Uma sondagem recente mostrou que se um referendo sobre a independência do território fosse levado a cabo agora a maioria votaria a favor, com apenas 28% a mostrar-se contra.
Uma sondagem recente mostrou que se um referendo sobre a independência do território fosse levado a cabo agora a maioria votaria a favor, com apenas 28% a mostrar-se contra.Mads Claus Rasmussen/EPA

Gronelândia vai a votos entre o interesse de Trump e o desejo de independência

Os cinco partidos representados até agora no Parlamento e a maioria da população são contra a ideia de a ilha passar para o controlo norte-americano.
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A Gronelândia realiza esta terça-feira eleições legislativas num ambiente de tensão sem precedentes, face às ameaças de Donald Trump sobre tomar o controlo da maior ilha do mundo, e com a perspetiva de, em breve, os gronelandeses voltarem às urnas para decidir se desejam ou não ser independentes da Dinamarca, país que os controla desde 1721 e do qual são um território autónomo desde 1979.

A data destas eleições foi aprovada por unanimidade pelos 31 deputados do Parlamento a 4 de fevereiro, dia em que foi adotada também uma lei que proíbe que os partidos recebam financiamento estrangeiro, uma forma de evitar a influência estrangeira nesta campanha eleitoral, nomeadamente dos Estados Unidos, mas também para “salvaguardar a integridade política da Gronelândia”. “Estamos numa altura de tempos difíceis. Tempos que nunca experienciámos no nosso país. Este não é altura de divisões internas”, escreveu então o primeiro-ministro Múte Egede.

Além dos cinco partidos que já estão representados no Parlamento, haverá um sexto, o Qulleq, nos boletins de voto. O social-democrata pró-independência Siumut, o segundo maior do território e que faz parte da coligação governamental, surge à frente numa sondagem feita no final de janeiro, com 31% das intenções de voto, seguido do socialista e também pró-independência Inuit Ataqatigiit, liderado pelo primeiro-ministro Múte Egede, com cerca de menos 10 pontos.

Após as legislativas, mas sem indicar uma data concreta, o Siumut, presidido por Erik Jensen, pretende realizar um referendo sobre a independência, invocando um artigo de uma lei de 2009 que concedeu à ilha uma maior autonomia, incluindo o direito a negociar com a Dinamarca a sua independência, explicou à Reuters Doris Jensen, porta-voz do partido. “Até o nosso país atingir o estatuto de Estado independente, as nossas oportunidades de participar oficialmente em negociações são limitadas”, referiu a mesma fonte.

A Gronelândia, apesar das suas riquezas naturais, depende economicamente em grande parte da pesca e das subvenções atribuídas pela Dinamarca. Uma sondagem recente mostrou que se um referendo sobre a independência do território fosse levado a cabo agora a maioria votaria a favor, com apenas 28% a mostrar-se contra.

Este valor sobe para 45% se a independência afetasse de forma negativa o nível de vida da população. “[A decisão] tem de ser tomada de forma informada, para que a população não tenha dúvidas sobre as consequências. Temos uma sociedade de bem-estar que deve funcionar. Temos alguns aspetos económicos que também precisamos de ter em conta”, referiu recentemente Erik Jensen, líder do Siumut.

E depois há o fator Trump. A ideia de comprar a Gronelândia foi lançada pelo republicano no seu primeiro mandato e recuperada na campanha das últimas Presidenciais. No seu discurso perante o Congresso, na semana passada, Trump voltou a falar do interesse em controlar a ilha. “Apoiamos fortemente o vosso direito de determinar o vosso próprio futuro e, se vocês escolherem, dar-vos-emos as boas-vindas nos EUA. Precisamos da Gronelândia para a segurança nacional e até mesmo para a segurança internacional e estamos a trabalhar com todos os envolvidos para tentar obtê-la, mas precisamos dela realmente para a segurança internacional, e acho que vamos obtê-la”, afirmou Trump, fazendo um aviso: “De uma forma ou de outra, vamos obtê-la. Iremos manter-vos seguros e ricos. E juntos, levaremos a Gronelândia a níveis como vocês nunca imaginaram ser possível.”

Logo em seguida as autoridades dinamarquesas e gronelandesas rejeitaram a pretensão de Trump, com Egede a assegurar que a Gronelândia não está à venda. “Não queremos ser americanos, nem dinamarqueses, somos kalaallit [gronelandeses]. Os americanos e o seu líder devem compreender isto”, escreveu nas redes sociais “Não estamos à venda e não podemos ser levados. O nosso futuro é determinado por nós na Gronelândia.”

Uma posição que é partilhada pelos cinco partidos com representação no Parlamento e pela maioria dos cerca de 57.000 habitantes - uma sondagem de janeiro mostra que 85% dos gronelandeses são contra a ideia de a ilha passar para o controlo americano e quase metade vê o interesse de Trump como uma ameaça.

Esta segunda-feira, o primeiro-ministro gronelandês voltou a falar de Donald Trump, referindo que o presidente dos Estados Unidos “é muito imprevisível e isso preocupa as pessoas”. Múte Egede notou ainda que “com o que aconteceu recentemente, com o que o presidente norte-americano disse e fez, não queremos estar tão perto [dos EUA], como talvez quiséssemos estar antes”, criticando ainda Trump por não tratar os habitantes do território “com respeito”.

O que torna a ilha tão atrativa

Comecemos por um conceito básico, a geografia. Embora mais associada à Europa, por ser um território autónomo da Dinamarca, a Gronelândia fica na América do Norte, entre o Ártico e o Canadá, sendo o caminho mais rápido entre os dois continentes, o que é estrategicamente importante para os EUA.

Há ainda a ter em conta que as alterações climáticas estão a reduzir o gelo do Ártico, prevendo-se a criação de uma passagem para o comércio internacional e reacendendo a competição entre a Rússia, a China e Estados Unidos pelo acesso aos recursos minerais da região.

De acordo com Serviço Geológico Nacional da Dinamarca e da Gronelândia (GEUS), os recursos de terras raras do território são estimados em 36,1 milhões de toneladas, sendo que a ilha possui um stock significativo destes 17 metais cobiçados pela indústria do futuro e cuja procura deverá aumentar nos próximos anos. Segundo o GEUS, os solos da Gronelândia também contêm grafite, lítio e cobre, três minerais definidos pela Agência Internacional da Energia como críticos para a transição energética.

Poderão ainda ser descobertos na ilha cerca de 28,43 mil milhões de barris de petróleo equivalente de hidrocarbonetos, segundo uma estimativa da GEUS.

Uma sondagem recente mostrou que se um referendo sobre a independência do território fosse levado a cabo agora a maioria votaria a favor, com apenas 28% a mostrar-se contra.
Primeiro-ministro da Gronelândia demonstra preocupação face a Donald Trump. "É muito imprevisível"

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