Marine Le Pen adverte Bayrou: se o IVA aumentar o governo tem os dias contados
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Marine Le Pen adverte Bayrou: se o IVA aumentar o governo tem os dias contados

Executivo francês tem de cortar despesa e aumentar receitas, mas a margem de manobra é mínima, com esquerda e extrema-direita a rejeitarem as propostas do primeiro-ministro.
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Marine Le Pen continua a dar prova de vida na política francesa, apesar de condenada a quatro anos de prisão por peculato devido ao escândalo dos assessores fictícios do seu partido de extrema-direita no Parlamento Europeu. Depois de, em dezembro, ter acabado com a breve chefia do governo por parte de Michel Barnier, ao votar de forma favorável uma moção de censura da esquerda, agora o seu sucessor recebeu a ameaça de acabar de forma igual. "Se François Bayrou fizer a mesma coisa no próximo orçamento, as mesmas causas levarão aos mesmos efeitos, ele pode ter a certeza absoluta disso", ou seja, "votar pela censura", declarou no final de uma visita de três dias à Nova Caledónia.

O presidente Emmanuel Macron, numa entrevista concedida à TF1 em meados do mês, disse que iria pedir ao executivo que elaborasse uma conferência social sobre o "método de financiamento do sistema social", e "uma reflexão sobre os desenvolvimentos no trabalho". Sem fazer menção a qualquer conferência, o primeiro-ministro respondeu na terça-feira ao propor ressuscitar a ideia de um imposto sobre o valor acrescentado (IVA) social, embora sem entrar em pormenores. A França tem "um problema em financiar o modelo social", reconheceu o primeiro-ministro centrista, pelo que disse esperar que os parceiros sociais "pudessem abordar esta questão" para rever o financiamento da segurança social. Em contrapartida, prevê-se uma baixa nos descontos para a Segurança Social por parte das empresas. Para Bayrou, "o trabalho em França não é recompensado como deveria ser" e uma queda na quotizações por parte das entidades empregadoras poderia aumentar a competitividade destas, bem como a sua capacidade para aumentar os salários. A associação patronal francesa Medef e a Confederação das Pequenas e Médias Empresas estão de acordo com a instauração do dito IVA social.

Segundo uma estimativa do Conselho Superior para o Financiamento da Proteção Social, se as diferentes taxas de IVA fossem aumentadas num ponto percentual o Estado recolheria mais 13 mil milhões de euros por ano. Em 2024, registou-se um défice da Segurança Social de 15,3 mil milhões de euros. Em França há quatro níveis de IVA: normal de 20%, reduzido de 10% (restauração, medicamentos não comparticipados, transportes, por ex.), reduzido de 5,5% (produtos alimentares, livros, bilhetes para espetáculos e cinema, entre outros) e particular de 2,1% (medicamentos comparticipados, jornais e revistas, venda de animais para abate). O IVA contribui neste momento para 8% dos gastos da Segurança Social.

França está com graves problemas financeiros. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional advertiu Paris de que se o governo não toma "medidas decisivas e decisões difíceis" o défice continuará nos 6% do Produto Interno Bruto e a dívida pública continuará a aumentar até 2030. Segundo a instituição com sede em Washington, a receita não passa por aumentos de impostos porque a carga fiscal francesa já é "uma das mais elevadas da Europa". Passa antes por "racionalizar as despesas públicas e reforçar a eficiência" no país "com a maior proporção de despesa pública em relação ao PIB na UE".

O governo de Bayrou tem como meta cortar 40 mil milhões de euros de despesas no orçamento de 2026. E em abril, o primeiro-ministro disse à imprensa que a opção de aumentar impostos tinha sido "descartada", tendo argumentado que tal seria "um raciocínio insustentável" devido à elevada carga fiscal francesa. Agora Bayrou quer aumentar um imposto universal sobre o consumo. E se o patronato está de acordo, os sindicatos mostram-se contra, tal como os partidos à esquerda e a União Nacional de Le Pen. E não só: Pierre Moscovici, presidente do Tribunal de Contas, considera a medida "injusta", ainda que os produtos da cesta básica pudessem ser poupadas a um aumento do IVA.

"O IVA social é o aumento de impostos que atinge de forma mais injusta os mais pobres", disse Le Pen. "Pedir sempre aos franceses que se esforcem sem que o Estado o consiga fazer está a tornar-se insuportável", considerou.

Sem maioria parlamentar, o governo de coligação de centro e centro-direita arrisca a sua sobrevivência caso avance com esta medida que já foi aprovada na Assembleia Nacional em 2012, durante a presidência de Nicolas Sarkozy, depois de debate durante a campanha das eleições legislativas de 2007. A medida não chegou a entrar em vigor, uma vez que o socialista François Hollande a revogou assim que se sentou no Palácio do Eliseu.

Recados a Bardella

Na viagem à Nova Caledónia, o arquipélago no Oceano Pacífico com um forte movimento pró-independência que há um ano viveu violentos motins em resultado de uma nova lei eleitoral, a chefe de facto da Reunião Nacional reagiu à capa da revista Valeurs Actuelles, na qual à cara do seu delfim Jordan Bardella estava aposto o título "Objetivo 2027", em referência às próximas eleições presidenciais. Le Pen foi condenada igualmente a cinco anos de inelegibilidade, mas aguarda pelo recurso e continua a considerar-se a candidata à presidência. "Se for eleita posso vir a ser chamada a desempenhar um papel ativo nas decisões que podem ser tomadas", disse sobre o estatuto da Nova Caledónia. Já Bardella, notou, não é pessoa informada para questões deste calibre. "Não tenho a certeza que Jordan conheça muito bem as problemáticas da Nova Caledónia. Diria que há uma partilha de talentos", afirmou, antes de reafirmar que o lugar que tem previsto para o presidente do partido é como primeiro-ministro.

Os franceses, entretanto, não estão tão certos disso, a avaliar pelas sondagens, colocando o líder nominal e a líder de facto com intenções de voto semelhantes.

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