"Leve-leve" ou em repressão crescente? Um mês após golpe, analistas divergem sobre situação na Guiné-Bissau
LEONARDO NEGRÃO

"Leve-leve" ou em repressão crescente? Um mês após golpe, analistas divergem sobre situação na Guiné-Bissau

O investigador Fernando Jorge Cardoso considera que a situação está estagnada, um mês após o golpe de Estado militar, mas a analista Ana Lúcia Sá salienta que a repressão é crescente.
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O professor da Universidade Autónoma de Lisboa Fernando Jorge Cardoso considera o golpe de Estado militar de 26 de novembro "bem-sucedido", embora este seja um golpe "estranho", em que o presidente deposto, Umaro Sissoco Embaló, tem tempo para dar entrevistas e sai "calmamente do país". 

"Os militares mostraram-se unidos e, apesar da sociedade civil ter protestado, o executivo foi dissolvido — embora algumas figuras do mesmo estejam agora no novo regime transitório —, as urnas foram 'deitadas à rua' e invocaram-se vários pretextos para o golpe", contextualiza o docente universitário.

"Eu, sinceramente, acho que a situação é um pouco, como costumam dizer em São Tomé e Príncipe, 'leve-leve'. Ou seja, é uma situação que não anda para a frente nem anda para trás, antes pelo contrário."

O analista defende que, internamente, não há nenhuma força capaz de se opor aos militares que tomaram o poder, pelo menos aparentemente. Por outro lado, os principais financiadores e doadores da Guiné-Bissau — Portugal e a União Europeia —, apesar de terem condenado o sucedido, não aplicaram sanções.

Já a professora universitária do ISCTE Ana Lúcia Sá realça que a situação piorou em termos de repressão e violência e está cada vez "mais asfixiante".

"Foi brutalmente espancado um militante do Movimento para Alternância Democrática (Madem G-15) por ter feito um 'post' no Facebook a dizer que apoia qualquer decisão democrática e não golpes. Foram também brutalmente espancados dois funcionários da Liga Guineense dos Direitos Humanos e o clima está a ser cada vez mais asfixiante", alerta.

Para a investigadora, não há dúvida de que o presidente deposto "continua a governar à distância", mantendo influência direta sobre o atual executivo, um fenómeno que considera "sem paralelo em golpes anteriores no país", que tem um histórico de golpes e de tentativas.

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Sucesso de “golpe cerimonial” de Embaló e dos militares na Guiné-Bissau depende da pressão externa

Por seu turno, Fernando Jorge Cardoso considera que existe uma forte probabilidade de a influência de Sissoco se diluir ao longo do tempo e que quem está "na cadeira passe a gostar da mesma", impedindo-o assim de regressar às funções presidenciais.

Relativamente à reação internacional, Ana Lúcia Sá lamenta que não estejam a ser aplicadas sanções a indivíduos — como acontece, por exemplo, no Sudão — e que não esteja a ser possível garantir a libertação dos "sequestrados políticos", nomeadamente o presidente do histórico PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), Domingos Simões Pereira.

Já Fernando Jorge Cardoso explica que a Guiné-Bissau não tem "peso desestabilizador", por isso tem sido apenas suspensa de organizações internacionais.

"Condenaram o golpe de Estado, foi suspensa das organizações internacionais a que pertencia, mas, por exemplo, não foi objeto de nenhuma decisão do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas", alerta.

Especificamente sobre Portugal, defende que a cautela pode estar relacionada com o evitar penalizar diretamente a população, dado o impacto que teria suspender projetos no terreno.

Por seu turno, Ana Lúcia Sá realça que falta a Portugal um debate profundo sobre o seu papel histórico e sobre como encara as ex-colónias, o que se reflete na resposta atual a esta situação.

Outro ponto que divide estes analistas é a mudança de sistema político para um regime presidencialista.

Fernando Jorge Cardoso considera "patético um regime semi-presidencial num país marcado por conflitos entre presidente, primeiro-ministro e parlamento" e vê numa alegada futura revisão constitucional para um sistema presidencialista um possível legado positivo deste golpe.

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Homem próximo de ex-PR guineense detido em Lisboa foi libertado sem ir a tribunal

Ana Lúcia Sá argumenta que, se essa revisão ocorrer, representará "uma vitória para Sissoco", que já ambicionava esta mudança, embora saliente que apenas o parlamento — dissolvido em dezembro de 2023 — tem legitimidade para o fazer.

Quanto ao quadro futuro, ambos concordam que, possivelmente, dentro de um ano se irão realizar eleições.

As eleições gerais, presidenciais e legislativas, de 23 de novembro tinham decorrido sem incidentes, mas, a 26, na véspera da divulgação dos resultados oficiais, um tiroteio em Bissau antecedeu a tomada do poder pelo Alto Comando Militar, que nomeou o presidente de transição, o general Horta Inta-A.

O general anunciou que o período de transição terá a duração máxima de um ano e nomeou como primeiro-ministro e ministro das Finanças Ilídio Vieira Té, antigo ministro de Embaló. Um novo Governo de transição foi, entretanto, empossado, com nomes do executivo deposto e cinco militares entre os 23 ministros e cinco secretários de Estado.

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