Novo plano dos EUA para a Ucrânia prevê congelamento da frente de combate mas questão territorial por resolver
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Novo plano dos EUA para a Ucrânia prevê congelamento da frente de combate mas questão territorial por resolver

Segundo Zelensky, a nova versão do plano não exige que a Ucrânia renuncie formalmente à adesão à NATO, outra grande exigência de Moscovo.
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O Presidente ucraniano afirmou que a versão mais recente do plano dos Estados Unidos para a Ucrânia prevê o congelamento das linhas da frente, mas não resolve a possível cedência de território a Moscovo.

De acordo com Volodymyr Zelensky, a nova versão do texto estipula que "a linha de posicionamento das tropas à data deste acordo é a linha de contacto reconhecida de facto", situação que abriria caminho a discussões sobre a criação de possíveis zonas desmilitarizadas.

“Um grupo de trabalho vai reunir-se para determinar o reposicionamento das forças necessárias para pôr fim ao conflito, bem como para definir os parâmetros de possíveis futuras zonas económicas especiais”, afirmou Zelensky, que proferiu estas declarações na terça-feira, mas que foram divulgadas esta quarta-feira, 24 de dezembro.

Este plano, apresentado há quase um mês, tem sido objeto de negociações separadas dos norte-americanos com ucranianos e russos, nomeadamente no fim de semana passado na Florida.

Novo plano dos EUA para a Ucrânia prevê congelamento da frente de combate mas questão territorial por resolver
Zelensky diz que eleições e referendo sobre plano de paz podem acontecer em simultâneo

O pacto tem como objetivo encerrar quase quatro anos de guerra entre a Rússia e a Ucrânia, embora a concordância de Moscovo não esteja garantida, pois as autoridades russas não mostram vontade em abandonar os objetivos.

Segundo Zelensky, as negociações entre Kiev e Washington ainda não conduziram a um consenso sobre estas questões territoriais, uma vez que Moscovo exige, em particular, que Kiev ceda a porção da região leste de Donetsk que ainda está sob o seu controlo.

O Presidente ucraniano referiu estar “pronto para se reunir com os Estados Unidos, ao nível de liderança, para tratar de questões sensíveis”, depois de ter solicitado anteriormente uma reunião trilateral com o Presidente russo, Vladimir Putin.

Segundo Zelensky, a nova versão do plano não exige que a Ucrânia renuncie formalmente à adesão à NATO, outra grande exigência de Moscovo.

“Cabe à NATO decidir se quer ou não acolher a Ucrânia como membro. E a nossa escolha já foi feita. Decidimos não alterar a Constituição ucraniana para incluir uma cláusula que declare que o país não aderirá à NATO”, declarou o líder ucraniano.

Uma versão anterior do plano, elaborada pelos Estados Unidos, exigia que Kiev se comprometesse legalmente a não aderir à Aliança.

Em relação à grande central nuclear de Zaporijia, ocupada pela Rússia desde 2022 e localizada no sul da Ucrânia, no plano propõe-se que seja operada em conjunto por Moscovo, Kiev e Washington, uma possibilidade rejeitada por Volodymyr Zelensky.

"Para a Ucrânia, isto parece muito inadequado e não totalmente realista", disse aos jornalistas.

O Presidente ucraniano afirmou ainda que o documento estipula que irá realizar eleições presidenciais após a assinatura de um acordo para o fim das hostilidades.

Indicou, no entanto, que qualquer acordo que preveja a retirada das tropas ucranianas teria de ser aprovado por um referendo popular, o que exigiria um cessar-fogo de 60 dias.

Zelensky disse que esperava uma resposta da Rússia esta quarta-feira sobre esta nova versão do plano norte-americano. "Teremos uma reação dos russos depois de os americanos falarem com eles", declarou.

Zelensky revela detalhes do plano de 20 pontos negociado com EUA

O Presidente ucraniano revelou detalhes da nova versão do plano apoiado pelos EUA para pôr fim à guerra na Ucrânia, afirmando que foi negociado entre representantes de Kiev e Washington e enviado para Moscovo para revisão.

O documento será complementado por acordos bilaterais adicionais entre os Estados Unidos e a Ucrânia, com foco na segurança e reconstrução. Volodymyr Zelensky não divulgou uma versão preliminar do documento, mas apresentou o conteúdo do plano ponto por ponto durante uma conferência de imprensa com jornalistas, em Kiev, na terça-feira, mas que só hoje foi divulgado.

Segue-se a transcrição completa de como descreveu o conteúdo do acordo, traduzida do ucraniano.

Plano dos 20 pontos:

1.º A soberania da Ucrânia será reafirmada. Declaramos que a Ucrânia é um Estado soberano, e todos os signatários do acordo confirmam isso com as suas assinaturas.

2.º Este documento é um pacto de não-agressão total e incondicional entre a Rússia e a Ucrânia. Para manter uma paz duradoura, será estabelecido um mecanismo de monitorização para controlar a linha de contacto através de vigilância aérea não tripulada, garantindo a comunicação rápida das violações e a resolução de litígios. As equipas técnicas finalizarão todos os detalhes.

3.º A Ucrânia receberá fortes garantias de segurança.

4.º As Forças Armadas da Ucrânia manterão um efetivo de 800.000 militares em tempo de paz.

5.º Os Estados Unidos, a NATO e os Estados europeus signatários fornecerão à Ucrânia garantias de segurança com base no artigo 5.º:

a) Se a Rússia invadir a Ucrânia, para além de uma resposta militar coordenada, todas as sanções globais contra a Rússia serão restabelecidas.

b) Se a Ucrânia invadir a Rússia ou abrir fogo em território russo sem provocação, as garantias de segurança serão consideradas nulas e sem efeito. Se a Rússia abrir fogo contra a Ucrânia, as garantias de segurança entrarão em vigor.

c) As garantias bilaterais de segurança não estão excluídas por este acordo.

