que refere marcaram a ideia com que ficou dele: “Eram totalmente desnecessárias, não adiantavam nada à aula, fazendo com que a recordação de dar aulas ao Cláudio nem seja das melhores (ao contrário de muitos outros colegas da mesma turma).” Ainda assim, mantiveram o contacto até certa altura: “Acompanhei o resto do seu percurso no Técnico e o início do seu doutoramento em Brown [a partir de 2000]. Troquei muitos emails com ele nessa altura e vi que ele mantinha a mesma atitude — que me contava — de manter conflitos desnecessários com colegas do doutoramento nas aulas, que mais uma vez ele considerava muito menos capazes do que ele — e que provavelmente até seriam. Pude-me aperceber de que ele não estava a gostar de estar na Universidade de Brown, mas procurei convencê-lo de que aquilo seria uma fase inicial, um choque cultural, mas que aquele doutoramento era uma excelente oportunidade que ele não deveria desperdiçar, e que quando ele começasse a fazer investigação e acabasse a fase curricular de certeza que iria gostar. Não adiantou. O Cláudio achava que nada daquilo valia a pena, que era uma perda de tempo e os outros eram todos uns incapazes. E desistiu do doutoramento ao fim de um ano. Foram as últimas notícias que tive dele.” ."Que era arrogante? Sim. Brilhante e arrogante. Como tantos em Física. Mas… que era assassino? Até ontem nem tu, nem eu, nem ninguém o imaginava capaz disto. Ninguém.”Ex-aluno do Instituto Superior Técnico. Na verdade, ainda viria a saber que Cláudio “tinha regressado a Portugal e estava a trabalhar, como informático, no portal SAPO (ou seja, na PT). Nunca mais soube nada dele até hoje. Nunca esperei que ele fosse capaz de uma coisa destas.”Nos comentários a este post, que é público, ex-alunos do Técnico e do mesmo curso de Cláudio exprimem o seu desagrado com as palavras do autor. “Que post inenarrável. Ainda por cima público. Para além de não corresponder em nada à imagem que muitos de nós têm do Cláudio, imagina que isto é lido por algum familiar, por outras pessoas próximas”, diz um dos indignados.“O Cláudio tinha um ego, sim, mas como ele éramos muitos. Éramos todos os maiores. E aos poucos todos aprendemos que afinal não o éramos. Uns mais cedo (eu logo no primeiro ano), outros mais tarde”, diz outro dos comentadores. “Que era arrogante? Sim. Brilhante e arrogante. Como tantos em Física. Mas… que era assassino? Até ontem nem tu, nem eu, nem ninguém o imaginava capaz disto. Ninguém. Não, ele não era um ‘assassino em formação’, não era um criminoso. Nos primeiros anos ele era dos que pagava bilhete de metro e comprava livros, enquanto que eu andava à borla e tirava fotocópias. Claramente era, ou tornou-se, um indivíduo perturbado, para lá do que eu, tu, ou alguém consiga perceber. E fez algo inimaginável, imperdoável e, infelizmente, inesquecível. Mas tu não sabias na altura, não sabias depois de ele voltar a Portugal, e não sabias sequer ontem. Nem eu. E nem quis acreditar quando li.”Não querer crer, realizar nada saber e ser melhor calar — é essa a conclusão de um terceiro: “Nunca pensei viver para assistir a esta novela trágica. Sobretudo envolvendo malta da Física do IST que, apesar de tudo, pareciam-me mais crianças em corpos de adultos em momentos de insegurança egóica. Estou dupla, triplamente chocado e indignado. Agora só me resta o silêncio.”