A ex-chanceler alemã Angela Merkel reconhece que perdeu totalmente a sua reputação em países como Portugal, Espanha, Grécia e Itália pela sua política baseada em resgates a economias e bancos europeus em troca de austeridade rigorosa e duras reformas.."Haverá sempre a questão de saber se eu deveria simplesmente ter cedido e desistido de todas as exigências de duras medidas de austeridade e reformas económicas na Grécia, Portugal, Espanha e Itália. A minha reputação nestes países foi completamente arruinada", escreve Merkel na sua autobiografia publicada esta semana com o título "Liberdade"..Sobretudo a Grécia, mas também a Irlanda, Portugal e, em menor medida, Espanha e Itália, foram países que beneficiaram das ferramentas anticrise de que a União Europeia se dotou nos oito anos que durou a crise do euro, entre 2008 e 2016..Merkel, no entanto, manteve-se firme quando se tratou de aumentar as condições de acesso ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) ou ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), do qual a Irlanda e Portugal e, em 2012, a Espanha beneficiaram para "financiar os seus bancos"..No livro da ex-chanceler, a crise do euro ocupa um capítulo em que a antiga chefe do Governo alemão revê os momentos-chave daqueles momentos de dúvidas existenciais, em geral, sobre o euro e, em particular, relacionadas com a continuidade da Grécia na zona euro..Wolfgang Schäuble, que morreu há um ano e que foi ministro das Finanças de Merkel entre 2009 e 2017, propôs à então chanceler no verão de 2015, após uma cimeira mal sucedida, que "a melhor solução para todos seria a Grécia sair temporariamente da zona euro", algo que a chefe do Governo rejeitou.."Continuei a trabalhar para que a Grécia continuasse a ser membro da zona euro" porque "o euro era mais do que apenas uma moeda, simbolizava a irreversibilidade do processo de unificação europeia, e a Grécia fez parte de tudo isto", escreveu Merkel, que revelou que pensou muito sobre a continuidade da Grécia na zona euro, algo muito debatido na Alemanha naquela altura, desde o verão de 2012..A antiga chanceler recorda também nas suas memórias como em momentos decisivos do verão de 2015, pouco antes de ser decidido o terceiro resgate à Grécia, a sua relação com o primeiro-ministro grego, o esquerdista Alexis Tsipras, era boa..Ambos, segundo Merkel, assinaram uma "obra de arte da comunicação" quando em junho desse ano realizaram uma conferência de imprensa na qual, "com um tom amigável e próximo", e apesar de "grandes diferenças", falaram com "disposição para encontrar uma solução"..Isto não impediu Tsipras de fazer campanha pelo "não" no referendo sobre o terceiro programa de resgate e no qual foi imposta a recusa dos gregos..A conversa telefónica em que Tsipras telefonou a Merkel e ao então presidente francês, François Hollande, para os informar que iria convocar o referendo, "foi talvez o momento mais surpreendente de todos os telefonemas" que a ex-chanceler teve na sua carreira..A antiga chanceler recordou ainda nas suas memórias como, para tentar suavizar as condições de acesso ao fundo de resgate, o então primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, uma vez lhe telefonou a meio da noite, mas a líder alemã "manteve-se firme".."Se eu tivesse desistido de exigir uma melhor disciplina orçamental e competitividade nos países que necessitam de um resgate, para além do facto de nunca ter obtido a aprovação do meu próprio partido e da coligação, não teria agido de acordo com as minhas convicções", contou Merkel.."A alternativa eram garantias sem condições, o que gradualmente teria levado a que todos tivéssemos de assumir a responsabilidade pela dívida da zona euro", e isso teria acabado por "minar a confiança na moeda única", escreve ainda a antiga chanceler.