"Mataram um, dois, três". Polícia dispersa a tiro multidão que ouvia Mondlane no centro de Maputo
EPA/LUISA NHANTUMBO

"Mataram um, dois, três". Polícia dispersa a tiro multidão que ouvia Mondlane no centro de Maputo

Candidato presidencial falava aos apoiantes em cima de um carro quando uma carga policial provocou a fuga generalizada. "Que nos matem todos, menos o nosso presidente", afirmou um apoiante.
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A polícia dispersou esta quinta-feira, no centro de Maputo, com recurso a tiros e gás lacrimogéneo, uma multidão de apoiantes que ouviam o candidato presidencial Venâncio Mondlane, uma hora depois de ter regressado ao país, com pessoas a serem atingidas.

Na intervenção que fazia, na zona do Mercado Estrela, cerca das 10:00 locais (menos duas horas em Lisboa), Venâncio Mondlane voltou a dizer, como o fez em declarações aos jornalistas à chegada ao aeroporto, que vai até às últimas consequências pela reposição da verdade eleitoral, reafirmando-se vencedor das eleições gerais de 9 de outubro.

Ao fim de alguns minutos, ao falar aos apoiantes em cima de um carro de som, em que simbolicamente voltou a prestar juramento do que autointitulou tomada de posse, e depois de vários disparos e gás lacrimogéneo lançado na envolvente pela polícia, uma carga policial provocou a fuga generalizada, tendo sido feito o apelo para desmobilização, perante o som dos tiros, lançado por Venâncio Mondlane.

"Quando chegámos aqui a polícia veio com rajadas. Mataram um, dois, três. A bala está aqui", afirmou um dos apoiantes, Nélson Fumo, revoltado, ainda no Estrela.

Seguiram-se momentos de caos, com rajadas de tiro e novos lançamentos de gás lacrimogéneo, depois de um cortejo com milhares de pessoas a acompanharem o carro de Venâncio Mondlane do aeroporto até ao centro de Maputo.

"Que nos matem todos, menos o nosso presidente", afirmou Nélson Abrenjare, outro apoiante, logo após a carga policial, acrescentando o objetivo: "Para repormos a verdadeira liberdade, isto não tem nada a ver com liberdade".

No mesmo momento, Oliveira Chingone garantiu, quando ainda se ouviam rajadas de tiro na zona: "Vamos lutar em nome do nosso país. A Frelimo não vai governar".

Estes apoiantes acabaram por encetar a fuga por várias ruas envolventes, com a polícia a continuar a realizar disparos e lançamento de gás lacrimogéneo.

À Lusa fonte próxima do candidato presidencial disse que Venâncio Mondlane encontra-se em Maputo "em segurança" depois de a polícia ter dispersado uma multidão que o ouvia.

"Está em segurança, encontra-se hospedado em Maputo. Está bem", disse à Lusa fonte próxima do candidato.

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Mondlane chegou esta quinta-feira a Maputo cerca das 08:20 locais (menos duas horas em Lisboa), após dois meses e meio fora do país, seguindo depois para o centro da capital moçambicana com a sua comitiva rodeada de milhares de pessoas.

Nas declarações aos jornalistas no aeroporto, Mondlane acusou as autoridades moçambicanas de "uma espécie de genocídio silencioso" na repressão à contestação dos resultados das eleições gerais de 09 de outubro, mas manifestou-se disponível para o diálogo e para negociar.

Partidos políticos abertos a integrar Mondlane no diálogo interno

Também esta quinta-feira, cinco partidos políticos moçambicanos asseguraram, após novo encontro com o presidente de Moçambique, que as formações que discutem soluções face à tensão pós-eleitoral estão abertas a integrar o candidato presidencial Venâncio Mondlane no diálogo interno.

 "A mesa de diálogo presente está em aberto, mas como dissemos inicialmente, o que está presente são plataformas partidárias e sendo plataformas partidárias, nós estamos aqui a trabalhar, mas reitero que a mesa de diálogo está em aberto", declarou Daniel Chapo, secretário-geral da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, durante a apresentação de um comunicado conjunto, respondendo a uma pergunta sobre a integração de Venâncio Mondlane nas discussões.

Dirigentes dos cinco partidos - Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), o Partido para o Desenvolvimento Optimista de Moçambique (Podemos), a Nova Democracia (ND), o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e a Frelimo estiveram novamente reunidos com o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi.

Em causa estão as manifestações e paralisações que levaram o caos às ruas em Moçambique, protestos convocadas pelo candidato presidencial independente apoiado pelo Podemos, Venâncio Mondlane, que rejeita os resultados proclamados pelo Conselho Constitucional (CC), dando vitória à Frelimo, no poder, nas legislativas, e ao candidato que este partido apoia, Daniel Chapo, nas presidenciais.

Após o novo encontro com o Presidente moçambicano, Daniel Chapo anunciou que os partidos políticos vão formar grupos de trabalho que incluem comissões técnicas, visando discutir reformas estatais para colocar fim à crise pós-eleitoral no país.

"Hoje chegámos a um consenso que vamos continuar a trabalhar para as reformas que é o objetivo principal do povo moçambicano, estamos a falar de reformas relacionadas com a lei eleitoral, o aprimoramento da descentralização e as reformas que possam nos levar à revisão da Constituição da República para acomodar os interesses do povo moçambicano", disse Chapo.

Em 30 de dezembro, quatro partidos da oposição tinham manifestado abertura, após um encontro com o Presidente de Moçambique, a prosseguir um diálogo para um pacto social que conduza a reformas no país, face à tensão pós-eleitoral.

O candidato justificou o seu regresso com o facto de não poder continuar fora do país quando o povo "está a ser massacrado".

Confrontos entre a polícia os manifestantes já provocaram quase 300 mortos e mais de 500 pessoas baleadas desde 21 de outubro, segundo organizações da sociedade civil que acompanham o processo.

O Ministério Público abriu processos contra o candidato presidencial, enquanto autor moral de manifestações que, só na província de Maputo terão causado prejuízos, devido à destruição de infraestruturas públicas, no valor de mais de dois milhões de euros,

O Tribunal Supremo já afirmou, anteriormente, que não há qualquer mandado de captura emitido para Mondlane nos tribunais.

Em 23 de dezembro, o Conselho Constitucional, última instância de recurso em contenciosos eleitorais, proclamou Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), como vencedor da eleição presidencial, com 65,17% dos votos, bem como a vitória da Frelimo, que manteve a maioria parlamentar.

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