6.º A Rússia formalizará uma política de não-agressão em relação à Europa e à Ucrânia em todas as leis e documentos necessários para a ratificação.

7.º A Ucrânia tornar-se-á membro da União Europeia num prazo precisamente definido e beneficiará, a curto prazo, de um acesso preferencial ao mercado europeu.

8. Um robusto programa de desenvolvimento global para a Ucrânia, a ser definido num acordo separado sobre investimento e prosperidade futura. Abrangerá uma vasta gama de áreas económicas, incluindo, entre outras:

(a) A criação de um Fundo de Desenvolvimento da Ucrânia para investir em setores de elevado crescimento, incluindo a tecnologia, os centros de dados e a inteligência artificial.

(b) Os Estados Unidos e as empresas norte-americanas cooperarão com a Ucrânia e coinvestirão na reconstrução, desenvolvimento, modernização e operação da infraestrutura de gás da Ucrânia, incluindo os seus gasodutos e instalações de armazenamento.

(c) Serão feitos esforços conjuntos para reconstruir as áreas devastadas pela guerra, restaurando, reconstruindo e modernizando as cidades e os bairros residenciais.

(d) Desenvolvimento de infraestruturas.

(e) Extração de minerais e recursos naturais.

(f) O Banco Mundial disponibilizará uma linha de financiamento especial para garantir fundos que acelerem estes esforços.

(g) Será criado um grupo de trabalho de alto nível, incluindo a nomeação de um líder financeiro global como administrador, para supervisionar a implementação do plano estratégico de reconstrução e maximizar as perspetivas de desenvolvimento futuro.

9.º Serão criados diversos fundos dedicados à recuperação da economia ucraniana, à reconstrução de áreas e regiões danificadas e a questões humanitárias.

a) Os Estados Unidos e os países europeus criarão um fundo de investimento de capital e de donativos de 200 mil milhões de dólares para um financiamento transparente e eficaz na Ucrânia.

b) Uma vasta gama de investimentos de capital e outros instrumentos financeiros será mobilizada para a reconstrução da Ucrânia pós-conflito. As instituições globais de reconstrução utilizarão mecanismos concebidos para fortalecer e facilitar estes esforços.

c) A Ucrânia aplicará os mais elevados padrões globais para atrair investimento direto estrangeiro.

d) A Ucrânia reserva-se o direito de procurar reparações pelos danos causados.

10.º Após a conclusão do presente acordo, a Ucrânia irá acelerar o processo de celebração de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos.

11.º A Ucrânia reafirma o seu compromisso de permanecer um Estado não nuclear, em conformidade com o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.

12.º A central nuclear de Zaporijia será operada conjuntamente por três países: Ucrânia, Estados Unidos e Rússia.

13.º Ambos os países comprometem-se a implementar programas educativos nas escolas e na sociedade que promovam a compreensão e a tolerância para com as diferentes culturas e combatam o racismo e o preconceito. A Ucrânia aplicará as normas da União Europeia relativas à tolerância religiosa e à proteção das línguas minoritárias.

14.º Nas regiões de Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson, a linha de posicionamento das tropas à data deste acordo é reconhecida de facto como a linha de contacto.

a) Nós, como partes, confirmamos de facto que esta é a linha de contacto – onde nos encontramos atualmente.

b) Um grupo de trabalho reunirá para determinar o reposicionamento das forças necessário para o fim do conflito, bem como para definir os parâmetros de potenciais futuras zonas económicas especiais.

c) Seguindo uma base equivalente para as movimentações militares, serão posicionadas forças internacionais ao longo da linha de contacto para monitorar o cumprimento deste acordo. Caso seja tomada a decisão de estabelecer tal zona, esta deverá receber aprovação especial do parlamento ucraniano ou ser submetida a referendo.

d) A Federação Russa deverá retirar as suas tropas das regiões de Dnipropetrovsk, Mykolaiv, Sumy e Kharkiv para que este acordo entre em vigor.

(e) As partes concordam em respeitar as regras, garantias e obrigações das Convenções de Genebra de 1949 e dos seus protocolos adicionais, que se aplicam integralmente ao território, incluindo os direitos humanos universalmente reconhecidos.

15.º Tendo concordado com os futuros arranjos territoriais, a Federação Russa e a Ucrânia comprometem-se a não alterar estas disposições pela força.

16.º A Rússia não impedirá a utilização do Rio Dniepre e do Mar Negro pela Ucrânia para fins comerciais.

17.º Será estabelecido um comité humanitário para resolver as questões pendentes.

a) Todos os restantes prisioneiros de guerra, incluindo os condenados na Rússia desde 2014 até ao presente, serão trocados em regime de "todos por todos" (todos os prisioneiros detidos, independentemente do número de prisioneiros de cada lado).

b) Todos os civis e reféns detidos, incluindo crianças e prisioneiros políticos, serão libertados.

c) Serão tomadas medidas para lidar com os problemas e o sofrimento das vítimas do conflito.

18.º A Ucrânia deve realizar eleições o mais rapidamente possível após a assinatura do acordo.

19.º Este acordo é juridicamente vinculativo. A sua aplicação será monitorizada e garantida por um Conselho de Paz presidido pelo Presidente [dos Estados Unidos, Donald] Trump. A Ucrânia, a Europa, a NATO, a Rússia e os Estados Unidos farão parte deste mecanismo. Serão aplicadas sanções em caso de violações.

20.º Assim que todas as partes aceitarem este acordo, entrará imediatamente em vigor um cessar-fogo completo.

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